Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

31
Dez 12

Sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas

A fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu

E eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de

E tu

Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes

E tu

Desgovernada sem saber o que fazer, corrias pela cidade, batias às portas, e ninguém, ninguém dobre o zinco da noite a abraçar-te, ninguém para ti

Deita-te sobre mim, meu amor, e deitavam-se as nuvens sobre as mangueiras que os pássaros deixavam ficar nos quintais abandonados, deita-te sobre mim

Meu amor...

Ninguém para ti, ninguém para mim, de candeeiro em candeeiro, uma corda de aço prendia um petroleiro, homens maus com um chicote

Não me bata por favor, gritavas quando ele acendias os cigarros nas janelas da lareira, e que a morte nos trazia todas as noites nos finos cobertores que o inverno construía, e nós

Não sabíamos o que era o Inverno,

Imaginavas a neve como sendo areia dentro de uma caixa de sapatos, pesadíssimas botas mordiam-te os pés lilases de pétala amordaçada, e não sorrias, escondias-te no sótão, e choravas, e gritavas

Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e

Adormecias agarrada a uma boneca de trapos que nasceu e cresceu no primeiro andar com janelas e vidros envelhecidos, alguns deles em perfeita decomposição, o cheiro imundo a vidro putrefacto, em pedaços, suspensos nos peitoris de madeira apodrecida, e suja

Repetição

Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e

E suja

Minha amordaçada menina de porcelana,

Sábado,

E tu

Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes, vezes a mais, aparecias em casa numa lástima, perdias as calças, perdias as mãos, perdias os braços, regressavas, entravas, não falavas, e deitavam-se elas sobre os muitos lençóis que o cacimbo deixava ficar pelas ruas, outras vezes, às vezes, um carro zumbia, rosnava entre cães e mabecos e cavalos que tinham fugido de um carrossel estacionado junto aos Coqueiros, mostravas-me os treinos de hóquei em patins, inserias a moeda na ranhura

E os barcos começam em círculos longos voos sobre os telhados poeirentos que pertenciam às nádegas húmidas do ciume, e as fotografias do teu pai

A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia

CUIDADO PARA CIMA,

E um tipo com os dentes virados para o céu, e esperava, CUIDADO PARA CIMA

A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia que sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas, a fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu, e eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de

CUIDADO PARA CIMA,

Repetição

Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e

E suja

Minha amordaçada menina de porcelana,

Sábado,

E tu

Luanda,

E eu

Não Luanda.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:59

O trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes

Em direcção ao vazio,

Ao nada, ando uns míseros milímetros, agacho-me, sinto o próprio vazio da rua sem saída a coexistir dentro de mim, ruas, pessoas

Em direcção ao vazio, nuas

Muitas pessoas,

Em direcção ao vazio, os edifícios agachados também, tal como eu, e as árvores voam, fogem para longe, levam as folhas e as flores, muitas pessoas

Vazio,

Que transportam pele e osso, quilogramas de lixo cinzento, cigarros made in China, com sabor a Primavera, procura nos bolsos, não as encontra, as chaves, de casa, do carro, procuro-os nos bolsos

Os edifícios, não os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer à rua B do número trinta e três, outra vez, repita comigo

Trinta e três, rua B, quito esquerdo, e ela repetia, Trinta e três, rua B, quito esquerdo, abria as asas e começava a voar sobre a cidade, deixei de a ver, deixei de a ouvir

Perguntas-me se à cidade ou a ela, à rua B

E eu simplesmente tinha saudades, da rua B, dos alicerces, as pessoas, os pássaros, o trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes, hoje, não, amanhã talvez, saio de casa, sais de casa, encontras no bolso

As chaves do carro,

Os cigarros, as chaves de casa, os edifícios, não os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer à rua B, os ciganos em exames à volta de uma fogueira, três ou quatro tendas, alguns animais, cães e burros, e uma leve e fina cortina de vento, silêncio, grito-te

Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como? Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo

As chaves do carro,

Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos

Um carro,

Não te percebo, que nunca tivemos

Um burro e uma carroça,

Não te percebo, que nunca tivemos

Nada, casa, que nunca vivemos

Na rua B? Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos

Nada

Chegas a casa, não te conheço, perguntas-me se o jantar já está pronto, olho-te, olho-te e não te percebo

Porquê se não tenho, Porquê se nunca ti, Porquê marido,

Um carro,

Um burro e uma carroça,

Assistíamos à dança dos ciganos à volta da fogueira, lembras-te, perguntavas-me e eu juro que não, na rua B deve ser engano, não conheço, não sei

Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como? Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo

As chaves do carro,

Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos

Um carro,

Não te percebo, que nunca tivemos

Um burro e uma carroça,

Não te percebo, que nunca tivemos

Nada, casa, que nunca vivemos na rua B deve ser engano, não conheço, não sei, chegas a casa, entras em cada compartimento de luz, não me encontras, finjo-me invisível, e tu perguntas-me

Como se faz Rafael?

Não te percebo, que nunca tivemos

Um burro e uma carroça,

Que eu me lembre, apenas uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes

Em direcção ao vazio.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:30

30
Dez 12

Refugiavas-te nas minhas mãos, tinhas medo do sono, inventavas pássaros na copa das árvores como se fossem, elas, as copas, as árvores, poemas de melancolia, sem sentido, doentes mentais agachados em enormes corredores de dor, de insónia, poemas de amor inventavas nas planícies agrestes dos sorrisos do vento, tombavam as espigas de trigo, tombavam os teus seios oprimidos, encarcerados como jardins suspensos nas varandas de um quinto andar numa rua sem saída, na cidade desgovernada, cansada, tu, nas minhas mãos

Disfarçada de palavras,

Tu,

Inventavas-me e tinhas medo do sono, desenhavas comboios nas paredes de um quarto escuro, sem janelas para o rio, ouviam-se os gemidos tranquilos dos indesejados papeis de parede, velhos, sujos, crucifixos de madeira que uma velha mão esqueceu, deixou antes de partir,

Tu

Disfarçada de palavras, tu, disfarçada de cansadas madrugadas que uma caixa de cartão guarda religiosamente como se fossem um tesouro, e são apenas madrugadas, sem destino, sem enormes corredores de dor, de insónia, poemas de amor..., sem nomes, moradas, números de polícia, poemas, poemas de poemas com molho de tomate, o vinho pode ser o normal, o vinho da casa, pão, uma sopinha, caldo de cebola, pode ser, porque não,

Tu,

disfarçada

De palavras,

Chegavas tarde a casa, outras vezes, a maioria das vezes, não regressavas, escondias-te entre silêncios e medos, e embriagavas-te de palavras, AL Berto, A. Lobo Antunes, Luiz Pacheco, Cesariny, Milan Kundera, Agualusa, José Luís Peixoto, bebias incessantemente como se os teus dias terminassem às zero horas e depois das zero horas

Saramago,

Tu

Disfarçada, refugiavas-te nas minhas mãos, tinhas medo do sono, inventavas pássaros na copa das árvores como se fossem, elas, as copas, as árvores, poemas de melancolia, sem sentido, doentes mentais agachados em enormes corredores de dor

Rua do Ouro,

Não estou suja, e comi bem, e não me esqueço das palavras

Tu

Saramago,

O vinho pode ser o normal, o vinho da casa, pão, uma sopinha, caldo de cebola, pode ser, porque não, Proust, porque não

Chegavas tarde a casa, outras vezes, a maioria das vezes, não regressavas, escondias-te entre silêncios e medos, e tranquilos, trazias nas mãos as flores de papel que vendiam na papelaria da esquina, e sábado à tarde, nunca regressavas

Claro que sim, tu, inventavas-me e tinhas medo do sono, desenhavas comboios nas paredes de um quarto escuro, sem janelas para o rio, ouviam-se os gemidos tranquilos dos indesejados papeis de parede, velhos, sujos, crucifixos de madeira que uma velha mão esqueceu, deixou antes de partir, ruiu a casa, o prédio, ruiu toda a estrutura óssea que restou da festa do final de ano, o som melódico, poético, quarta-feira, qualquer coisa na tua voz, claro que não

Que sim, o inferno, está bem meu amor, claro que não

Que não, o vento deixava de soprar, refugiavas-te nas minhas mãos, tinhas medo do sono, inventavas pássaros na copa das árvores como se fossem, elas, as copas, as árvores, poemas de melancolia, sem sentido, doentes mentais agachados em enormes corredores de dor, de insónia, poemas de amor inventavas nas planícies agrestes dos sorrisos, as árvores entravam pela janela da casa de banho, agreste, húmida, simplesmente, as portas dos machimbombos pareciam pessoas com chapéus de palha nas mãos, ouviam-se gritos de revolta, questionavas-te

Para que me servem as mãos e as mãos pertencem ao vento?

Não sei,

Tu

Rua do Ouro,

Não estou suja, e comi bem, e não me esqueço das palavras com mel, nem da melancolia da paixão nos lábios de uma cegonha, inteligente, ela, sabia que o amor todas as noites rondava as sílabas dos primeiros beijos quando descia a noite sobre os suspiros de naftalina, ao deitar, antes de amormecer

Amas-me?

Claro que sim, tu, tu inventavas-me e tinhas medo do sono, desenhavas comboios nas paredes de um quarto escuro, sem janelas para o rio, ouviam-se os gemidos tranquilos dos indesejados papeis de parede, velhos, sujos, crucifixos de madeira que uma velha mão esqueceu, Amas-me?

Ensonado, respondia-te

Claro que sim, sua parva, às vezes, chegavas tarde a casa, outras vezes, a maioria das vezes, não regressavas, escondias-te entre silêncios e medos, e embriagavas-te de palavras, AL Berto, A. Lobo Antunes, Luiz Pacheco, Cesariny, Milan Kundera, Agualusa, José Luís Peixoto, bebias incessantemente como se os teus dias terminassem às zero horas e depois das zero horas

Saramago,

Tu

Adormecias acreditando que eu dormia ao teu lado.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:53

O sincero voo da gaivota adormecida

construída entre os parêntesis da madrugada

infinita noite desgraçada

que a chuva miudinha provoca nas veias da insónia mão dorida

 

repeliam-se-me docemente os finos pregos do desejo

apaixonados eles às janelas clausuradamente envelhecidas pelo sono da infância

há em mim a esperança melodia sem clemência

das melancias bocas de beijo

 

que o mar se Março semeia

com as palavras do sonoro silêncio dos teus clandestinos lábios

Em Março sábios

homens hirtos que a solidão vaiada incendeia

 

há uma candeia

a luz sincera do voo da gaivota

que não volta

não regressa da longínqua cadeia.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:09

29
Dez 12

Bates-me à porta, pedes-me silêncio, agachas-te nas sombrias minhas mãos com sabor a tristeza, fazemos um refresco de solidão, abrimos um livro, pode ser aquele, sabes?

O Medo

Exactamente esse, O Medo de “AL Berto”, e sentimos o tempo escoar-se, e sentimos o mar a entrar pela janela, sentamos-nos, um sobre o outro, ouvimos as melancólicas palavras que o rádio a pilhas em pequenos vómitos, lança contra o gesso doente e sujo, de que são constituídas as paredes da nossa casa, um jazigo com duas assoalhadas, perdido no murmúrio cemitério da saudade, sentamos-nos

O Medo,

Bates-me à porta, pedes-me silêncio em troca de abraços, pedes-me beijos por palavras sem destino, palavras cansadas, múmias embalsamadas, pedes-me silêncio, O Medo, perdido, achado, Sabes?

Exactamente esse, esse malandro apaixonado, esse malfadado sorriso que deixaste sobre a mesa, quando partiste, exactamente esse, bates-me à porta, desassossegas-me nas sombrias minhas mãos com sabor a tristeza, sinto-te e sentamos-nos, sentas-te em mim, e

Eu abro os olhos parecendo um barco às curvas em despedidas paixões, precisas dos meus braços, não os tenho, perdão, levou-os o vento quando subtraído às páginas loucas de “O Medo”, tu, eu, nós

Com Medo...

Que o medo, sinto-o, amarfanho-o, e embalsamadas todas as gaivotas que os teus lábios mar deixam adormecer, nos lençóis imaginas o pôr-do-sol, nos lençóis

O Medo, cinzento, feliz, contente, tantas e tantas e tantas palavras indesejadas, tantas, tantas e tantas e tantas palavras amadas, odiadas, palavras

Com Medo

O menino,

Bates-me à porta, pedes-me silêncio, agachas-te nas sombrias minhas mãos com sabor a tristeza, fazemos um refresco de solidão, abrimos um livro, pode ser aquele, sabes? A janela sobre o Tejo, barcos envenenados pela paixão dos peixes, em círculos, todos, os livros, os meus

Medos,

Os meus olhos sabendo eu que sou cego, os meus livros sabendo eu que não tenho, e nunca tive, e não quero ter

Livros?

Paixões como têm os barcos, aqueles que vejo quando abro a janela

Perdão,

Quando abro o livro e folheio-o e os barcos envenenados pela paixão dos peixes, em círculos, todos, os livros, os meus, os teus, olhos de açúcar sobre a copa das árvores castanhas que um louco escultor distribuiu pelas ladeiras inclinadas da cidade dos anjos, e lembras-me as cidades em combustão na lareira que o amor invisível acendeu nas varandas encastradas que o Tejo come, e a noite

Perdão

E a noite consome, ressaca, dói, murcham as palavras do doente e sujo, de que são constituídas as paredes da nossa casa, um jazigo com duas assoalhadas, perdido no murmúrio cemitério da saudade, sentamos-nos, e comemos-nos

Roças o cobertor imaginário no teu corpo de plasticina, deitas-te sobre a tela branca, completamente nua, completamente branca, e comemos-nos, e dançamos abraçados a tubos de acrílico, e dançamos abraçados aos pincéis de fina estampa encaracolada os musgos embrionários dos teus seios, mamas de orvalho que a noite tanto adora, dançamos-nos, e

Comemos-nos,

Sem percebermos que lá fora, chove, sem percebermos que lá fora, Raios

O Medo,

Que lá fora, oiço os teus gélidos gemidos,

Comemos-nos,

No medo, que eu, que tu, que nós

Sentamos-nos e comemos-nos na Paz de Cristo, quando abro o livro e folheio-o e os barcos envenenados pela paixão dos peixes, em círculos, todos, os livros, os meus, os teus, olhos de açúcar sobre a copa das árvores castanhas que um louco escultor distribuiu pelas loucas cidades de amar,

E o medo,

Que eu, com mãos e braços e boca e

Quando abro o livro e folheio-o e os barcos envenenados pela paixão dos peixes, em círculos, todos, os livros, os meus, os teus, olhos de açúcar sobre a copa das árvores castanhas que um louco escultor distribuiu pelas

Abelhas ínfimas manhãs, que nós

O Medo,

Que lá fora, oiço os teus gélidos gemidos,

Comemos-nos,

No medo, que eu, que tu, que nós

Sejamos apenas um sonho, ou pior do que isso, que nós

Sejamos apenas um espelho perdido na paixão, roças o cobertor imaginário no teu corpo de plasticina, deitas-te sobre a tela branca, completamente nua, completamente branca, e comemos-nos, e dançamos abraçados a tubos de acrílico, e dançamos abraçados aos pincéis de fina estampa encaracolada os musgos embrionários dos teus seios, mamas de orvalho que a noite tanto adora, dançamos-nos, e

Comemos-nos.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34

Mentes-te com as imagens falsificadas que o homem do chapéu negro

suspende nas paredes hirtas da cidade em ruínas

há uma fuga de água nos olhos do céu

e as árvores derretem-se como papel incendiado,

 

Misturas nas palavras

dor e silêncio e doce em desassossego sofrimento

mentes-te sabendo que a geada apaga todos os desenhos

e mata os pássaros solitários,

 

Mentes-te como lágrimas de incenso

percorrendo clandestinamente os corredores da loucura

à procura

de beijos com sabor a saudade,

 

E acreditas na felicidade

como se a felicidade existisse como existem as árvores de papel

que ambos sabemos não dormirem no nosso quintal

que ambos sabemos pertencerem ao homem do chapéu negro...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:07

28
Dez 12

Simplesmente, sem saber que a vizinha do rés-do-chão, a tal a quem chamavam de cínica, porque possivelmente devido a um trauma de infância, ela, acreditava plenamente que no poupar é que estava o ganho, passava fome, alimentava-se muitas vezes imaginando alimentos, ou

Escrevendo nas paredes, pintando o mar, simplesmente, sem o saber, ela gostava do filho, que quis o destino, sempre o nefasto destino, que numa bela manhã partisse numa barcaça sem deixar rasto, desapareceu, evaporou-se junto aos rochedos, diluiu-se completamente como as ervas depois de uma noite de geada, cansava-se

Ou,

Ou vinham as nuvens cinzentas com os pássaros mortos, esvaziando, fumando, alimentava as conversas com simples palavras de algibeira, tocava o telefone, e sorria, e era como se o céu fosse só dela, gosto muito de ti, dizia-lhe

Gosto muito de ti,

O rapaz esguio, de olhar vazio, completamente sóbrio, o rapaz orgulhosamente só entre as conversas aparvalhadas da irmã a que todos diziam

Estás tão triste Margarida,

E ela respondia-nos que era devido ao silêncio e às noites de solidão que uma fada deixou ficar na casa onde viviam antes de acordar a manhã, nessa noite, lá fora, ouviam-se os candeeiros a petróleo em desassossegos mornos, amorfos, os fósforos tristes como os dias de Inverno, à lareira

Ou,

Gosto muito de ti,

Ou vinham as nuvens cinzentas com os pássaros mortos, esvaziando, fumando, alimentava as conversas com simples palavras de algibeira, tocava o telefone

Estou sim?

E do outro lado a voz roufenha do meu irmão, É a menina Margarida, sim sou, se responder acertadamente à minha pergunta e ligar para o número de telefone que lhe vou dizer, ganha

Nunca ganhei nada na vida, a não ser, fome, trabalho, porrada do marido,

Continuava ele, ganha duzentos e cinquenta euros, e eu pensava, davam-me jeito para pagar a prestação da máquina de lavar loiça, faça a pergunta, faça, faça

Ora então Menina Margarida Está pronta?

Sim Sim Simplesmente pronta,

Quem foi o primeiro Rei de Portugal?

Ora

Ou,

Estás tão triste Margarida,

D. Afonso Henriques?

Ora,

Ou, Sim Sim Simplesmente pronta,

E eu sabia que o meu irmão estava a mangar comigo, que não havia concurso nenhum, que o meu irmão não existia, desapareceu ainda eu pequena, recordo-me de ver a minha mãe a construir lágrimas nas lajes de mármore junto, junto aos rochedos, numa manhã de nevoeiro, a mesa no centro da cozinha, pratos, copos, talheres, ele

Desapareceram como se fossem nuvens cinzentas com pássaros mortos, D. Afonso Henriques? Não está, mãe? Não está, Pai? Também não, Cortinados? Ouviam-se as vozes do coro da igreja lá da aldeia

Também foram embora,

Raios,

Ou

Meu querido irmão? Também não está, Janelas com vidros? Não, Não estão...

E eu sabia que o meu irmão estava a mangar comigo, que não havia concurso nenhum, que o meu irmão não existia, que eu não existia, apenas o meu marido, apenas a fome, apenas a porrada, apenas

Também não está,

Ou

Raios,

No centro da cozinha, pratos, copos, talheres, ele de telefone não mão, e eu sabia que nem telefone tínhamos, miseráveis, nós, os vizinhos, as vizinhas, principalmente a do rés-do-chão, a tal a quem chamavam de cínica, porque possivelmente devido a um trauma de infância, ela, acreditava plenamente que no poupar é que estava o ganho, passava fome, alimentava-se muitas vezes imaginando alimentos, ou

Raios

Também não está,

Ou gritando pelas ruas da aldeia,

Adormecia fingindo que o Sol brincava no quintal, e nós não tínhamos quintal, adormecia fingindo que no centro da cozinha a mesa com quatro pratos de sopa, e nós não tínhamos pratos, e nós não tínhamos mesa, cozinha, e nós

Raios

Ou,

Não tínhamos sopa, telefone

Como podia ser o meu irmão do outro lado da linha, respondia-lhe

Deve ser engano,

Não tenho irmãos, só tenho uma cozinha inventada que tem no centro uma mesa em madeira, só tenho quatro pratos de sopa inventados, vazios inventados, e porrada por uma marido inventado, que a tempestade nunca mais o leva,

E me deixa,

Raios,

Ou,

Deve ser engano,

Os cigarros que nunca fumou porque nunca tive um irmão.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:12

dentro de ti um rio chamado saudade

do mar desencontrado das planícies agrestes do teu peito

dentro de ti uma manhã de nevoeiro

cansada

um barco ancorado

um barco choramingueiro

sem jeito para coisa alguma

nenhuma

no cais infinito dos buracos abismais

pesco letras e palavras em pedaços de jornais

choraminguei quando perdi o rio chamado saudade

que brincava dentro de ti,

 

assim

tão poucas as sílabas das tuas mãos de areia

abraçadas ao pôr-do-sol

e ao longe

uma nuvem de beijos

sobre os cinzentos lábios de espuma que a terra derrama nas faces da lua,

 

dentro de ti

um pequeno rio

palavras de silêncio

que o tecido cortinado da insónia

deixa ficar sobre a mesa-de-cabeceira

um rio

o mar

dentro de ti.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:32

27
Dez 12

O cabelo minguava a cada fotografia a preto e branco no espelho do guarda-fato, os tios uns forretas de doutoramento abstracto e risíveis amargas glândulas das palavras ensonadas pela espuma do mar e de punhos cerrados, e as tias, beatas convictas nas calçadas embriagadas dos milagres impossíveis da ilha dos desejos, pensa

 

E não me adiantava pensar, porque com eles não ia longe e com elas, coitado de mim, queixa-se ele quando nos contava as anedóticas peripécias de uma infância desenhada a esquadro e régua, e às vezes, e às vezes,

 

Pensa, pensa nas coisas boas que a pobreza proporciona aos homens e às mulheres, e às crianças, e a deus, porque digamos que

 

Deus também será pobre?

 

Não sei, não sei, e às vezes

 

E eu pensava, nas clarabóias da crosta em bosta que os animais derramavam no alpendre com ventilação mecânica, iluminação natural, em néon com chapinhas de zinco suspensas nos cromados que diariamente a Marília acariciava, e nova vida, e uma placa de madeira prensada à porta de entrada

 

Vendem-se cromados acabadinhos de fritar, doida, ela subia à copa das árvores, e sem perceber que a gravidade, às vezes muito grave, gravíssimo

 

E no entanto fazia-o por prazer, não por loucura, segredava-me ela Eu não estou louca! Claro que não Marília, Claro que não, loucos

 

Deus também será pobre?

 

Não sei, não sei, e às vezes

 

Os pássaros, as gaivotas, o mar e os barcos de papel, a melancolia e a tristeza absoluta, os orgasmos e todos os púbis fingidos de amnésia e licor de medronho, esses Marília, esses sim

 

Loucos e Loucas,

 

E eu?

 

Claro que não, Claro que não,

 

Piratas, tentáculos que desciam do alpendre, a fome vestida de tarde de verão, deitava-me junto à seara de trigo, pegava numa palhinha e metia-a na boca, imitava cigarros, e sonhava com aviões com olhos azuis, e sonhava com aviões com cabelos de alecrim, jasmim, cravos de sofrer que as rodas dentadas atropelavam pelos corredores da enfermaria

 

Não estou louca

 

Claro que não, Claro que não

 

Marília abre a mão está na hora das drageias, não sei, não sei, e às vezes

 

Não resistia ao chamamento dos pássaros quando poisados no peitoril guerreavam entre eles por minha causa, e percebia, e eu sabia que cada um deles

 

Eu

 

Eu levo-a a passear,

 

Os pássaros, as gaivotas, o mar e os barcos de papel, a melancolia e a tristeza absoluta, os orgasmos e todos os púbis fingidos de amnésia e licor de medronho, esses Marília, esses sim

 

Loucos e Loucas,

 

E eu?

 

Claro que não, Claro que não,

 

E eles,

 

Loucos e Loucas,

 

Pegavam em mim, aos poucos começavam em batimentos fictícios de asas, e eu sentia

 

Sim diz, O que sentias Marília?

 

Sentia-me levitar, devagarinho, de milímetro em milímetro, e quando acordava estava sentada no telhado, cruzava as pernas e esperava

 

Sim diz, O que esperavas Marília?

 

Que alguém me resgatasse das garras loucas dos pássaros do jardim, e perguntava-me

 

Deus também será pobre?

 

Claro que não, Claro que não.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:45

26
Dez 12

Insisto, desistes facilmente como se fosses a chuva miudinha dos finais de tarde em Belém, e nunca percebi, senti, sem ti, perceber

 

Porque me perseguias entre sombras e canaviais que escondem a cidade, porque me perseguias, sem perceber, sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, sentavas-te e acorrentavas-te aos candeeiros encardidos, velhos, ontem, hoje não

 

Perceber, sem ti, sentir-te dentro dos meus olhos cabisbaixos, amorfos, fabricando euros clandestinos num barracão da Madragoa, e entortavas-te com a vestimenta disfarçada de gaja Espanhola, made in China, perceber

 

Hoje não, desculpa-me,

 

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti

 

Hoje não, desculpa-me,

 

Sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, os sexos murchos como as palmeiras da Baía de Luanda, quando o vento, as levava, e eu

 

Sentavas-te, sem ti, senti, sentavas-te a olhar o mar, e esperavas, pelo regresso das palmeiras, algumas regressavam, outras morriam, e outras

 

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti

 

Libertavam-se das manhas de cacimbo, e o capim mergulhava nas tuas coxas de linho, o cortinado tremia, sentavas-te

 

Sentia-te,

 

Sentavas-te nos rochedos que as nádegas, e entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti a paixão dos homens que se suicidavam dentro dos cubos de vidro, e sentavas-te nos rochedos que as nádegas de manteiga desenham nos espaços vazios da areia das parais do Mussulo, caraças

 

Sentavas-te e sentavas-te e sentia-te

 

Regressavam os barcos nocturnos das viagens sem regresso, perdias-te nas caves escondidas dos porões esfomeados que a saliva do desejo traçava nas paredes murmuradas em parêntesis incompletos, pontos finais sem fim, continuação da história, da mulher de saltos altos e meia de vidro no palco em delírios e sentavas-te

 

No caixão revestido de sorgo, amêndoas e chocolates fora de validade, acreditavas nas esplanadas junto ao rio, abrias as pernas, fincavas os dentes num pedaço de pano, sujo, imundo, húmidas as tuas mãos, e

 

Absorviam-te as palavras, desculpa-me, sentavas-te, sentavas-te, senti, sem ti, absorviam-te as palavras como se fosses um poema de amor, como se fosse uma rosa, uma nuvem, pássaro, ou uma árvores inventada pelas mãos de um apaixonado motorista dos machimbombos, com asas de de vodka, embebias os lençóis em sangue menstrual, limpidamente à janela de onde se observava a pastelaria, e quem diria

 

E entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti,

 

E quem diria, que eu, um dia, acabaria como um lençol mutuário, sem testamento, herdeiros, e quem diria, que eu, um dia, sem ti e sinto, hoje, não propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, os sexos murchos como as palmeiras da Baía de Luanda, quando o vento, as levava, e eu

 

E eu

 

Um vulcão,

 

E eu

 

Sentia-te,

 

E eu

 

Libertava-me das manhas de cacimbo, e o capim mergulhava nas coxas de linho construída por uma noite de insónia, e o cortinado tremia, e sentavas-te

 

Sentia-te,

 

Nos meus silêncios do inverno à lareira dos sonhos,

 

E eu

 

Não acreditei.

 

(Texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:49

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