Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

31
Mar 12

Uma abelha enormeeee poisada na lombada dos meus livros,

- E se a porta sempre cerrada, e se a janela sempre cerrada,

Uma abelha enormeeee disfarçada de palavras, deus travestido de abelha aos encontrões nos murmúrios da insónia, Será deus a testar o meu ateísmo?,

- E sabes… Não tenho coragem de a assassinar, e bastava lançar um simples cachimbo, e zás, deus, ou a abelha, quem quer que seja, tomba no silêncio cansado do fumo do meu cigarro,

(não devias fumar Meu filho)

E tanta coisa que eu não

- Não devia estar desempregado e estou, não devia escrever e escrevo, e se algum dia o cancro me visitar tratá-lo-ei como trato todas as pessoas que me procuram, com afeto, com carinho, ser simpático,

E fiz, e fui, e tanta coisa que eu não consigo perceber, não consegui entender a sombra das mangueiras, nunca percebi porque calcei o primeiro par de botas aos seis anos,

- E tão pesadas Meu filho,

Mãe O que são botas?,

- Não sei meu filho Eu e o teu pai nunca votamos na vida, alguém não deixa,

E tão pesadas, enormeeess como as âncoras dos navios estacionados no porto de Luanda, e eu Mãe, e eu também nunca calcei um par de botas, e os pés inchavam, e nas mãos as frieiras das manhãs de inverno, e sinto saudades das sandálias e dos calções,

- Não devias fumar Meu filho,

Semeavas no rosto um sorriso de primavera, Belém acordava junto ao rio, e nunca soube quem eras, via-te passar nas sombras do Texas, e eu olhava o teto, abelhas e travestis de mão dada alimentavam-se da seiva esbranquiçada da noite, e quando acordava sentia o mar dentro de mim, eu

- Um cacilheiro em círculos nas mãos da Marilú, um cacilheiro em círculos nas mãos da Gisela, eu em viagens pelo Tejo até me cansar,

Eu simplesmente impávido às cores da abelha vestida com silêncios e orgasmos de noite,

(escrevem no Google “Orgasmos Intensos” e poisam no meu blog)

Como se o meu blog fosse uma puta a fingir orgasmos entre copos e charros, como se o meu blog fosse um par de botas calçados pela primeira vez aos seis anos de idade,

- Semeavas no rosto um sorriso de primavera

(e o meu blog é uma puta séria, coletada e sindicalizada, e descansa ao domingo)

Via-te passar entre os carris que acordavam em Cais de Sodré e adormeciam em Belém, junto ao rio, não devia estar desempregado e estou, não devia escrever e escrevo, e se algum dia o cancro me visitar tratá-lo-ei como trato todas as pessoas que me procuram, com afeto, com carinho, ser simpático,

(escrevem no Google “Bares de Engate em Lisboa” e poisam no meu blog)

Como se o meu blog fosse um estabelecimento comercial, como se o meu blog fosse um corrupio de sexos pendurados nas janelas da lua,

E fiquei sem perceber se ele ou ela queriam engatar ou serem engatados, e fiquei sem perceber a sombra das mangueiras, e fiquei sem perceber porque calcei o primeiro par de botas aos seis anos,

Via-te passar,

- Não devias fumar Meu filho,

E fumo até me cansar como me cansei de andar vestido de cacilheiro em círculos no Tejo.

(Ganhei coragem e matei a abelha…)

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

E voas nos meus sonhos

Princesa adormecida

Flor cansada que se aconchega ao meu corpo

E voas e voas

Pássaro louco

Quando dos meus lábios

Palavras constroem poemas

Quando das minhas mãos

Um silêncio poisa nos teus seios…

E voas nos meus sonhos

Princesa adormecida

E voas e voas e voas em direção à lua

publicado por Francisco Luís Fontinha às 17:59

30
Mar 12

Pego na esferográfica da noite, vem a paixão até mim embrulhada nos pedacinhos de rosa que saltitam nos lábios da luz, olho-te, olho-te abraçada ao pijama com bolinhas encarnadas, deitas os cabelos sobre o silêncio e sonhas,

- Sonharás comigo?,

Pergunto-me,

Pergunto-me se sonharás comigo, com as minhas mãos, com o meu sorriso, com os papéis poisados na minha secretária

- Que desarrumação Francisco,

Miúda parva, poisados na minha secretária os meus lábios, Sonharás com os meus lábios?, ao pequeno-almoço,

Finíssimos cristais de silício com torradas, sumo de laranja e leite, do jornal as parvoíces de sempre, a crise, a crise, a puta que os pariu,

Oiço a tua voz em cansaços sibilados, respiras docemente como uma abelha em busca do pólen, tens nos olhos cerrados as pálpebras da insónia, e se eu comer as torradas, e se eu comer os cristais de silício e deitar fora o leite,

Pergunto-me,

- Quando pego na tua mão se sonharás comigo,

(Esqueço-me do sumo de laranja)

Uma equação diferencial escreve-se na ardósia da tarde, os pórticos galgam as saliências do sonho, e todas as janelas da tua cidade de braços entrelaçados nos ramos de árvores embriagadas pelos pássaros de primavera, aqui não chove

- Miúda parva,

Aqui sol misturado com integrais triplos, e pergunto-me, e pergunto-me se conseguirás sonhar comigo na desarrumação da minha secretária, junto às bolinhas encarnadas do teu pijama,

- Que desarrumação Francisco,

(e não interessa a um desempregado se a TVI escreveu no canto esquerdo do ecrã PAÇOS em vez de PASSOS, o que nos interessa é trabalho; Parvalhões)

Todos os pássaros,

Parvalhões todos os pássaros que deixaram as árvores embriagadas, Parvalhões todos os dias sem torradas, parvalhões todos os dias sem cristais de silício, parvalhões todos os dias sem leite e sumo de laranja,

- Se todos os erros deste país fossem a troca de PASSOS por PAÇOS…

Pego na esferográfica da noite, vem a paixão até mim embrulhada nos pedacinhos de rosa que saltitam nos lábios da luz, olho-te, olho-te abraçada ao pijama com bolinhas encarnadas, do jornal as parvoíces de sempre, a crise, a crise, olhas a necrologia e procuras o meu rosto, vês os meus lábios embainhados numa cruz imaginária, os meus lábios perguntam-te se sonharás comigo

- Fodeste-me cinquenta cêntimos,

Comigo dentro da boca que se alimenta das sombras de Cais de Sodré, o  rio, o rio pergunta-te,

- Sonharás com ele?,

Parvalhões todos os pijamas com bolinhas encarnadas, Parvalhões todos os rios que correm para o mar, Parvalhões todos os barcos que sonham e têm asas, e voam sobre os teus cabelos,

- PASSOS por PAÇOS…

Quando finíssimos cristais de silício com torradas, sumo de laranja e leite, do jornal as parvoíces de sempre, a crise, a crise, a puta que os pariu.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:23

Pouco de mim

Em ti

Sem ti

Pouco de mim

Abraçado às palmeiras da Baía

Olho a cidade escondida no cacimbo

Vejo esqueletos de prédios transformados em pó

Em ti

Sem ti

Pouco de mim

Muito de ti

Quando acorda a cidade

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:45

29
Mar 12

“Nunca vi o mar,

A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel…”, Francisco Luís Fontinha in (Um Círculo com Olhos Verdes), Texto escolhido por José Luís Peixoto para o Livro As Escolhas de José Luís Peixoto, Conte Connosco 2.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:38

As cabras

Os queijos

O coalho líquido

E o bode…

Todos à porta da cidade

A miúda parva de espiga de milho na mão

Desce a calçada

E poisa no mar

Acorda o vento na saia da miúda parva

(E as cabras

Os queijos

O coalho líquido

E o bode…

Todos à porta da cidade)

Desce a calçada

Solitariamente como se fosse uma orquídea

Ou um sorriso de noite

Solitariamente como se fosse um orgasmo literário

Que cresce dentro de um livro de poemas

As mãos cansadas

Os lábios enfeitados com mel

E da boca oiço a noite que acaba de acordar

E voa

E voa em direção ao mar

(A miúda parva olha-me e dos lábios enfeitados com mel

Oiço as palavras de incenso – Se te fosses foder Francisco!)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:12

E um barco se suicida dentro do poço do inferno,

Perdi o mar e as montanhas habitadas pelas gaivotas invisíveis, e um barco mergulha na areia do mar,

- Porquê os barcos Francisco,

Porque voam e têm sonhos e amam,

- E os pássaros Francisco,

Porque os pássaros poisam a cabeça de porcelana sobre o silêncio do oceano, porque os pássaros rasgam todas as sombras da noite quando a última janela do universo se encerra, e os barcos voam e têm sonhos, Pensava Eu,

- Todos os espelhos têm o olhar turvo e rochas sem nome nas pálpebras, todas as pessoas sem nome, todos os barcos cansados de navegar nas páginas da insónia, balanças sobre os tentáculos da solidão, sobes até ao céu e sentas-te na espuma florescente da manhã,

E um barco

- Que têm os barcos Francisco,

E um barco se suicida dentro do poço do inferno, e desce e desce e desce…, até que a morte os separe, até que novamente seja dia, até

- Nas minhas mãos uma abelha…

Até que todas as flores tombem Pensava eu, até que a última janela do universo se encerre e alguém apague o candeeiro abraçado a um cordel, tudo tem um fim, Pensava eu, porque os pássaros poisam a cabeça de porcelana sobre o silêncio do oceano, porque os pássaros rasgam todas as sombras da noite quando a noite não existe, quando a noite acorda e entra pela janela, e deita-se no quarto desenhado numa parede branca, quando um crucifixo chora e espera pacientemente que todos os barcos,

- Uma abelha na minha mão,

Que todos os barcos se suicidam dentro do poço do inferno, e que todas as luzes se extinguiram, e que todos os pássaros

- Que têm os pássaros Francisco,

E que todos os pássaros poisem a cabeça sobre o silêncio do oceano, Sou feliz assim Dizia-me ele, era feliz quando se sentava nas palavras em todos os finais de tarde, era feliz quando olhava o rio e imaginava uma cidade a flutuar em direção ao Seixal, era feliz

- Nas minhas mãos uma abelha esquecida no centro da noite, todas as janelas do universo encerradas, todas as portas do céu cambaleando no púbis do sonho, É isto a vida?

Era feliz Dizia-me ele, era feliz quando o mar era mar, era feliz quando o dia era dia e a noite, e a noite, e a noite era noite, e hoje, e hoje

- E hoje o mar não é mar, e hoje a noite não é noite, e hoje o dia deixou de ser dia,

E hoje suicidam-se os barcos dentro do poço do inferno, e hoje o silêncio do oceano à procura de pássaros que poisem a cabeça sobre…

- Porquê os barcos Francisco,

A abelha que está na minha mão.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:42

Cansei-me,

Cansei-me de assistir pacientemente à entra e saída de pessoas, como se eu fosse um objeto descartável, usar e deitar fora, cansei-me dos livros e de desenhar numa tela, e meu deus… Eu nem sei desenhar,

Cansei-me de ver os pássaros plantados nas árvores do meu jardim a olharem-me e a chamarem-me em voz silenciosa

- Tu Tu és um monstro,

Cansei-me do mar, das flores, de todos os espelhos que dormem na cidade, Eu, Eu Cansei-me de escrever, porque eu, porque eu nem sei escrever,

Cansei-me da noite e do meu esqueleto quase pó que transporto, de óculos escuros… a enrolar cigarros entre as espinhas da manhã e o lombo assado do jantar,

CANSEI-ME DESTA MERDA TODA.

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:55

28
Mar 12
publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:35

Hoje, hoje o dia igual ao de ontem, hoje, hoje o dia igual ao de amanhã, e a maldita roulotte sempre inclinada no reumatismo e nas cãibras incolores, tropeça nas ondas do mar a escrivaninha suspensa no cartão de cetim, e escrevo-te acreditando que me ouves, abro a janela e grito para os barcos fantasmas que navegam no teu oceano,

- Deixei de ouvir-te Quando as gaivotas se abraçaram ao infinito da tarde, Esperava-te, Escrevia nas pálpebras o teu nome e Desenhava na minha mão o teu rosto, Deixei de ouvir-te

Olho pacientemente a escrivaninha da noite onde poisa a tua foto juntamente com o “Livro de Crónicas” de António Lobo Antunes,

- Quando as acácias partiram em direção ao mar, abro a janela e grito o teu nome incessantemente e em vão,

Deixei de ouvir-te, deixei de ler, oiço a tua voz impressa em papel mata-borrão, escrevo muito e até as árvores deixaram de ouvir-me, Deixei de ouvir-te quando as gaivotas se abraçaram ao infinito da tarde, esperava-te, escrevia nas pálpebras o teu nome e desenhava na minha mão o teu rosto

- São tristes todos os dias,

Olho-te e o “Livro de Crónicas” olha-me como se eu fosse um esqueleto com óculos escuros descendo a calçada da Ajuda e

- São tristes todos os dias, e todas as noites crescem como ervas daninhas à procura dos petroleiros embriagados, o Tejo cambaleia na sombra da tua voz,

E desço até ao fundo do poço onde um dos pedacinhos de papel mata-borrão brinca com uma abelha, tento resgatar a tua voz, não consigo, deixei

- Deixarei de ouvir-te nos algerozes quando encontrar os restantes pedacinhos de papel mata-borrão,

Hoje, hoje o dia igual ao de ontem, hoje, hoje o dia igual ao de amanhã, e a maldita roulotte sempre inclinada no reumatismo e nas cãibras incolores, ela procura a escrivaninha entre os papéis

- Deixei de ouvir-te,

Deixei de ter retrato, deixei de ler “O Livro de Crónicas”, deixei de acreditar que um dia vou encontrar todos os pedacinhos de papel mata-borrão, descem todas as estrelas até chegarem ao estômago da noite,

- Deixei de ver-te do sótão amordaçado,

São tristes todos os dias, e todas as noites crescem como ervas daninhas à procura dos petroleiros embriagados, metade de mim está sentada junto ao Padrão dos Descobrimentos a fumar haxixe e a beber cerveja, a outra metade algures num quintal debaixo das mangueiras onde o triciclo curvilíneo corre nas arcadas da espuma do mar, e todas as outras metades que sobejaram em todos os rios e em todas as cidades,

- “ O Livro de Crónicas” suspenso na minha mão, e sobre a escrivaninha o teu retrato de cabelos ao vento,

São tristes todos os dias, são tristes todos os barcos, são tristes os livros e as palavras…, e as noites crescem como ervas daninhas,

- Deixei de ouvir-te Quando as gaivotas se abraçaram

E o mar muito pequenino entrou na minha algibeira e comeu-me como se eu fosse um esqueleto com óculos escuros descendo a calçada da Ajuda.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:13

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