Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

25
Jan 13

Incompletas todas as manhãs da tua ausência

e sei que o teu perfume brinca no roseiral

esperando pacientemente que acorde um fio raio de sol,

 

Incompletas todas as lágrimas

recheadas com mel e madrugada

salgada,

 

Incompletas as tuas dóceis mãos de Primavera

que descem imaginariamente pelas ranhuras do meu corpo embaciado

pelas lanternas da inventada paixão,

 

Incompletas

as plantas e os pássaros e os lábios da noite vestida de insónia

incompletas as brincadeiras desenhadas numa ardósia

por duas crianças apaixonadas

e incompletas vaidades

entre as paredes cansadas

os livros coxos

mochos

castanheiros cavernais que as tardes construíam no bairro do hospital

chovia e o vento escrevia amor numa seara de trigo

chovia sempre que alguém invocava a dita palavra

que a húmida terra escondeu das incompletas manhãs da tua ausência,

 

Aglutinavam-se as incessantes veredas lilases dos pilares de orvalho

escrevia-se amor com o espeto de aço inoxidável

e enrolávamos o volante de borracha no pescoço saudável,

 

Libertos dos cigarros libertos das drogas libertos do álcool

percebíamos que as incompletas manhãs no roseiral

eram plumas viscosas dentro de uma jarra de zinco,

 

Os telhados verdejantes das malditas ressacas sem corações apaixonados

os velhos e os novos e os defuntos moribundos

dentro de quatro paredes

sentados no chão

a extraírem a raiz quadrada de 3 865 156.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:16

O tecto da igreja desabou, o sacerdote de batina suspensa nos ombros saiu em demandada como se Sábado deixasse de ser Sábado, como se hoje houvessem plantas ornamentais nas esplanadas complexas das varandas em solidão, uma velhinha chorava quando no rádio da vizinha a canção maldita começava a rosnar, e enfurecida, ela

Plantas carnívoras, senhor prior? Sim menina Margarida, a nossa querida igreja foi invadida por carnívoras plantas, sabe-se lá de onde vieram, talvez tentações do ensanguentado e tentador Diabo,

Diabo senhor prior?

Não sei, não sei menina Margarida, mas confesso-lhe que começo a ficar com medo, que já não durmo como dormia, que vejo sombras nas paredes do meu quarto acanhadíssimo, porque nunca há dinheiro para as obras, e os fiéis

Defuntos e não defuntos,

Tesos como os barrotes do senhor Manuel, que ele utiliza como escoras do alpendre semeado sobre o primeiro piso térreo da mansão, quatro paredes com buraquinhos por onde se avista, ao longe, o mar desenhado num lençol que a tia Margarida deixou estendido na varanda, e durante a noite,

Porque,

As faíscas desagradáveis dos silêncios embaciados que o fumo do cigarro do senhor prior deixou ficar sobre as flores embalsamadas, as plantas carnívoras multiplicam-se como de impostos se tratassem, e a velhinha Margarida reclama

A minha reforma já nem me chega para comprar água,

Porquê?

Porque o tecto da igreja desabou, o sacerdote de batina suspensa nos ombros saiu em demandada como se Sábado deixasse de ser Sábado, como se hoje houvessem plantas ornamentais nas esplanadas complexas das varandas em solidão, uma velhinha chorava quando no rádio da vizinha a canção maldita começava a rosnar, e enfurecida, ela contava religiosamente os cêntimos que nunca sobejavam,

E ao longe o senhor prior

Não me fale em cêntimos, menina Margarida, não me fale em cêntimos,

Vou falar-lhe em quê senhor prior? Vou falar-lhe em quê…

Olhe

Porque,

Fale-me em plantas carnívoras, fale-me no Diabo, fale-me

Diga, diga senhor prior,

Fale-me na cidade de Luanda que festeja hoje o seu 437º ano de existência, mas por favor, por favor menina Margarida

Não me fale em cêntimos que me recordam um canino que tive na infância, e que Deus o tem, em qualquer sítio, julgo eu, como

Olhe

Porque,

Como as faíscas desagradáveis dos silêncios embaciados que o fumo do cigarro do senhor prior deixou ficar sobre as flores embalsamadas, as plantas carnívoras multiplicam-se como de impostos se tratassem…

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:02

publicado por Francisco Luís Fontinha às 09:57

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