Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

31
Jul 12

O louco perguntou-me

se as árvores do jardim voavam,

olhei-o em cintilações complexas

enquanto me perguntava se as árvores do jardim voavam,

percebi que as árvores do jardim voam

quando as persianas da insónia da enfermaria se encerram,

e do jardim,

ouvem-se os passos invisíveis da morte...

 

o louco perguntava-me

e eu olhava-o

e o prato metálico da sopa

em acentos circunflexos sobre a minha cabeça,

 

os loucos são gajos porreiros,

 

puxava de um cigarro

e com todo o tempo existente no mundo...

via as árvores do jardim em voos desordenados

para enganarem os médicos e os enfermeiros,

 

porque os loucos são espertos

e fingem que dormem

e fingem que não vêem o voo nocturno das árvores

enquanto o louco fuma cigarros debaixo das amoreiras.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:42

Desenhei o teu nome

na areia finíssima do Mussulo

e sentava-me a olhar o teu sorriso

sobre a crista das ondas

desenhei barcos

inventei árvores e pintei pássaros no lugar das estrelas

construí amores e desejos cansados

sem sentido

e escrevi e escrevi e escrevi...

e escrevi as palavras sem jeito

que nunca gostaste e detestas

e desenhei o teu nome

 

e o vento levou

levou toda a areia da praia

e fiquei ausente

e sem os barcos de papel

 

e na crista das ondas

hoje

hoje brincam árvores de fumo

com folhas de silêncio.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:40

30
Jul 12

Vivo entre quatro paredes invisíveis

construídas pelo vento

sou metade pássaro

sou metade peixe

(e não sei amar)

e nunca percebi as (mulheres)

confesso

confesso que me é mais simples resolver uma equação diferencial

do que

do que olhar as manhãs de inverno da janela do palheiro onde habito

do que

resolver uma integral tripla

 

confesso

(e não sei amar)

as cintilações da álgebra linear e geometria analítica

matrizes

confesso que muito mais simplificadas

do que

do que algumas mulheres

(e não sei amar)

 

as flores

e as noites à espera das sílabas lunares

em rotações complexas

elípticas

 

o que interessam os protões

electrões

buracos negros

galáxias

deus

se o céu nocturno é tão lindo...

 

o que me interessa se a água é uma molécula

composta por dois átomos de hidrogénio

e um

e um átomo de oxigénio...

 

se elas (as moléculas) simplesmente saciam a sede

e refrescam as mãos húmidas das palavras

em telegramas ínfimos ausentes no cadáver da floresta abandonada

(e não sei amar)

 

dizem

dizem-me que nunca soube amar

 

e

e fico triste.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:12

Habituaram-se às minhas palavras

e esquecem-se

e não percebem

que também eu preciso de ouvir as palavras dos outros

as palavras que o mar engole

e as árvores em marés de desejo

esculpem nas sombras da solidão com pingos de insónia...

do mar

que engole palavras

e eu

e eu também preciso de ouvir as palavras

que os barcos levam para longe.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:39

29
Jul 12

Falta-me tudo... e a noite

longínqua esconde-se dentro da caixa do silêncio

oiço as vozes que sobejam do caixão do sorriso...

e deixei de ter vontade de sorrir

e deixei de acreditar

nas luzes e nas estrelas e no rio onde brincavam cacilheiros

no final do dia

a ponte

gente louca travestida de insónia

falta-me tudo...

as janelas

e as portas de saída para a noite.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:38

28
Jul 12

Os beijos prometidos

das planícies em silêncio

dos beijos desejados

esculpidos no sorriso da manhã

e à boca algemados

os beijos em marés de desespero

sem medo

da tempestade

 

os beijos prometidos

em amor tua mão

dos beijos sofridos

 

os beijos prometidos

dos pedacinhos de nuvem adormecida

ao loiro cabelo da gaivota

em revolta

por amar

por amar um rio sofrido suspenso na neblina.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:18

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:40

27
Jul 12

O tesão da palavra tesão

em busca do pénis flácido da noite

entre os joelhos da melancolia

o poema do gelo

esquecido la lareira de carvão

com as sílabas de orvalho

e a vagina de geada adormecida nos braços da puta da morte

mesmo à porta de entrada do quarto direito

 

(entre os muros curvilíneos do outono)

 

a vizinha do quarto esquerdo

que não me deixa dormir

oiço-lhe os gases e o rosnar da clarabóia

oiço-lhe os orgasmos fictícios que inventa quando percebe que eu estou em casa

e quero dormir

e sei que faz de propósito

que mais poderia ser?

Oiço-lhe todos os gemidos das frestas das quatro paredes de gesso

e das flores da amoreira

à deriva no silêncio do tecto do corredor

palavras de tesão

nas janelas do quarto esquerdo

 

vejo os barcos à janela

e a vizinha que teima em não me deixar dormir

em voos nocturnos para os caixotes de Odivelas

com pedacinhos de dedos de diamante negro

 

(acreditei em todos os barcos que vi

sobre as palmeiras da Baía de Luanda)

 

palavras de tesão

ardem nas algibeiras camufladas

em bocas

e coisas de poucas

 

título

para o poema de gelo

(precisa-se de trabalho)

às palavras sem tesão

difíceis de sobreviver à noite de Lisboa

um homem com calças aos quadradinhos

e óculos de fundo de garrafa de vodka

ontem

nos cigarros miseráveis dos barcos com gengivas dentro de rimas

os sexos das manhãs de amanhã

suspensos na varanda do quarto esquerdo

a puta da morte

 

 

no tesão das palavras

e das rimas que constroem o poema de gelo.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:39

26
Jul 12

Entre os parêntesis da miserável vida que tenho

cultivo no livro das memórias palavras de incenso

e rosas vermelhas cansadas de que as olhem e desejem

cansadas como algumas mulheres

rosas para serem olhadas

e ficarem esquecidas numa jarra de vidro

ou de cristal

e a mulher é para ser manuseada e amada

como as tardes de primavera junto ao mar dos pontos de interrogação

dizem que sou louco

pobre

muito pobre

 

mas tenho um barco

e o mar é só meu

dizem

 

dizem que as rosas são lindas

dizem que sou louco

pobre

muito pobre

 

deixem as mulheres serem amadas

e manuseadas como as rosas vermelhas

 

e dizem

e têm medo de me mostrarem

e dizem

dizem que as rosas são lindas

dizem que sou louco

pobre

muito pobre

e por essa razão tenho de viver na clandestinidade...

 

e dizem

dizem que o texto termina no ponto final

(nos meus texto não coloco ponto final)

e dizem

dizem que nunca terminam

como as rosas que vivem dentro dos livros

e que roubei num jardim de Agosto

com os olhos de amêndoa

e os lábios de maré salgada

gostavas do mar

e das árvores

e dos pássaros do inverno

 

e dizias

e dizias que eu era pobre

muito pobre

tal como hoje

como ontem

e como amanhã o serei

sempre

sempre eternamente pobre

(fala baixinho para ninguém te ouvir... XIU...).

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:19

25
Jul 12

Cansado desta “merda” toda...

do jantar sobejaram as espinhas de miséria

e a varanda da insónia desdestrói-se sobre os socalcos do cansaço

e cresce em mim a vontade de desistir de todos os sonhos

e de todos os jardins onde me sentei e escrevi com o meu olhar

poemas de “merda” no troco das árvores com inércia e pedacinhos de musgo nos braços

ler

escrever

amar

(foder

nas palavras embriagadas da noite)

e das marés sem luar

 

(cansei-me das janelas isósceles

e das portas rectângulos sem memória

do seno de trinta graus

ou das tangentes fictícias à meia-noite)

 

oiço os apitos invisíveis

dos barcos imaginários

que galgam a seara da tristeza

mergulhada no vento da noite escura

 

cansado

cansado do jantar

cansado

cansado do amor das palavras

cansado

cansado dos livros que adormeço

cansado

cansado dos livros que leio

e dos cachimbos

cansado

cansado da vergonha

de ser um miserável ou um fantasma sem cabeça

 

quando os barcos de verdade

regressam do banco de jardim frente aos correios (já falecido)

e trazem nos olhos as cerejas da adolescência...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34

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