Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

04
Nov 12

Inventas o medo nas cartas das palavras silêncios

sem perceberes que na tua boca vivem as sílabas do desejo

como a janela com vista sobre a cidade

quando cai a noite submersa na tua pele pergaminho

 

Inventas as mãos com que me acaricias

no regresso dos barcos do outro lado da cama

que a mesa-de-cabeceira derramou as flores sensíveis à luz dos teus olhos

inventas os sonhos

e os mármores e os granitos das paredes de vidro

quando cai a noite

submerso em ti o pergaminho azul da manhã depois do sexo se extinguir na neblina

que cobre as ardósia castanhas dos teus cabelos

 

Inventas-me e metade de mim é poema

inventas-me nas clarabóias que o mês de Janeiro desenhou no vento desassossegado

das roldanas engasgadas na ferrugem dos lábios do velho Armindo

sozinho

à minha espera

quando depois de me inventares

escreveres no céu nocturno de Lisboa

que o rio nunca existiu

 

(Inventas o medo nas cartas das palavras silêncios

sem perceberes que na tua boca vivem as sílabas do desejo

como a janela com vista sobre a cidade

quando cai a noite submersa na tua pele pergaminho)

 

Inventas o ciúme das palavras

que o meu corpo poema escreve nas sanzalas desgovernadas

que os machimbombos preguiçosos

comem as sombras das mangueiras

inventas o mar

e as areias brancas do Mussulo

e nunca esqueceste da cadeira onde me sento

inventaste a ilha e a cidade e a infância perdida em mim...

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:05

Gosto muito de ti Digo-o todas as manhãs quando percebo que o meu pequeníssimo cubículo de madeira não tem um espelho, e seria tão fácil para mim mulher de muitos ofícios construir um, adquiria o recipiente de plástico numa qualquer feira de aldeia e simplesmente água límpida da chuva, e sei que aparecerias com os lábios desenhados em beijos de amêndoa e com mil sorrisos de girassol, depois de eu escrever nas sílabas do tecto as palavras mágicas, e no entanto, a minha preguiça é mais forte que o meu desejo, e imagino-te sentado junto ao Tejo a desenhar flores nas sombras da noite, imagino-te junto ao Tejo a contar os barcos que entram, imagino-te junto ao Tejo a contar os barcos que saem, não falando nos que se afundam por falta de alimentos,

 

- As gaivotas dos teus seios quando o vento transporta as sementes dos silêncios cobertores que a alvorada come sem perceberes que do outro lado da rua há uma janela amarela com cortinados de papel com tons de acrílico, o mar vive na criança que choraminga ao acordar, na lâmpada de néon que não se cansa de acender, e não se cansa de navegar, e nunca se extingue na saliva do prazer,

 

Gosto muito de ti,

 

- Digo-o toda as manhãs antes de acordar, saltar solenemente da cama de cartão e olhar o espelho invisível que irei construir com a água límpida da chuva que irá descer do céu, um dia, uma qualquer hora sem destino marcado, as tuas mãos entranhar-se-ão no meu pescoço de malmequer e pedacinhos de mel, saborearei a tua língua de uva doirada na minha boca infinita que o xisto esmigalha nos arcos circunflexos da montanha ate que o rio entre no teu corpo e desapareças nas finas estrelas de silício,

 

Gosto muito de ti Digo-o todas as manhãs de sábado e saboreio a poesia mágica Moçambicana da antologia submersa na prateleira que os teus olhos de feiticeira iluminam, e hoje foi sábado, e hoje nenhum barco entrou, saiu ou se afundou, adormeci na cadeira da saudade sem me dar conta das palavras suspensas nos loiros cabelos do fim de tarde, o Tejo é assim, o Tejo é uma mulher em desejo e que dança ao som das garrafas de vodka de um qualquer bar plantado numa qualquer cave, sombria, húmida a terra doente onde deitas as mãos depois de acariciares as plantas que adornam a varanda sobre Lisboa,

 

- As tuas coxas de vidro

 

Gosto muito de ti,

 

- Na imensidão longínqua que o oceano engole nas madrugadas (e nunca se extingue na saliva do prazer) as coisas belas que o amor pinta na tela da simplicidade da arte abstracta, as tuas coxas de vidro nas manhãs bíblicas das orações da dona Arminda, os teus seios guardados escrupulosamente no interior de um livro de poemas (e como eu queria ser o livro de poemas de AL Berto onde guardo os teus seios gramaticais com rimas abraçadas às infinitas caravelas que o teu púbis absorve), e vi acordar a lua nos olhos cerrados dos peixes, das plantas, e dos animais vestidos de literatura,

 

Gosto

 

Muito

 

Gosto muito de ti antes que termine a noite e os dias se transformem em cinzas de azoto, gosto muito de ti sem me preocupar com as horas engasgadas do meu relógio de pulso cansado, que novamente seja sábado, e a antologia de poesia Moçambicana “Nunca mais é Sábado” se abra na tua mão de vidro, também de vidro, as tuas coxas,

 

- De ti.

 

(texto de ficção não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:12

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