Uma gaivota de luz sentenciou-me com quatro simples palavras retiradas de uma caixa espessa que vivia na minha casa, dentro de um espelho, em finais de Setembro, e orgulhosamente escreveu no meu corpo
- quero as tuas lágrimas,
a minha cansada casa ficava na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, vestia-se de branco e flutuava dentro do cacimbo como se fosse um espelho, nuvem, charco de areia finíssima que algumas vezes apareciam, outras, deixava de os ver, eu perguntava-lhe
- as minhas?
Explicava-lhe que nunca as tive, Nunca choraste? Respondia-lhe que não, Não me lembrava, nem sabia o que eram, Caixas Espessas?
- lágrimas
telhas de aço cobriam as cabeças infelizes dos rissóis e dos pasteis de nata, Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa esperavam o regresso da noite, eu perguntava-lhes
- as minhas?
lágrimas, nos carris do eléctrico padeciam as migalhas do silêncio, uma caixa espessa, húmida, e, explicava-lhe que não sabia o que eram lágrimas, ossos, carne apodrecida, não sabia, não sei, nunca vou saber porque caem as árvores no meu quintal, quinta-feira, espelho de morte na minha má grande sorte, nem a lotaria do natal, nem um simples postal, perdão, peço desculpa, em quatro simples palavras de alecrim
- quero as tuas lágrimas,
- também
eu
- as queria, quero-as, todas, aos molhos, as tripas das Marilús e afins estabelecimentos comerciais, vende-se casa dos anos setenta, calças à boca de sino, e elásticos
lágrimas,
- quero
- eu
- as minhas e as tuas
e elásticos à volta do pescoço fino e esguio até entrar dentro das nuvens que via láctea desenhava nos cornos da lua, tu desaparecias à porta da sala de estar, da cozinha chegava até nós o som da lareira prestes a partir para o outro lado da cidade, na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, e em tardes de final de texto via-a
- voava sobre os quintais zincados dos meus amigo pretos,
o cavalo ganhava asas, a minha irmã com um chapéu de flores que embrulhavam-lhe os loiros cabelos poéticos que o meu pai escrevia no tronco de uma mangueira, voava sobre os quintais zincados
- Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa
esfregava os olhos,
- eu,
ela voava,
eu e os meus amigos pretos,
- cansados de olhar o céu,
às vezes,
- poucas
ela adormecia e o cavalo ia até ao mar, depois uma gaivota de luz sentenciava-me com quatro simples palavras
- quero as tuas lágrimas,
lágrimas,
- quero
- eu
as minhas e as tuas,
- pergunto-te
o que são lágrimas em quatro palavras com muitas árvores até encontrarem o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu
chorava, quando o cavalo branco com asas brancas, quando a minha irmã vestida de branco sobre o cavalo branco..., desapareciam em direcção ao mar.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha