Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Jan 13

Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e não percebias que eu precisava de asas, voar, voar sem parar, não cair, todos os meses, eu, um infeliz

Mãe, fui assaltado, manda dinheiro vale postal urgente,

E ao final da tarde ressuscitavam as andorinhas no Tejo, cintilavam ao longe as luzes dos petroleiros a entrarem na barra, puxavas de um cigarro, umas vezes em solidão, outras, em companhia de gaivotas com sabor a heroína, pingavam restos de saliva nas passadeiras vermelhas da calçada, precisavas de ser aquecida

Lisboa

À tarde pertencias aos espaços perdidos, na parede um cartaz onde se lia “Proibido Fumar”, à tarde pertencias-me, e Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e não percebias que eu precisava de asas, voar, voar sem parar, não cair, todos os meses, eu, um infeliz

Mãe, fui assaltado, manda dinheiro vale postal urgente,

Um infeliz com sete pernas nascidas e crescidas em Setembro, à noitinha,

Precisavas de ser aquecida,

Ouvias os meus lamentos de infelicidade quando percebias que mais uma vez, eu, o teu querido filho

Assaltado,

Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e de assaltado em assaltado, perdão

De assalto em assalto

Inventava assaltos,

Um vale postal urgente que regressava no final da tarde com destino a Belém, precisavas de ser aquecida, e ao final da tarde ressuscitavam as andorinhas no Tejo, cintilavam ao longe as luzes dos petroleiros a entrarem na barra, puxavas de um cigarro, umas vezes em solidão, outras, em companhia de gaivotas com sabor a heroína, pingavam restos de saliva nas passadeiras vermelhas da calçada, e desaparecias entre as sombras incultas do destino e a saudosa harmonia poesia das coxas de uma Sereia, excitavas-te com as melódicas palavras de oiro que a voz do mendigo deixava cair sobre as ondas

Tinha quinze anos eu,

E tu,

E eu idade para ter juízo, ouvias os meus lamentos de infelicidade quando percebias que mais uma vez, eu, o teu querido filho

Assaltado,

Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e de assaltado em assaltado, perdão

De assalto em assalto,

E tu

Quinze anos semeados em pedacinhos de papel, que hoje, que hoje

À tarde pertencias aos espaços perdidos, na parede um cartaz onde se lia “Proibido Fumar”, à tarde pertencias-me, e Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e não percebias que eu precisava de asas, voar, voar sem parar, não cair, todos os meses, eu, um infeliz

Eu,

Que hoje apodrecem dentro de uma caixa de cartão, escondida, moribunda, doente,

Sobre a pilha de livros que aguardam no corredor da morte a resposta do último recurso, e penso

Que fazer a uns tantos livros velhos e a uma caixa de cartão com papeis apodrecidos?

O general Humberto Delgado

“Obviamente demito-o”,

Para mim

Apenas recordar os olhos cristalinos de alguém com quinze anos, e que hoje, deixou de existir, e que hoje

Desaparecias entre as sombras incultas do destino e a saudosa harmonia poesia das coxas de uma Sereia, excitavas-te com as melódicas palavras de oiro que a voz do mendigo deixava cair sobre as ondas

Tinha quinze anos eu,

E que hoje não existem mais, os olhos cristalinos da Sereia de vidro.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:15

Não tenho coisas para te dar

apenas te posso oferecer as minhas mãos gélidas

ou as pálidas palavras cansadas de viver

elas quando emergem sobre a escuridão as tristezas tuas manhãs

o entra e sai da porta sibilada distante

que mente

ausente de ser

outras coisas à janela das minhas pobres gélidas mãos de linho,

 

Nada eu tenho para te oferecer

(já nem os meus livros) gélidas mãos do prazer

queimei todos os papeis frágeis que viviam e dormiam

no meu corpo de pérola cinzenta

lenta

a morte das coisas que tive

e deixei de ter

e não mais voltarei a ver.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:35

Subiam a montanha em direcção ao sítio onde viviam as nuvens de prata, rastejavam dentro do silêncio com a ajuda de uma mão envelhecida, moribunda, recheada com algerozes e janelas com cortinados de papel, subiam, docemente, subiam a montanha conhecida como a velha montanha dos sonhos impossíveis de realizar, percebia-se no ar pesado a respiração dos cadáveres adormecidos pelos versos do poeta marreco, louco, porco, que habitava numa cabana junto a uma ribeira com braços de luz e pernas de vidro, à lareira, sentindo as imagens furiosas das pessoas enlatadas que deambulavam nas esquinas do orvalho, estava frio, muito, e os cães vadios procuravam em pequenos cardumes de prata as coisas boas da vida, tínhamos medo, não dormíamos porque das árvores, às vezes, desciam esqueletos com canetas de tinta permanente espetadas nos olhos, e na boca

Pequenos segredos de saliva com finos olhares que as ardósia escreviam nas planícies da insónia, não, não sabíamos que a montanha era invisível, não, não sabíamos que a ribeira e os esqueletos com canetas de tinta permanente espetadas

Nos olhos,

Eram fantasmas desenhados pelo poeta marreco, louco,

Nos olhos,

Subiam a montanha em direcção ao sítio, uma pequena fogueira de vaidade emergia sobre as rochas prateadas onde dormiam os cães vadios

Nos olhos

O louco poeta marreco,

Duas assoalhadas, um varanda com vista para os sonhos impossíveis de realizar, diziam-nos que para o anos as coisas iam melhorar, passavam os anos, passavam

E as coisas

Nos olhos,

Sempre iguais, sempre iguais, os cães procuravam as coisas boas da vida

E alguém gritava,

Nós gritávamos

Quais coisas?

Subiam a montanha em direcção ao sítio, uma pequena fogueira de vaidade emergia sobre as rochas prateadas onde dormiam os cães vadios

Nos olhos

O louco poeta marreco deitado de barriga para o céu, e descobriu, que

E as coisas,

O céu não existe, acreditávamos, subiam a montanha em direcção ao sítio onde viviam as nuvens de prata, rastejavam dentro do silêncio com a ajuda de uma mão envelhecida, moribunda, recheada com algerozes e janelas com cortinados de papel, subiam, docemente, subiam a montanha conhecida como a velha montanha dos sonhos impossíveis de realizar, percebia-se no ar pesado a respiração dos cadáveres adormecidos pelos versos do poeta marreco, louco, porco, que habitava numa cabana junto a uma ribeira com braços de luz e pernas de vidro, e no entanto

Tínhamos sonhos que acreditávamos serem possíveis de realizar, mas depois de subirmos a montanha invisível, depois de assistirmos as suicídio do poeta marreco e louco, depois de percebermos que os cães vadios, éramos nós,

A montanha desmoronou-se, desfez-se em pedaços de açúcar, e voou em direcção ao mar.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:09

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