Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Mar 12

Vivo desesperadamente sobre um cordel de vidro, oiço o acordar das noites e para me distrair, e para me distrair faço desenhos na sombra da amoreira que habita no quintal do senhor Agripino, coitado

- Todas as janelas se cerram As ultimas palavras da tia Adosinda antes de embarcar para o jardim das camélias adormecidas,

Coitado, sempre agachado sobre os anzóis da tarde, e do outro lado da rua a voz esganiçada da empregada do estabelecimento comercial onde pedaços de plástico cobrem solitariamente a madeira encardida das mesas, é noite, de cigarro no beiço o senhor Agripino afoga a infância em vinho tinto, e a empregada histérica

- Moelas Bolinhos de Bacalhau Orelheira e Chouriço assado,

E a empregada histérica abraçada ao fogão de lenha, e a empregada histérica matutando como conseguir chegar a casa depois de um dia a aturar embriagados e putas, e paneleiros, e o filho doente e o marido a coçar os testículos no granito da rua,

- Recebo um telegrama Informamos vossa excelência que acaba de ser condecorado pelo rei da Babilónia pelos serviços prestados enquanto arrumador de automóveis,

Penso

. Estou fodido,

Penso Lá vou ter de vestir o fato e colocar a gravata com pintinhas encarnadas e calçar os sapos pontiagudos, e eu, e eu sempre odiei todas essas coisas, e até já pedi à minha querida mãezinha Não Não quero fato, Não Não quero gravata, Não Não quero sacerdote, por favor…

Missa? Não Não.

(quero que o meu funeral seja como o do Beethoven)

Coitado do senhor Agripino Quando chegou ao cemitério apenas o acompanhava o cão

- Imagino-me a chegar ao cemitério na companhia dos meus dois fiéis amigos, o REX e o NOQUI, Mas não posso levar fato, Mas não posso levar gravata, Mas não posso levar sapatos pontiagudos…

E o cão do senhor Beethoven o único com paciência para acompanhar o dono ao seu último destino

- Sim tia Adosinda Não se preocupe que no jardim das camélias não falta de nada, Veja lá que até já têm bolinhas de sabão e acácias em flor,

Então está bem Meu filho,

E o seu último destino foi precisamente a ponte invisível que brinca sobre o rio da fantasia, e quando dou por ela, e quando dou por ela oiço a voz esganiçada da empregada a suicidar-se sobre as rochas doentes da noite,

- Ai,

Foi-se entre os limos da preguiça, Agripino chorava, eu, eu dentro de uma caixa de madeira embrulhado num lençol azul bordado pela minha mãezinha muito antes de eu ter nascido, muito antes de o meu pai colocar brilhantina no cabelo e passear-se de lambreta pelas ruas de Luanda,

- Que saudades da velha lambreta Quando o meu cabelo parecia o mar que comia a noite, o mesmo mar que comeu todos os barcos, o mesmo mar que me comeu…

Vivo desesperadamente sobre um cordel de vidro, oiço o acordar das noites e para me distrair, e para me distrair invento histórias, e para me distrair

- Era tão boa menina a piquena do estabelecimento comercial,

E para me distrair oiço o AL Berto, e é tão doce a sua voz, e oiço e oiço…, e porra

- “Se disser mar em voz alta o mar entra pela janela”,

E porra que não me canso de olhar para a janela e não vejo o mar a entrar, e deixei de ver os barcos a serem comidos pelo mar, e deixei de ser comido pelo mar,

- Morri?,

Oiço a voz dela espreguiçar-se sobre as rochas encharcadas de dedos estilhaçados de incenso e mel,

- Morri,

Quando as abelhas deixaram de me picar.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:10

Acreditava que a honestidade e a sinceridade eram uma mais-valia do ser humano; estava completamente errado.

Partilhar o que fui e o que sou sempre me custou muito caro em alguns momentos da minha vida, e acabo de aprender que nunca, que nunca devemos partilhar com os outos o que fomos e o que somos.

E se algum dia voltar a amar, nunca, nunca partilharei o que fui e o que sou.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:43

Há sílabas assassinas

Nas palavras que escrevo

E percebo que morro

Abraçado às vogais

Olho os carris presos à insónia

E sei que uma lagarta de aço

Em galope se aproxima

O meu dilema

Deitar-me pacientemente sobre os carris…

Ou

Ou subir a montanha

Mastigando cigarros invisíveis

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:50

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