Tudo à minha volta morreu:
morreram os miúdos que brincavam
nas tardes de Luanda
com triciclos de madeira
e sombras de mangueira
e novelos de esperança
nos lábios de papagaios de papel
em galopes invisíveis de um cavalo branco
morreram as gaivotas
e todos os pássaros meus amigos
morreu a Baía
e as palmeiras do fim de tarde
morreram os barcos
e as mulheres dos barcos
morreram os filhos dos barcos
e as sogras dos barcos
restaram os sogros
para contarem a história dos putos traquinas
que simulavam a morte com um pirolito
ou com uma gasosa junto ao capim
não morreram os musseques
multiplicaram-se
triplicaram-se
como todas as ervas daninhas da vida
(morre a felicidade
e todos os miúdos que foram felizes
excepto os musseques que crescem
crescem e crescem até chegarem ao céu...)
e que amanhã será um outro dia
(qual dia “caralho”?)
se todos os dias são fotocópias do dia anterior
e os musseques crescem e crescem e crescem
e crescem...
nos céus de Luanda.