Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Dez 12

Sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas

A fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu

E eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de

E tu

Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes

E tu

Desgovernada sem saber o que fazer, corrias pela cidade, batias às portas, e ninguém, ninguém dobre o zinco da noite a abraçar-te, ninguém para ti

Deita-te sobre mim, meu amor, e deitavam-se as nuvens sobre as mangueiras que os pássaros deixavam ficar nos quintais abandonados, deita-te sobre mim

Meu amor...

Ninguém para ti, ninguém para mim, de candeeiro em candeeiro, uma corda de aço prendia um petroleiro, homens maus com um chicote

Não me bata por favor, gritavas quando ele acendias os cigarros nas janelas da lareira, e que a morte nos trazia todas as noites nos finos cobertores que o inverno construía, e nós

Não sabíamos o que era o Inverno,

Imaginavas a neve como sendo areia dentro de uma caixa de sapatos, pesadíssimas botas mordiam-te os pés lilases de pétala amordaçada, e não sorrias, escondias-te no sótão, e choravas, e gritavas

Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e

Adormecias agarrada a uma boneca de trapos que nasceu e cresceu no primeiro andar com janelas e vidros envelhecidos, alguns deles em perfeita decomposição, o cheiro imundo a vidro putrefacto, em pedaços, suspensos nos peitoris de madeira apodrecida, e suja

Repetição

Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e

E suja

Minha amordaçada menina de porcelana,

Sábado,

E tu

Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes, vezes a mais, aparecias em casa numa lástima, perdias as calças, perdias as mãos, perdias os braços, regressavas, entravas, não falavas, e deitavam-se elas sobre os muitos lençóis que o cacimbo deixava ficar pelas ruas, outras vezes, às vezes, um carro zumbia, rosnava entre cães e mabecos e cavalos que tinham fugido de um carrossel estacionado junto aos Coqueiros, mostravas-me os treinos de hóquei em patins, inserias a moeda na ranhura

E os barcos começam em círculos longos voos sobre os telhados poeirentos que pertenciam às nádegas húmidas do ciume, e as fotografias do teu pai

A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia

CUIDADO PARA CIMA,

E um tipo com os dentes virados para o céu, e esperava, CUIDADO PARA CIMA

A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia que sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas, a fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu, e eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de

CUIDADO PARA CIMA,

Repetição

Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e

E suja

Minha amordaçada menina de porcelana,

Sábado,

E tu

Luanda,

E eu

Não Luanda.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:59

O trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes

Em direcção ao vazio,

Ao nada, ando uns míseros milímetros, agacho-me, sinto o próprio vazio da rua sem saída a coexistir dentro de mim, ruas, pessoas

Em direcção ao vazio, nuas

Muitas pessoas,

Em direcção ao vazio, os edifícios agachados também, tal como eu, e as árvores voam, fogem para longe, levam as folhas e as flores, muitas pessoas

Vazio,

Que transportam pele e osso, quilogramas de lixo cinzento, cigarros made in China, com sabor a Primavera, procura nos bolsos, não as encontra, as chaves, de casa, do carro, procuro-os nos bolsos

Os edifícios, não os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer à rua B do número trinta e três, outra vez, repita comigo

Trinta e três, rua B, quito esquerdo, e ela repetia, Trinta e três, rua B, quito esquerdo, abria as asas e começava a voar sobre a cidade, deixei de a ver, deixei de a ouvir

Perguntas-me se à cidade ou a ela, à rua B

E eu simplesmente tinha saudades, da rua B, dos alicerces, as pessoas, os pássaros, o trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes, hoje, não, amanhã talvez, saio de casa, sais de casa, encontras no bolso

As chaves do carro,

Os cigarros, as chaves de casa, os edifícios, não os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer à rua B, os ciganos em exames à volta de uma fogueira, três ou quatro tendas, alguns animais, cães e burros, e uma leve e fina cortina de vento, silêncio, grito-te

Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como? Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo

As chaves do carro,

Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos

Um carro,

Não te percebo, que nunca tivemos

Um burro e uma carroça,

Não te percebo, que nunca tivemos

Nada, casa, que nunca vivemos

Na rua B? Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos

Nada

Chegas a casa, não te conheço, perguntas-me se o jantar já está pronto, olho-te, olho-te e não te percebo

Porquê se não tenho, Porquê se nunca ti, Porquê marido,

Um carro,

Um burro e uma carroça,

Assistíamos à dança dos ciganos à volta da fogueira, lembras-te, perguntavas-me e eu juro que não, na rua B deve ser engano, não conheço, não sei

Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como? Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo

As chaves do carro,

Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me esqueço, que nunca tivemos

Um carro,

Não te percebo, que nunca tivemos

Um burro e uma carroça,

Não te percebo, que nunca tivemos

Nada, casa, que nunca vivemos na rua B deve ser engano, não conheço, não sei, chegas a casa, entras em cada compartimento de luz, não me encontras, finjo-me invisível, e tu perguntas-me

Como se faz Rafael?

Não te percebo, que nunca tivemos

Um burro e uma carroça,

Que eu me lembre, apenas uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes

Em direcção ao vazio.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:30

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