Há sempre alguém à nossa espera, o sol, a chuva, o vento, o mar, os lençóis de um divã, ou um petroleiro engasgado no sofrimento do rio, há sempre um cubo prisioneiro numa janela de primavera sem telhado, há sempre uma mulher suspensa no arame de luz que atravessa a rua, há sempre um automóvel pronto a caminhar sobre o meu corpo, há sempre um pano negro que ofusca o meu olhar, uma nuvem cinzenta que dissipa os meus sonhos, há sempre
- o dia disfarçado de noite, a luz disfarçada de chuva, o amor vestido de gangster e de metralhadora ao ombro, o homem de túnica encarnada a dançar sobre as pedras da calçada, o girassol murcho nas mãos de uma criança, o rio sem nome em direcção ao mar,
Há sempre, uma cidade que deixou de existir, uma escola que cresceu e hoje é o cemitério onde são enterrados todos os livros de poesia, há sempre, a rua da saudade paralela à rua do desejo e atravessa a rua da solidão, há sempre, a vida pintada de muitas cores numa tela de vidro, a boca louca em busca do beijo, a flor cansada que procura a carícia do jardineiro, sempre
- há bolachas sem cigarros, orquídeas em papel nas paredes do meu quarto, a clarabóia acaba de morrer e leva-a a noite para longe,
Portanto..., diria que há sempre um dia, uma noite, uma manhã sem sentido, o pequeno-almoço, jantar, lanche e almoço, a Eucaristia, há sempre
- deus a castigar-me, há sempre alguém à nossa espera, a chuva, o vento, as nuvens, um petroleiro louco nos carris do destino, deus cansado de me ouvir, deus à procura dos lençóis de nylon gamados na feira da ladra, o relógio, há sempre um relógio a controlar-me, sempre a odiar-me, sempre pertinho de mim,
Há sempre uma mão que cerras olhos quando eu atravesso a rua,
- sempre, pertinho de mim.
Uma mão imaginária de óculos escuros.
(texto de ficção não revisto)