Absorto o meu corpo
às árvores sem dentes
na boca um poema morto
nas mãos o perfume das madrugadas ausentes
(escrevem-me sem palavras
textos nas pálpebras da noite)
e oiço a voz do medo
dentro do guarda-fato
o meu corpo
absorto
amanhã cedo
cansado e farto
Absorto o meu corpo
às árvores sem dentes
morto
absorto
os pássaros disfarçados de barcos amargurados
suspensos nas nuvens do Tejo
morto
o meu cadáver em linha recta
duas linhas rectas paralelas
passeando pelas ruas de Lisboa
o infinito
os bares onde gajas boas
dormiam e fingiam orgasmos sobre as mesas de cabeceira
entre Cais de Sodré
e a Ajuda
ajuda coisa nenhuma
apenas um empecilho na algibeira
e meia torrada ao pequeno almoço
sem jeito
eu
morto
absorto
no declínio do amanhecer...
(poema não revisto)