Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

01
Jan 13

Depois, vi o sol desaparecer do cubículo de trapos onde nos escondíamos, depois, vi as nuvens transformarem-se em pedaços de papel, alguns com rugas no rosto, outros, de faces límpidas, absorvidos pela miudinha chuva que horas antes tinha começado a descer do tecto, viam-se os barrotes e as traves e o soalho dos vizinhos do andar superior, esquisitos, sonolentos, raramente saiam de casa, e quando saiam vestiam-se com folhas de árvores e não tinham cabelo, e não tinham pele, sim, tinham mas não era igual à nossa, pareciam-me

Escamas, pareciam peixes com pernas, peixes com braços, peixes com uma cabeça de xisto, grande, muito grande, peixes com mãos semelhantes a um alicate de corte, escamas, pareciam-me e não eram, montanhas vestidas com caixas de cartão que sobejaram das últimas compras em Paris, peixes

Pareciam-me

Sim, tinham mas não era igual à nossa, pareciam-me,

Tínhamos vizinhos no piso inferior, um casal sem filhos, quase nunca se ouviam, e quando acordava um som, era sempre o mesmo, igual, a todas as horas, a todos os minutos, a todos os segundos, pareciam-me

Gemidos,

Finos gemidos de orvalho sobre as superfícies transparentes do primeiro dia do ano, ontem, quase não se ouviram

Gemidos,

Flores, finos, gemidos? Não se ouviram, ontem, silenciosamente sós dentro do cubículo de trapos onde se escondiam, dormiam, um casal sem filhos, e quase nunca se ouviam sons, palavras, nada, muito, flores, finos gemidos, os lados de um triângulo equilátero, burros, burras, elas, as gaivotas do primeiro dia do ano, e

Quando lhe perguntavam a quantos graus ferve um ângulo recto, ela respondia A noventa graus senhora professora, e

Gemidos,

Finos gemidos, burros, e burras,

Asnos, asnas, metálicas, treliças, treliças isostáticas, e muitas, muitas

Flores, gemidos, finos burros, e burras, depois, vi o sol desaparecer do cubículo de trapos onde nos escondíamos, depois, vi as nuvens transformarem-se em pedaços de papel, alguns com rugas no rosto, outros, de faces límpidas, absorvidos pela miudinha chuva

Pareciam-me

Sim, tinham mas não era igual à nossa, pareciam-me, peixes com olhos verdes, peixes de cebolada, peixes de escabeche, peixes, peixes, e

Peixes,

Desciam, e subiam, as escadas, sobre nós, esquisitos, com pele não igual à nossa, diferente, com a pele igual a

Peixes,

Asnos, asnas, metálicas, treliças, treliças isostáticas, e muitas, muitas mãos com sabor a amêndoa torrada, regressava o chocolate, regressavas com os miúdos, subias, descias, as finas

Escadas

Gemidos,

As finas vozes que mal se ouviam, ele, ela, os dois pareciam um telhado sem telhas, ele, ela, os dois pareciam uma árvore sem ramos, uma árvore sem folhas, um comboio

Fantasma entre os socalcos do Douro,

Obrigado pela recordação, gemidos, ele, ela, os dois pareciam a avenida Almirante Reis em discussões incompletas, ele, ela, os dois pareciam

Eu levo trinta, ai filho, eu faço por menos,

E subiam as escadas, desciam, escondíamos-nos dentro dos travesseiros da insónia, peixes, quase sempre, peixes com braços, quase sempre, peixes com pernas, quase sempre

Gemidos,

Peixes,

Quase sempre

Eu faço por menos carinho, Sim Sim, Você me ama amor?

Peixes, quase sempre, com braços, quase sempre, com pernas, quase sempre, apaixonados, quase sempre

Eu levo trinta, ai filho, eu faço por menos, e sobre nós eles esquisitos, e sobre nós escamas, pareciam peixes com pernas, peixes com braços, peixes com uma cabeça de xisto, grande, muito grande, peixes com mãos semelhantes a um alicate de corte, escamas, pareciam-me e não eram, montanhas vestidas com caixas de cartão que sobejaram das últimas compras em Paris, peixes

Pareciam-me

E não eram,

Pareciam-me

E não eram,

Peixes, quase sempre, com braços, quase sempre, com pernas, quase sempre, apaixonados, quase sempre

Eu levo trinta, ai filho, eu faço por menos,

E não eram, obrigado pela recordação, gemidos, ele, ela, os dois pareciam a avenida Almirante Reis em discussões incompletas, ele, ela, os dois pareciam

E não eram

Peixes.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:58

Roubas-me o sono, os sonhos, a vida de um miserável caminheiro, roubas-me as mãos e as palavras de pergaminho que o meu querido avô deixou ficar em cima da mesa na sala de jantar, gritavas comigo, roubaste-me as sanduíches de atum que estavam embrulhadas em papel de alumínio, a nota de cem escudos transformada em tubo com acesso ao centro da terra, roubaste-me

Roubas-me a clareza das imagens a preto e branco, pego nos óculos, abro-o e cessa em mim a transpiração, deixo de ter voz, deixo de ter cabeça com cabelos castanhos, deixo de ter olhos verdes, roubaste-me o sono, os sonhos, as imagens,

Um livro de atum,

E começava a pingar um líquido castanho, espesso,

Ouvia as tuas garras de aranha nos meus braços de arame quando o esqueleto da morte rondava a janela da sala de jantar, pegava nas sanduíches de atum, retirava-lhes religiosamente o papel de alumínio, e começava a pingar um líquido castanho, espesso, frio, vómitos, cansaços muitos, poucos, espesso

As imagens de ti,

Roubaste-me e roubas-me o sono, os sonhos, a vida, roubaste-me o jardim onde ela ao final da tarde se sentava, pegava num livro, folheava-o e estava ali até que caísse a noite, acordassem as estrelas, e todos os sorrisos da aldeia,

O nosso querido avô deixou ficar em cima da mesa na sala de jantar, gritavam connosco, roubaram-nos as sanduíches de atum que estavam embrulhadas em papel de alumínio, a nota de cem escudos transformada em tubo com acesso ao centro da terra, roubaram-nos

Os livros com sabor a uvas Moscatel,

As imagens de ti,

Espesso, áspero, cinzento, e notava-se uma saliência esquelética

Um livro de atum,

Nas pálpebras da lua, roubaste-me e roubas-me o sono, os sonhos, a vida, roubaste-me o jardim onde ele ao final da tarde se sentava, pegava num cigarro, acendia-o e estava ali até que caísse a noite, acordassem as estrelas, e todos os sorrisos da aldeia,

Amo-te sabes?

E nunca soube que os livros de atum eram embrulhados em papel de alumínio, espesso, castanho, pingava, ao cair a noite sobre nós, abríamos todas as janelas do jardim, sentíamos os plátanos de braços abertos à procura dos tentáculos de xisto com pequenas rosas encarnadas, roubei rosas para ti, escondeste-as

Dentro do livro de atum, era tarde, descias as escadas do sonhos, e tinhas acabado de perder o sono nos rochedos junto aos correios, pegavas-me na mão e

Gosto de ti sabes?

Nunca soube, espesso, castanho, a nota de cem escudos transformada em periscópio, e percebi que era isto o verdadeiro amor, transformada em tubo com acesso ao centro da terra, roubaste-me

Os livros com sabor a uvas Moscatel,

As imagens de ti,

Espesso, áspero, cinzento, e notava-se uma saliência esquelética

Um livro de atum, que deus o tenha, Amo-te sabes? Gosto de ti sabes?

Um livro de atum,

E começava a pingar um líquido castanho, espesso, e juro que não sabia, e juro que deixei de acreditar nas palavras embriagadas, deixei de acreditar nas sanduíches de atum que o nosso avô deixava ficar na sala de jantar em cima da mesa de vidro, um homem gordo dentro de uma caixa de madeira sorria-nos, tu

Tenho medo,

Amo-te sabias?

Nas pálpebras da lua, roubaste-me e roubas-me o sono, os sonhos, a vida, roubaste-me o jardim onde ele ao final da tarde se sentava, pegava num cigarro, acendia-o e estava ali até que caísse a noite, acordassem as estrelas, e todos os sorrisos da aldeia,

Amo-te sabes?

Espesso, áspero, cinzento, e notava-se uma saliência esquelética

Nas faces da lua.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:00

A fragrância das tuas sílabas em seios de andorinha

voando entre lábios e arbustos dos jardins meu peito envenenado

coisas boas

em Lisboa

um rio me chama

e um mar me engole

com sabor a poesia

e ruas de alegria

este louco amor

ao de leve os vulcões sem crateras corações de areia

uivas em gemidos constelações

que o mapa das estrelas lança sobre a lua,

 

queres só para ti o luar

e as janelas belas

que a noite deixa cair nas esplanadas ósseas dos orgasmos que os pássaros em teu redor

remoem

e saboreiam

a liquidificação do sémen das manhãs do eterno Inverno

no deserto enterro

as tuas mãos

em teus lábios desespero

o silêncio

que nas palavras prometidas

escreves e ditas e ditas e escreves,

 

porcarias sem sabor

hormonas voadoras como pássaros incolores

que o amor transporta nos dentes do desejo

desejas-me sabendo que no meu corpo

há parafusos de aço

roldanas

chapas metálicas e zincadas

placas de madeira que a lareira incendeia

come

alimenta

as verdes noites do prazer

quando todos os relógios em ti dormem comem e fodem,

 

o quê?

os governos fodem o povo

o povo fode o vizinho do lado

coitado

do sapateiro

e do barbeiro

fodidos eles

também

pelo governo que fode o povo

em nome de deus

o quê?

a primeira vez das palavras inquietas e amargas das árvores adormecidas,

 

(a fragrância das tuas sílabas em seios de andorinha

voando entre lábios e arbustos dos jardins meu peito envenenado

coisas boas

em Lisboa

um rio me chama

e um mar me engole

com sabor a poesia

e ruas de alegria)

 

comes-me sabendo que os meus ossos poeirentos

são a argamassa luz que rompe e zumba as paredes fictícias do arame de papel

debaixo das mimosas de tecido negro às coxas da maré

em Lisboa

o Tejo que fode o povo

fodido pelo governo

que voa

e voa

entre o desterro e os rochedos dos pénis agachados nas planícies Alentejanas

coitados

dos sapateiros e barbeiros

e as ruas da alegria...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:55

Janeiro 2013
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