Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Mar 12

“Nunca vi o mar,

A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel…”, Francisco Luís Fontinha in (Um Círculo com Olhos Verdes), Texto escolhido por José Luís Peixoto para o Livro As Escolhas de José Luís Peixoto, Conte Connosco 2.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:38

As cabras

Os queijos

O coalho líquido

E o bode…

Todos à porta da cidade

A miúda parva de espiga de milho na mão

Desce a calçada

E poisa no mar

Acorda o vento na saia da miúda parva

(E as cabras

Os queijos

O coalho líquido

E o bode…

Todos à porta da cidade)

Desce a calçada

Solitariamente como se fosse uma orquídea

Ou um sorriso de noite

Solitariamente como se fosse um orgasmo literário

Que cresce dentro de um livro de poemas

As mãos cansadas

Os lábios enfeitados com mel

E da boca oiço a noite que acaba de acordar

E voa

E voa em direção ao mar

(A miúda parva olha-me e dos lábios enfeitados com mel

Oiço as palavras de incenso – Se te fosses foder Francisco!)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:12

E um barco se suicida dentro do poço do inferno,

Perdi o mar e as montanhas habitadas pelas gaivotas invisíveis, e um barco mergulha na areia do mar,

- Porquê os barcos Francisco,

Porque voam e têm sonhos e amam,

- E os pássaros Francisco,

Porque os pássaros poisam a cabeça de porcelana sobre o silêncio do oceano, porque os pássaros rasgam todas as sombras da noite quando a última janela do universo se encerra, e os barcos voam e têm sonhos, Pensava Eu,

- Todos os espelhos têm o olhar turvo e rochas sem nome nas pálpebras, todas as pessoas sem nome, todos os barcos cansados de navegar nas páginas da insónia, balanças sobre os tentáculos da solidão, sobes até ao céu e sentas-te na espuma florescente da manhã,

E um barco

- Que têm os barcos Francisco,

E um barco se suicida dentro do poço do inferno, e desce e desce e desce…, até que a morte os separe, até que novamente seja dia, até

- Nas minhas mãos uma abelha…

Até que todas as flores tombem Pensava eu, até que a última janela do universo se encerre e alguém apague o candeeiro abraçado a um cordel, tudo tem um fim, Pensava eu, porque os pássaros poisam a cabeça de porcelana sobre o silêncio do oceano, porque os pássaros rasgam todas as sombras da noite quando a noite não existe, quando a noite acorda e entra pela janela, e deita-se no quarto desenhado numa parede branca, quando um crucifixo chora e espera pacientemente que todos os barcos,

- Uma abelha na minha mão,

Que todos os barcos se suicidam dentro do poço do inferno, e que todas as luzes se extinguiram, e que todos os pássaros

- Que têm os pássaros Francisco,

E que todos os pássaros poisem a cabeça sobre o silêncio do oceano, Sou feliz assim Dizia-me ele, era feliz quando se sentava nas palavras em todos os finais de tarde, era feliz quando olhava o rio e imaginava uma cidade a flutuar em direção ao Seixal, era feliz

- Nas minhas mãos uma abelha esquecida no centro da noite, todas as janelas do universo encerradas, todas as portas do céu cambaleando no púbis do sonho, É isto a vida?

Era feliz Dizia-me ele, era feliz quando o mar era mar, era feliz quando o dia era dia e a noite, e a noite, e a noite era noite, e hoje, e hoje

- E hoje o mar não é mar, e hoje a noite não é noite, e hoje o dia deixou de ser dia,

E hoje suicidam-se os barcos dentro do poço do inferno, e hoje o silêncio do oceano à procura de pássaros que poisem a cabeça sobre…

- Porquê os barcos Francisco,

A abelha que está na minha mão.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:42

Cansei-me,

Cansei-me de assistir pacientemente à entra e saída de pessoas, como se eu fosse um objeto descartável, usar e deitar fora, cansei-me dos livros e de desenhar numa tela, e meu deus… Eu nem sei desenhar,

Cansei-me de ver os pássaros plantados nas árvores do meu jardim a olharem-me e a chamarem-me em voz silenciosa

- Tu Tu és um monstro,

Cansei-me do mar, das flores, de todos os espelhos que dormem na cidade, Eu, Eu Cansei-me de escrever, porque eu, porque eu nem sei escrever,

Cansei-me da noite e do meu esqueleto quase pó que transporto, de óculos escuros… a enrolar cigarros entre as espinhas da manhã e o lombo assado do jantar,

CANSEI-ME DESTA MERDA TODA.

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:55

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