Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

22
Dez 12

Quatro drageias de pólen embebidas em cianeto

para quatro homens de barro

mergulhados no poço da solidão

sem perceberem

 

eles

elas

nós

 

sem perceberem que o vulcão do silêncio morre lentamente

na mão malmequer do jardim abandonado

sem flores

quatro árvores de papel

 

um condenado

embriagado nas tuas palavras sem janelas para as rimas deixadas sobre a mesa

um prato de sopa

às cabeçadas entre as migalhas de pão

e a cozida cebola

que cintilam pedaços de pálpebras e corações grelhados com molho de paixão

 

amanhã vai estar frio

tem cuidado...

amanhã vai chover

não te molhes...

e ninguém

e ninguém me avisa quando vem a fome

e me diz

queres um prato com sopa?

 

uma folha de couve?

não senhor

não oiço

não bebo

não fumo

fodo às vezes quando calha

 

e quando calha

sou uma drageia de pólen embebida em cianeto

deitada sobre a mesa do pequeno-almoço

à espera

pacientemente

que um louco de barro me coma

e morra

e me leve para a montanha das quatro portas invisíveis.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:24

Sou filha do vento e nasci num final de tarde, tenho cabelo loiro como o oiro, tenho asas como as gaivotas, em revolta, tenho olhos verdes com luzinhas encarnadas, como as madrugadas, depois de uma longínqua caminha na praia dos sonhos, sou filha

 

da vida quando construída, destruíste-me os ossos e fizeste deles sumo de laranja com rissóis de camarão, a tarde estava límpida, linda, brilhante, ausente a tua melancolia paixão pelos livros, da vida, e eu

 

sou uma filha da puta, destruíste-me cansada manhã, à luta, à carga que os costados ainda aguentam, sou burra, de velas arregaçadas até aos ombros, levanta-se o mastro luzidio da paixão, e ela

 

a caravela mais linda do oceano,

 

entre curvas e sombras,

 

e ela às marradas contra a porta de entrada, cinco da manhã, porta encerrada, fui despedida, lia-se na tabuleta míope

 

por razões de segurança é proibido sonhar,

 

filhos da puta, pensava eu, miúda da vida quando construída, destruíste-me os ossos e fizeste deles, e fizeste de mim

 

uma mula sem asas,

 

e fizeste de mim

 

uma caravela sem velas,

 

e fizeste de mim

 

uma puta sem pernas, sem nome, sem jazigo, caixão, cave, ou noite embrião, uma puta solteira, filha do vento, e nasci, e nasci num final de tarde, junto ao Tejo, numa esplanada com cadeiras, uma esplanada com mesas, plastificadas

 

os ossos, as pernas, as asas, as casas, eu

 

uma puta sem alicerces, segurança social, uma

 

casa sem janelas, um rio sem barcos, ponte, um jardim nu, moribundo, húmido entre as sílabas assassinas da primeira comunhão, que raiva, ódio, não gostava de gravatas, sapatos pontiagudos, e asas, e fatos de pano barato,

 

o cigano

 

estás bonito miúdo,

 

e ela,

 

sou filha da chuva, sou filha do vento,desculpem-me, ajudem-me, lancem todas as cordas para o mar, e numa fúria de raiva

 

salvem-me esta puta filha do vento,

 

uma caravela sem vela, uma puta sem pernas, sem braços, sem cabeça, uma árvore miúda, à lareira, feliz natal ouve ela

 

salvem-me,

 

porquê,

 

o cigano,

 

que giro, está lindooo,

 

e eu era lindo quando vestido de pedaços de xisto com laminados de madeira, o serrote em cuecas fugindo corredor fora, o barco enfeitiçado mergulhava nos olhos verdes da puta encarnada manhã de sábado, saí de casa, travesti-me de homem livre, como o vento, pai da puta, que no final de tarde, ouvia os roncos magistrais das bocas ocas e loucas que

 

o cigano,

 

que a maré provoca nos corpos quentes,

 

caliente meu corpo de cetim doirado,

 

o cigano,

 

lindooo,

 

eu sei, eu sei quando me olhava ao espelho,

 

as vaidades, as paredes guiadas pelas raízes dos finais de Outono, ouviam-se as transpirações das desejosas camas de vinte e cinco euros, à janela, há janela, uma fotografia com um miúdo nos braços do cigano

 

lindooo,

 

e eu respondia-lhe que os sapatos pontiagudos me magoavam, e ele

 

quando começares a voares passa-te, e deixam de doer,

 

lindooo,

 

que a maré provoca nos corpos quentes,

 

caliente meu corpo de cetim doirado,

 

o cigano,

 

lindooo,

 

e gemias, e atravessavas as paredes de porão em porão, descias as escadas até ao ínfimo milímetro de poço, e dizias-me

 

sou filha do vento e nasci num final de tarde, tenho cabelo loiro como o oiro, tenho asas como as gaivotas, em revolta, tenho olhos verdes com luzinhas encarnadas, como as madrugadas, depois de uma longínqua caminha na praia dos sonhos, sou filha

 

uma puta sem alicerces, segurança social, uma

 

casa sem janelas,

 

sou filha do vento, sou filha da chuva, sem braços, sem pernas, sem asas, sou

 

lindooo,

 

e nunca mais vi o cigano de camisola azul.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:09

Sinto-me

sentando-me desesperadamente só

sinto-me não ouvindo o silêncio dos rochedos submersos nas tuas lágrimas

de primavera adormecida

sentando-me

sobre a tua sombra

sinto-me

desesperadamente só

como um pássaro esquecido na copa de uma árvore invisível

sobre a lua

a tua sombra

sinto-me sentando-me desesperadamente só

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:48

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