Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

30
Set 12

Não existe,

elevam-se na infinita tarde de Outono as mãos da Primavera, a viagem invisível do cais recheado de sombras e socalcos de suor não termina nunca, e o telegrama da morte enrola-se nas oliveiras misturadas em aventuras e palavras sem destino,

 

- ai o que eu sofro, oiço-o constantemente como se o galo falante da vizinha se transformasse nele, e ele sem perceber que na noite da aldeia vagueiam roseiras embrulhadas em versos de amor, o amor começa a evaporar-se e uma azul garrafa de espumante absorve-o, alimenta-se dele, com borbulhas encarnadas,

 

deixou de existir o mar onde me escondi numa manhã de Setembro, e mergulhei até fingir que a vida é uma mera confusão de nomes e mulheres sobre as mesas do bar suspenso nas teias de aranha do silêncio, não existe a maré de Agosto, não existe

 

- ai o que eu sofro,

 

as margaridas de papel e os crisântemos, não existem barcos como antigamente que rompiam a solidão na esperança de regressarem dos prometidos sonhos e subiam as escadas da infância até ao sótão da escola primária onde brincava a ardósia com sorrisos infestados de cintilantes pálpebras abraçadas às finíssimas asas de vento que sobre o rio sem nome desapareciam, orgulhosamente distante, ouvia-o, eu, só

 

- ai...

 

ouvia-o nos suspiros húmidos do corpo almofadado, do céu desciam cordas e algumas frases sem nexo, as cordas construídas pelos gemidos gritavam e ordenavam aos pássaros assassinos que matassem todos os livros da aldeia, os poemas morrem de tédio e não existe

 

- ai o que eu sofro,

 

não existe amor que sobreviva ao Oceano da solidão,

 

- sinto-o quando abro a janela de incenso e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa manhã de Setembro diz-me que as abelhas odeiam os meus desenhos, e um profundo olhar sobre o mar que deixou de existir numa manhã de Setembro diz-me que as rosas com perfume artificial odeiam os meus poemas e textos, e oiço-o na loucura do prazer a alicerçar o terraço da aldeia às sílabas transparentes,

 

não existe louco amor no Oceano da solidão, e todos os barcos do céu voam como todos os pássaros da terra navegam nas águas da tristeza, e as noites parecem o inferno enfeitado com plumas e pulseiras de marfim, enfim, amanhã, transparentes todas as ruas da cidade,

 

- ai o que eu sofro, e deixei de o ouvir.

 

(texto de ficção não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

29
Set 12

Há olhares suspensos no canganho da saudade

há saudade dissolvida na esfera da manhã

quando o rio esmagado pela tristeza do sol

dorme docemente entre as nuvens de algodão

olho os teus seios sem sentido

em busca da água fresca da montanha

 

evaporo-me

e escondo-me

quando as cortinas dos teus cabelos

e evaporo-me

e escondo-me

nos teus lábios desenhados na sombra da noite

 

quando as cortinas dos teus cabelos enlouquecem os machimbombos

que brincam nas ruas de uma fotografia

e Luanda desaparece

e de Luanda chega até mim o cheiro da neblina que afaga um papagaio de papel

 

prendo o cordel ao portão de entrada

e sinto

evaporo-me

e escondo-me

e sinto o quintal a subir até ao céu de estrelas vermelhas

 

e sei que na lua...

os teus seios

e sinto

nas rodas dentadas do tempo

as árvores de papel prensado

e sei que na lua habita um menino com um triciclo de mel.

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:51

28
Set 12

Às escadas solitárias

da casa assombrada

um vidro de imensidão fúnebre

abraça o cadáver da noite

pergunto-me se o amor existe

ou

ou não passa de um sonho encalhado no oceano da insónia

perfeitamente mergulhada nas planícies entre as paredes da infância

 

às escadas

a solidão

às escadas da morte o perfume das rosas de papel

que a miúda do rés-do-chão esquerdo construiu com sorrisos de medo

e lágrimas de incenso

 

é de noite

e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada

 

às escadas solitárias

chegam os uivos e gemidos de um mar imaginado

que o miúdo com sorrisos de medo

irmão da miúda com sorrisos de medo

espera pela chegada das árvores do Outono

 

é de noite

e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada

 

e eu sinto-me milimetricamente enjaulado nas três paredes de veludo

com um crucifixo suspenso

circunflexo

à roulote da vida

o circo com trapezistas e palhaços e crianças com sono

 

é de noite

e todas as estrelas dormem dentro da casa assombrada

pergunto-me se o amor existe

e percebo que todos os cigarros da saudade

morreram

e hoje uma ténue luz substitui a clarabóias do sonho

 

se o amor existe

(quero-o).

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34

27
Set 12

Às vezes perco-me nos corredores dos arbustos que vivem nos meus olhos de vento

corro em direcção ao mar

e abraço-me aos cristais de prata que a garganta dos barcos enjoados

vomita contra as palavras de miséria

 

atravesso a ponte

e começo a voar até ao infinito destino da maré

e oiço os gemidos das andorinhas

a construírem a primavera que acordará depois de adormecer o inverno de ontem

 

às vezes visto-me com folhas de árvore

e bebo a saliva que as lágrimas do céu

deixam cair sobre as montanhas que beijam o rio da saudade

 

corro

às vezes

em direcção ao mar

 

mergulho nas planícies cansadas do abismo

antes de adormecer

e encerrar todas as luzes dentro da minha mão

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:49

26
Set 12

Há uma lua de papel

dentro de ti

redondinha

quadrada

à espera de ser amada

há uma lua

sem ti

senti

nas paixões do homem de prata

uma lua dentro de ti

que afaga a cidade

e ilumina a calçada

 

há uma lua endiabrada

dentro do teu ventre de mar

uma lua

uma lua de nada

nos braços de uma flor

 

há uma lua dentro de ti

vestida

embrulhada em finíssimos sorrisos de pérola adormecida

 

há uma lua de papel

dentro de ti

uma lua com sabor a mel

dentro de ti

há uma lua

com portas e janelas e olhos de vidro

 

há uma lua de papel

nos lábios

dentro de ti

o desejo verso da solidão ausente

feliz

nos lábios

contente porque nas acácias vêem-se os pássaros do silêncio tua dor

uma lua de papel nos braços de uma flor.

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:43

25
Set 12

Quando sorri o sol

acorda uma nuvem

e o desejo da noite

sobressai nas entranhas da lua

 

a singela madrugada em flor

galgando ruas e calçadas

comendo poetas em dor

(escrevendo no chão molhado poemas de “merda”)

 

a singela madrugada em flor

à porta dela

vomitando palavras de amor

nas encruzilhadas

molhadas

que as mandíbulas do oceano

crescem nas árvores cansadas

que amanhã

o outono

tombará

como os sinos de luz

suspensos na água dos teus cabelos

 

quando sorri o sol

e nos teus olhos de mar

uma nuvem de esperança

sobressai nos teus lábios

como se nos dias de lua cheia

todos os barcos rompessem a neblina das tardes sem destino

a casa cai

tomba como as folhas das árvores

e cobre os poemas escritos no chão molhado das oliveiras em flor

e tudo

quando sorri o sol

e na tua mão poisa um coração de diamante...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:26

24
Set 12

Docemente apaixonada

a chuva que penteia os teus cabelos encharcados de amor

docemente

na voz que a tarde constrói as palavras que semeia

apaixonada

sem saber que dói

a distância infinita de um olhar

docemente apaixonada pelo sorriso da rosa

que voa sobre o mar

e chora

agora

docemente apaixonada

 

docemente encantada

 

e chora

agora

 

antes que acorde a madrugada.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:29

23
Set 12

Não tenhas medo dos braços que abraçam o mar

não

não tenhas medo dos lábios que beijam a saudade

não

não tenhas medo do amor

do amor que vive no teu coração

 

não tenhas medo da cidade

com as ruas atulhadas de abelhas saltitando de flor em flor

correndo sem correr

amando amar das mãos em desejo

quando cresce o amor

à tua boca em beijo

 

(azul a tela do teu corpo cansado de sofrer

nos meus olhos nascem versos doridos

doidos

varridos

sem eu saber)

 

não...

não tenhas medo do meu amor

não

não tenhas medo do poeta que pinta as paredes do teu corpo

sofrendo

sem ti

 

sofrendo em ti

e por ti

não

não tenhas medo do poeta louco

 

que às vezes no silêncio escreves o meu nome

no rio da tua cidade

com flores apaixonadamente

pelos barcos da solidão

dentro dos cacilheiros se escondem as gaivotas

e os loucos poetas da minha mão

 

não

não tenhas medo de mim.

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:33
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22
Set 12

Divago como um louco

nas flores do amor

do amor pouco

às flores com dor,

 

apaixonadamente

o amor que a lua engole nas noites de escuridão

divago como um louco

pouco

os suspiros do meu coração

nas ruas abandonadas e sem gente,

 

até acordar a cidade

abraçada ao rio da despedida,

 

divago como um louco

nas flores do amor

divago numa rua sem saída

com janelas de claridade,

 

e o louco

coitado

pouco

abandonado

divago

nas flores do amor

ao mar da saudade

e sinto as luzes dentro dos versos sem vaidade...

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:18

21
Set 12

Não consigo escrever amo-te nos teus olhos

tenho medo de sussurrar-te ao ouvido a palavra desejo-te

e timidamente

timidamente escrevo nos meus lábios

a palavra quero-te,

 

hesito

e construo no silêncio do mar

a carta de amor sem remetente,

 

hesito

quando a lareira da noite cresce loucamente

e das tuas mãos oiço o vaguear das sílabas de amar,

 

e nas tuas mãos...

eu não consigo escrever a simplicidade das palavras

e sou covardemente agredido pelas flores

e não sou capaz

hesito

de escrever nos teus olhos... Amo-te.

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:05
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