Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Jun 12

À espera de quem nunca virá

acariciar as faces doiradas da lua

à espera

à espera das estrelas de engano

com mãos de pano

e que fingem orgasmos na via láctea

à espera de quem nunca virá

desligar o interruptor da solidão

e não tenha medo de deixar

sobre a mesa invisível

o pão

e o mar

 

o pão e o mar

sobre as finas planícies da biblioteca

o amor com o sabor amargo das palavras cansadas

e beijos

 

o pão

e o mar

 

o dia antes de morrer

 

à espera de quem nunca virá

acariciar as minhas mãos macias

que roubei à lua

numa noite de verão

uma noite muito especial

o pão

e o mar

do dia antes de morrer.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:03
tags: , , ,

28
Jun 12

Tudo à minha volta morreu:

morreram os miúdos que brincavam

nas tardes de Luanda

com triciclos de madeira

e sombras de mangueira

e novelos de esperança

nos lábios de papagaios de papel

em galopes invisíveis de um cavalo branco

 

morreram as gaivotas

e todos os pássaros meus amigos

morreu a Baía

e as palmeiras do fim de tarde

 

morreram os barcos

e as mulheres dos barcos

morreram os filhos dos barcos

e as sogras dos barcos

restaram os sogros

para contarem a história dos putos traquinas

que simulavam a morte com um pirolito

ou com uma gasosa junto ao capim

 

não morreram os musseques

multiplicaram-se

triplicaram-se

como todas as ervas daninhas da vida

 

(morre a felicidade

e todos os miúdos que foram felizes

excepto os musseques que crescem

crescem e crescem até chegarem ao céu...)

e que amanhã será um outro dia

(qual dia “caralho”?)

 

se todos os dias são fotocópias do dia anterior

e os musseques crescem e crescem e crescem

e crescem...

nos céus de Luanda.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:46

27
Jun 12

Vivo num poço de tristeza

com nuvens de solidão

e montanhas de lágrimas beleza

vivo não vivendo a certeza

que do rio de onde bebo as palavras de amar

se são palavras de amor

ou apenas desvairadas sílabas

sobre a mesa

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:35

26
Jun 12

A minha vida

sem tecto para olhar as estrelas

a minha vida

sem paredes

onde viviam janelas

a minha vida sem portas

onde dormiam flores

com cheiro a incenso

 

a minha vida

(uma merda em dois actos)

uma rua sem saída

ou a puta da sarjeta no centro da avenida

(horrível)

o rio sem barcos o rio sem sargentos o rio sem travestis

é triste este rio que chora e não desiste

 

a minha vida

(uma farsa literária)

com fotografia para o mar

onde brincam os afogados

e os desesperados que dizem que a minha vida

é uma encomenda sem morada

perdida

nas mãos do senhor Opiário...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:42

25
Jun 12

Tenho dias de inverno

de inferno noite

tenho dias sem noite

e noites em dias

tenho horas com rios

e dias

noites dela em cio

tenho dias em dias

rio nas mãos do mar

dias de inverno

em inferno noite

e dias de dias às noites

 

tenho dias de inverno

de inferno noite

 

tenho dias à janela

outros dias

com a corda suspensa no mar

tenho dias de inferno

e noite de inverno

dias em dias dos dias de amar

 

e tenho dias com poesia

e dias que não consigo acordar

dias aos dias outros dias

dias sem trabalhar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:43

24
Jun 12

ao longe

longe muito longe

longínquo

vivem as palavras “acreditar” e “ter esperança”

ao longe

corro

corro desalmadamente

e não lhes consigo tocar

 

ao longe

longe na ardósia da saudade

e deixei de acreditar

e deixo de ter esperança

 

ao longe muito muito longe

longe vivem as palavras

longe dormem as sílabas

de longe longínquo vai o meu corpo à fornalha da solidão

do dia e da noite

as luzes suicidam-se no precipício do oceano

 

ao longe

choro e chora e choro

e mingua e minguo e mingua a charada da vida

na cidade pobre

da cidade perdida

e deixei de acreditar

e deixo de ter esperança

da solidariedade

 

(palavra filha da puta)

 

e deixei de acreditar

e deixo de ter esperança

que um dia

acorde o sol dentro de mim

que um dia

seja sempre dia

debaixo dos plátanos do jardim

que um dia que um dia as estrelas sejam de papel.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:25

23
Jun 12

Inventas o medo

com um sorriso nas mãos

desenhas os olhos da noite

nos dedos imaginários do desejo

olhas o mar

desejas o mar

e o mar

e o mar acorda no teu peito

 

e o mar

enrola-se nas tuas mãos de seda

 

e o medo vai para longe

 

inventas o medo

sobre o zinco da aldeia

entre o capim

e o cacimbo

 

e o medo

para longe

inventas com um sorriso

nas palavras tuas mãos.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:04

22
Jun 12

O coração de papel

arde na lareira da insónia

lábios de mel

em busca de prazer

nas sandálias submersas

no chocolate líquido

 

o coração em migalhas

infinitamente pequeníssimas

sobre o silêncio da morte

 

arde

o papel

 

o coração deixa de ser meu

e transforma-se em granito puro

(seara verdejante no teu peito)

o grito

quando o céu

é teu

arde

o papel dos teus olhos

em corações de infância

 

gostava de ser o mar

e não ter sitio onde morar

 

ser pássaro e voar

gostava

até às planícies enclaustradas

nos suspiros da tarde

 

voláteis madrugadas

as nossas

dentro de quatro paredes

(de madeira)

o caixão com livros

e desenhos com lágrimas

o coração

 

o coração arde

no papel

o mar

e não ter sitio onde morar

da lareira da insónia

um grande beijo para ti....

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:29

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:20

21
Jun 12

a desilusão

o termino do dia

acorda a noite em mim

do outro lado da janela

nada de novo

tudo igual a ontem

os teus olhos

negra a noite

 

(tudo é triste quando se está só)

 

a desilusão

o termino do dia

a janela encerrada hermeticamente

e no cortinado

oiço silenciosamente a palavra: the end.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:37

Junho 2012
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9



30


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Posts mais comentados
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO