Por razões de ordem pessoal vou deixar de escrever e de publicar o que possa vir a escrever no meu caderno preto; poderá ser breve ou eternamente. Tudo irá depender do estado do mar nos próximos meses...
Obrigado
Por razões de ordem pessoal vou deixar de escrever e de publicar o que possa vir a escrever no meu caderno preto; poderá ser breve ou eternamente. Tudo irá depender do estado do mar nos próximos meses...
Obrigado
As tristes palavras da tarde
moribundas as planícies dos desejos
tristes são as marés
sem barcos sem beijos
tristes as esplanadas
silenciosas dos cafés
tristes madrugadas
em tristes marés.
Que farei sem os cigarros
proibidos?
Perguntava-me antes de adormecer,
nada,
nada pensava eu,
os dias continuam a caminhar junto ao rio
e das flores oiço o cheiro do pólen
e das pétalas misturadas em delícias do mar
as palavras proibidas
à procura dos cigarros de fumar
Perguntava-me o que fazer sem os cigarros?
nada,
nada pensava eu,
viver vivendo
contando os dias mergulhados nas ilhargas da manhã
viver vivendo não fumando
os cigarros proibidos
Que frei?
nada,
nada pensava eu,
viver vivendo não fumando.
Deixar fluir o silêncio
dentro da câmara escura do medo
cerrar as janelas com os cortinados de solidão
e das paredes pendurados corações
sonâmbulos os homens
quando vão para a guerra do amor
moribundas palavras de cansaço
das tardes tuas mãos em cetim
comboios de esperma
as tuas simples palavras de ausência
debaixo do mar
as sandálias de infinitos perfumes de rosa purpura
deixar de acreditar no velho mar
e fluir o silêncio
das palavras em delírio desejo
o medo das sombras
tuas mãos em cetim semeiam na aurora crepuscular
o medo
das paredes prensadas em papel e cartão e carne teu peito
das amoras com açúcar e leite
das paredes prensadas
os cones de cinza com o sabor a incenso
onde ninguém te conhece
ou deseja
ou espera antes de terminar o dia
numa cama de pensão
no sótão da insónia
(deixar de acreditar no velho mar
e fluir o silêncio
das palavras em delírio desejo).
Nunca sei ao certo se entro na dos homens ou pelo contrário, sem o saber, entro na das mulheres, confuso, os símbolos pendurados na porta de entrada, hesito
hesito entrar ou não entrar, hesito procurar o meu corpo no corredor de acesso ou tão simplesmente entrar a medo,
- arrependo-me, hesito, toco na porta ao de leve, hesito, recuo até novamente no Hall de entrada tentar perceber se é a dos homens ou é a das mulheres,
Paro escuto e olho, e nada, nem o homem de óculos escuros nem a mulher de mini-saia, nem o comboio de Cais do Sodré com paragem obrigatória em Belém, hesito, e nada, não entro, olho fixamente os símbolos meio acidentados pelas cores rosas da noite, e,
- e fico sem perceber se é a dos homens ou se é a das mulheres ou simplesmente é o cheiro do rio a mergulhar nas páginas amarelas de mais uma semana de trabalho, e nunca
Sei ao certo,
- e nunca sei se hoje é sábado ou se é antes de sábado ou se é depois de sábado, e nunca sei se junto ao rio os barcos são masculino ou se são feminino, ou, ou ambos...
Hesito, paro escuto e olho, e nada, nem o homem de óculos escuros nem a mulher de mini-saia, nem o comboio de Cais do Sodré com paragem obrigatória em Belém, nada de mim ao longe até ao Rossio, olho o céu pintado com estrelas de glicerina, olho e olho e olho, e hesito
- não entro,
E hesito no apeadeiro da vida sem os barcos fêmeas das tardes de verão, ela não pára, ela não hesita, ela simplesmente entra dentro do abismo, a porta de algodão ressuscita no vidro cinzento dos teus olhos, e não sei...
- não sei se é um homem ou se é uma mulher, não sei como chamar os barcos e distinguir-lhes os sexos azulados entre os passageiros e as companhias de viagem, companheiros de hesitação, homens e mulheres e barcos, e não entro,
E hesito, e espero pela chegada da luz dos silêncios e talvez com ela a voz de uma criança, hesito, tenho medo de entrar, apaixonadamente ele esconde-se nas flores carnívoras num compasso de espera entre o entrar e o sair, a porta abre-se lentamente e percebo que ali é a casa de banho das mulheres, longo, logo na porta ao lado ficará a casa de banho dos homens, e os barcos, e as flores carnívoras que se alimentam da minha paixão durante as noites de insónia,
- não entro, hesito,
Nunca sei ao certo se entro na dos homens ou pelo contrário, sem o saber, entro na das mulheres, confuso, os símbolos pendurados na porta de entrada, hesito, e todos os barcos na algazarra da Calçada da Ajuda, e ao longe a ponte tremendo de frio e enganando a fome com os símbolos inventados nas noites de tristeza, e triste é não ter o mar, e triste
- triste é ser o dono dos dias em fotocópias,
E triste,
as portas das casas de banho.
(texto de ficção não revisto)
os cigarros inventados
suspensos nas tuas mãos de fim de tarde junto ao mar
ao longe os barcos de papel que pacientemente
esperam o jantar servido debaixo dos plátanos
meia dúzia de pássaros
poisados sobre os plátanos
defecam sobre mim
e o livro de mia couto que trago na mão
“a confissão da leoa”
aborrece-se com a minha melancolia
torno-me chato
impaciente e revoltado
(sinto saudades dos cigarros inventados
e dos fins de tarde à espera do mar)
deixei de receber cartas de amor
com corações
e flores
com um cheirinho agradável
e palavras desenhadas com lábios de desejo
e beijos de saudade
deixei de receber os cigarros inventados
e hoje não cartas de amor no correio dos cigarros inventados
na esquina impaciente e chata e revoltada
nos confins do desejo
dentro das bocas ressequidas com esperma e melódicas palavras de horror...
e os barcos entram em mim
(sinto saudades dos cigarros inventados
e dos fins de tarde à espera do mar)
e os barcos entram em mim
como se eu fosse a doca do abismo
(deixei de receber cartas de amor
com corações
e flores
com um cheirinho agradável
e palavras desenhadas com lábios de desejo
e beijos de saudade)
como se eu fosse as rochas esgrimes da morte inventada
no jardim da melancolia...
Podia ser feliz
ou um barco
sem vela
podia ter sido uma rua da cidade de Luanda
entupida no lixo deambulante sobre a noite
podia ter sido o mar
o amor
o eterno veneno
a dor
podia
podia ter sido uma abelha misturada com a chuva
ou a paixão do silêncio
ai se eu fosse as amêndoas da tarde
em forma de poema
sobre a morte acidental
podia ser feliz
ou um livro de poesia
adormecido na prateleira da insónia
(podia ter emprego e dinheiro e assim já me conheciam
e assim
e assim já me cumprimentavam...)
podia ter sido o capim
e as mangueiras
e os triciclos de madeira
mas quis deus
que eu fosse um caixote
com paredes de vidro made in China
com coração de árvore
quis ele
quis deus
(podia ter emprego e dinheiro e assim já me conheciam
e assim
e assim já me cumprimentavam...)
que eu falasse como os pássaros
e gritasse como as nuvens
e desenhasse nas paredes da infância
a morte simplesmente bela
toda nua
à janela
quis ele
quis ele que eu fosse um poema sem palavras.
A alma encontrou
trabalho
finalmente
nas muralhas curvas do sexo
a saliva do amor
misturada na noite de flor queimada
em papelinhos de néon
a rua entupida de chulos
e beatas tontas e ratazanas voadoras e espantalhos barrigudos
comedores de palha seca e erva doirada
da lezíria
a erva levemente enfeitada
alimentando a beleza das mamas da tia Margarida
“que deus a tenha em descanso debaixo das tábuas da insónia”
nas curvas sinuosas do sexo
A alma encontrou
trabalho
finalmente
(não é sexta-feira e já estou teso)
nas muralhas curvas do sexo
ressequidos pelas valetas dos vapores de iodo
e do prato de enxofre que não se cansa de arder
enquanto a noite dentro da estrada sinuosa da vida
distrai-se abrindo e fechando janelas de brincar
finalmente
finalmente encontrei trabalho
numa montra da rua do Alecrim
um balcão de chocolate
com mesas de algodão doce
eu vi
eu via a noite travestida de lua cheia
saltar para o interior
de um buraco inoxidável
filho da cidade dos desejos
de danças e telegramas e palavras de mandioca
e oiço a voz da morte
à lareira da poesia com pequenos goles de incenso
deixei de ouvir-te
obedecer aos teus caprichos e imposições
deixei de de ser eu
e fui
e transfigurei-me num edifício em ruínas
livremente entre o ácido e o aço
e quatro paredes de vidro
sem fotografias
sem literatura
de água docemente uiva de dor
sem braços sem pernas
sem cabeça
o espelho da fechadura
recorda-se da morte quando beija as agulhas sibiladas do silêncio
os cigarros deixaram de passear na biblioteca
e vou alimentando de palavras embebidas em vodka os meus pulmões de cetim
adormecidos à beira-mar
um passeio entre duas páginas
e o poema malcriado fica de castigo
“cabeça para baixo e as rimas estão proibidas de irem à janela”
e curiosamente
hoje mergulhei nos rochedos
quando ouvi as doze badaladas insípidas
das marés envenenadas pelas facas de vidro
(A alma encontrou
trabalho
finalmente).
Oiço a cidade a desaparecer para lá da noite
onde se perdem as almas sem nome
de todas as algibeiras construídas em cetim doirado
e mesmo assim
e mesmo assim há quem não tenha medo de atravessar a fronteira
não regressando nunca mais ao fim de tarde junto ao rio
as peles flácidas que transportam nos lábios
onde em letreiros gatafunhados se podem ler os desejos da noite
antes das almas sem nome atravessarem a fronteira e sentarem-se sobre as pedras
de nylon com que um esqueleto de óculos escuros constrói as redes para a apanha da solidão
e do chá e das torradas
antes
antes de ele se deitar dentro da sepultura de cordas e pregos de marfim
antes do cerimonial complexo à iniciação dos sem abrigo com cigarros de pluma em oiro
oiço o meu nome transformado em “filho da puta”
é a cidade travesti em direcção ao outro lado do rio para lá da noite
gajas chamam-me e eu recuso-me
curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO”
antes
antes de deitar-me dentro da sepultura de cordas de marfim
vi um homem louco com uma cabeça de areia embrulhada em correntes de aço
e do chá e das torradas
as redes com que apanhava debaixo da madrugada
pedacinhos de solidão com restos de esperma
e eis que para lá da noite
a cidade cresce nas peles flácidas dos olhos pedrados no pólen
(curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO”
curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO e nunca fui feliz”)
eu vi a noite comer os letreiros gatafunhados
e as frases começavam a misturarem-se com os restos esquecidos no passeio dos infelizes...
“vendo todo o recheio da minha biblioteca – motivo Fartei-me dos livros”
“vendo braços e pernas e dentes de madeira – Bom estado”
eu vi
a noite a transformar-se em palavras além da fronteira dos infelizes
com febre e papeira ou sarampo ou gajas a gritarem do outro lado do rio
para mim
eu o gajo mais infeliz do cardápio da infelicidade
eu vi
tu viste
a cidade a desaparecer para lá da noite...