Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Out 12

Vivo numa casa assombrada

com uma cama cansada

vivo numa casa transformada pelos verbos difíceis de conjugar

onde as flores de amar

dormem docemente no centro da madrugada

 

vivo numa casa com uma eira despenteada

uma casa sem janelas

uma casa sem portas

sem telhado

uma casa desgovernada

cansada

assombrada

nos telegramas sem resposta que a noite envia para o meu leito

o rio não passeia na minha rua

e as mulheres que vendem palavras em quilogramas disfarçados de migalhas

chamam as gaivotas poisadas no oceano

que saboreiam a fome da manhã

 

a cidade extingue-se no pensamento das cigarras

e as formigas

coitadas

à espera das metralhadoras apontadas

ao pôr-do-sol

(enquanto existe pôr-do-sol e é grátis)

com a ordem inventada de fuzilamento de todos os livros

e de todos os desenhos

nas ruas enfeitadas com lágrimas de borboleta

 

hoje descobri a beleza da saudade

e brinquei nas esplanadas de Belém

não vi o mar

porque cerrei os olhos

não me apetecia olhar os barcos

 

porque na minha casa assombrada

vive a madrugada

brincam as flores da extinta Primavera

bebericando o pólen de amêndoa das sílabas abandonadas

pelos relógios da inocência.

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:21

Outubro 2012
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