Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

20
Dez 12

(a factura: é em seu nome ou em nome do burro?)

 

Não esqueço

sábado à noite vou entrar em ti

escrever nas tuas entranhas vísceras de primavera

o silêncio

com pingos de chuva

não esqueço

escrever

e as gajas de incenso

 

mergulhadas no papiro húmido da manhã sem acordarem

vivendo viver o sofrimento amor

não amando

amar

escrever

nas gajas de incenso

as palavras de encantar

que os barcos de sábado à noite

 

encalham na areia fina dos testículos

que dos tectos descem

os minguados tropeços de saliva

há na boca dele

ela entre parêntesis

abraçada ao ponto final

travessão

vírgula repetição paragem cardíaca ao pequeno-almoço

 

vírgula

ponto

paragrafo ordinário na tua mão não esquecendo

o calendário

vírgula

ponto final obrigado pela vossa presença

amanhã será outro dia

 

não esqueço sábado à noite vou entrar em ti

repartir-te em pedacinhos

palavra por palavra

letra por letra

sílaba por sílaba

não esqueço

sábado

quando as fotografias acordarem e dentro de ti eu

 

absorto

voando nas tuas vísceras entranhas cavidades

de primavera

a primeira classe das florestas virgens

absoluto em zero complexo tu eu nós os três pássaros da miséria

absorto

a primeira música no primeiro poema do primeiro desgosto de amor

não vieste desististe partiste dentro do oceano tua solidão

 

sábado

esperarei por ti

debaixo da ponte

trago os cigarros a corda de nylon e uma gaivota de esperma

e sei que nas tuas coxas

sábado

os cigarros

míseros sofrimentos que a noite constrói em folhas de papel...

 

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:43

Não sabia que te incomodavam as teias de aranha que embrulham alguns dos livros que sepultei na cave, velhos, fora de tempo, moribundos como as pessoas da minha idade, não sabia, desculpa, que te incomodavam

 

dias depois de mim, descias as escadas e sentavas-te sobre as páginas cansadas e poeirentas da velhíssima encadernação, algumas palavras tuas, dias depois, te incomodavam os inchaços invisíveis que das tuas torrentes mãos alicerçavam as ruas circunflexas que a cidade engole, um copo de cerveja, vodka, qualquer coisa por favor senão morro, morro, como eles, e enterram-me na cave, como eles,

 

te incomodavam as minhas frágeis carícias, te incomodavam as aventuras do poderosíssimo Pai Natal, de chaminé em chaminé, e finta algumas das clarabóias para não incomodar

 

que te incomodavam,

 

os amantes sobre os lençóis encarnados do Natal, que eu, que tu

 

detesto,

 

que eu

 

detesto,

 

desculpa, não sabia, que te incomodavam as minhas mãos de sabão, desculpa, não sabia, que te incomodavam as minhas orelhas pontiagudas como aqueles sapatos de joguei janela fora, também eles, pontiagudos, e tu

 

não me ouves, e sentavas-te sobre a velhíssima encadernação de couro, velhíssima como os meus cabelos, cinco por cento são meus, e noventa e cinco por cento

 

detesto,

 

que eu,

 

detesto,

 

noventa e cinco por cento do fisco, dos credores, e da puta que os pariu, a elas e a eles

 

as baratas e as teias de aranha, não te importavas, não querias saber, e agora, agora

 

feliz Natal,

 

(o caralho)

 

detesto,

 

que eu

 

detesto,

 

e pergunto-me, e pergunto-te, tu deitavas-te em mim e enrolavas-te nos meus braços

 

que eu

 

e os restantes trezentos e sessenta e cinco dias?

 

detesto,

 

nos meus braços, não te importavas, não sabias que os sonhos são simples sombras de rochedo que o mar vomita nas noites de insónia, não dormimos, não comemos, apenas jazemos na cave, embrulhados em teias de aranha, sentavas-te sobre mim

 

feliz Natal,

 

que eu

 

detesto,

 

que tu

 

detesto,

 

dias depois de mim, descias as escadas, pegavas numa lanterna, enrolavas-te em mim e silenciosamente folheavas as minhas finíssimas páginas de puro aço, frio, distante, a cave onde eu

 

detesto,

 

adormecia com os teus beijos.

 

(texto de ficção não revisto)

 

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:36

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