Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

05
Abr 12

 

E eu cobri-o com o linho lençol das páginas de um livro, retirei todas as palavras e semeei-as nas entranhas da terra, chovia agrestemente nas mãos esbranquiçadas da fome que alimentavam a madrugada, e eu cobri-o

- De que me servem os livros, de que me serve o dia e a noite e os círculos suspensos no infinito da geometria desvairada dos olhos, de que me serve a janela virada para o mar se eu, se eu não consigo ultrapassar a janela e abraçar o mar,

E eu cobri-o com o linho lençol das páginas de um livro, ele desarrumado na tempestade longínqua da cidade, perdido dentro da montanha antes de nascer o sol, De que me servem os livros, o dia e a noite, a trigonometria em paixões avassaladoras nas flores da primavera e uma mulher tropeça numa pétala, Tão lindas as rosas, e os crisântemos tão lindos nos cravos de abril e de todos os meses do ano,

- Vendem-se corpos em fatias de pão, ouvem-se nas claraboias do silêncio os gemidos de um menino deixado estacionado num vão de escada, ele chora e procura o cão de infância,

Qual infância Pergunto-lhe antes de lhe poisar a mão sobre o linho lençol das páginas de um livro, A infância que se transformou em noite?, e tudo, Tudo estórias que ouvi da boca de um louco,

Do not cover, sabendo eu que a janela que me separa do dia nunca mais se abrirá, como as rosas depois de morrerem, ou, ou como a lua nas mãos da Cinderela, Qual infância questionava-se a boca do louco entre as grades imaginárias da enfermaria, e hoje tenho um medicamento novo e adormeço suavemente como as garças pintadas na paisagem, as grades de aço travestem os meus olhos verdes de papel de embrulho, um cachucho saltita no avental do rapazinho sem sonhos, e sei que na algibeira esconde religiosamente um cordel e um pião de madeira, e sobre o soalho transporta os pesadíssimos socos,

- É fodido ser pobre e não ter sonhos…,

Mais fodio é morrer antes de nascer Da boca do louco as palavras que semeei nas entranhas da terra, e hoje crescem poemas mortos, esqueletos sem sílabas, ruas sem saída, miséria, fome, alegria…

Somos todos felizes neste país!!!!!

- É fodido ser pobre e não ter sonhos…,

Quando o linho lençol de um livro desaparece na neblina da insónia, quando os olhos do rapazinho e os lábios do menino são sequestrados pela maré, quando todo o mar finge não ser mar, e a terra engole todas as palavras e todos os sonhos…

(que louco vai cobrir um radiador a óleo?)

 

(texto de ficção não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:10

Sou um menino mal comportado

Sem algibeira

E desempregado,

 

Sou um artista de circo de feira em feira

Umas vezes contente

Outras vezes magoado,

 

Sou um gajo cansado

Cansado de ver gente

Sou em menino mal comportado

E desempregado

Que de feira em feira

Vive alegremente.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:34

Desejo-me de barco em barco

De rocha em rocha

Desejo-me sobre a copa de uma árvore

Onde me prende uma mesa de madeira

Sobre a mesa de madeira caldo de cebola

E trigo de Favaios

Desejo-me dentro do Porto

Vinho que dá vida

Que do porto nada tem

E no douro cresce nas mãos calejadas de homens e mulheres

De rocha em rocha

De barco em barco

Desejo-me quando me aprisiona o espelho da vida

E dispo-me sobre a mesa de um bar

(já o fiz

E voltarei a fazê-lo)

Alguns de vós dizem

Coitadinho do louco

Que fumou de tudo um pouco

Coitadinho

Desempregado

Desamado

Desgraçadinho

Desejo-me sobre a copa de uma árvore

De rocha em rocha

De calhau em calhau

Desço até ao pavimento as calças esmiuçadas

Que dançam sobre a mesa de um bar

Sem lareira sem literatura

Apenas um bar com muitas gajas

E um copo de silêncio sobre o balcão

Coitadinho

Do menino

Sem tino.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:56

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