E um barco se suicida dentro do poço do inferno,
Perdi o mar e as montanhas habitadas pelas gaivotas invisíveis, e um barco mergulha na areia do mar,
- Porquê os barcos Francisco,
Porque voam e têm sonhos e amam,
- E os pássaros Francisco,
Porque os pássaros poisam a cabeça de porcelana sobre o silêncio do oceano, porque os pássaros rasgam todas as sombras da noite quando a última janela do universo se encerra, e os barcos voam e têm sonhos, Pensava Eu,
- Todos os espelhos têm o olhar turvo e rochas sem nome nas pálpebras, todas as pessoas sem nome, todos os barcos cansados de navegar nas páginas da insónia, balanças sobre os tentáculos da solidão, sobes até ao céu e sentas-te na espuma florescente da manhã,
E um barco
- Que têm os barcos Francisco,
E um barco se suicida dentro do poço do inferno, e desce e desce e desce…, até que a morte os separe, até que novamente seja dia, até
- Nas minhas mãos uma abelha…
Até que todas as flores tombem Pensava eu, até que a última janela do universo se encerre e alguém apague o candeeiro abraçado a um cordel, tudo tem um fim, Pensava eu, porque os pássaros poisam a cabeça de porcelana sobre o silêncio do oceano, porque os pássaros rasgam todas as sombras da noite quando a noite não existe, quando a noite acorda e entra pela janela, e deita-se no quarto desenhado numa parede branca, quando um crucifixo chora e espera pacientemente que todos os barcos,
- Uma abelha na minha mão,
Que todos os barcos se suicidam dentro do poço do inferno, e que todas as luzes se extinguiram, e que todos os pássaros
- Que têm os pássaros Francisco,
E que todos os pássaros poisem a cabeça sobre o silêncio do oceano, Sou feliz assim Dizia-me ele, era feliz quando se sentava nas palavras em todos os finais de tarde, era feliz quando olhava o rio e imaginava uma cidade a flutuar em direção ao Seixal, era feliz
- Nas minhas mãos uma abelha esquecida no centro da noite, todas as janelas do universo encerradas, todas as portas do céu cambaleando no púbis do sonho, É isto a vida?
Era feliz Dizia-me ele, era feliz quando o mar era mar, era feliz quando o dia era dia e a noite, e a noite, e a noite era noite, e hoje, e hoje
- E hoje o mar não é mar, e hoje a noite não é noite, e hoje o dia deixou de ser dia,
E hoje suicidam-se os barcos dentro do poço do inferno, e hoje o silêncio do oceano à procura de pássaros que poisem a cabeça sobre…
- Porquê os barcos Francisco,
A abelha que está na minha mão.
(texto de ficção)