Me perdi, desencontrei, me amei e chorei por você, me perdi, e me cansei, me desorientei, tudo, tudo por você, sonhei, escrevi versos sobre a luminosidade das pálidas tardes que eu inventava para
Para você,
Inventei um sol e uma lua, construí jangadas de beijos e pintei
Para você,
E pintei o céu nocturno das planícies complexas dos orvalhos destinos em círculos de luz com olhos verdes e cabelo castanho, havia uma rosa dentro e um livro que eu roubei
Que tu roubaste num público jardim,
Que eu roubei de um silêncio de Primavera, para você, me perdi, desencontrei, e me amei
E chorei, inventei as loucas abelhas das paredes de xisto, e me cansei de procurar as ditas palavras do amor, me amei, e me apaixonei, tudo
Por você,
Amanhã serei um fio de solidão suspenso entre dois postes de iluminação, amanhã serei uma bola de neve com uma cenoura e duas azeitonas, muitos vão acreditar
E dizerem
Este é o dito António das névoas, homem de poucas palavras, desamado, desacreditado, este é ele, aquele que vocês diziam ter poderes mágicos na língua e que das mãos saiam versos, afinal, afinal este não é ninguém, por você
Amei, e chorei, e sonhei, e tombei
No pavimento térreo das amoreiras voadoras, tive sonhos e tive grandes loucuras sobre barcos com lentes de contacto, tive o céu ao meu dispor, e nada disso eu quis, não quero, detesto, as palavras do amor, os versos que escrevo, os versos que reescrevo, invento, a ventosidade, alimento-me das dálias masculinas e femininas dos jardins da Babilónia, e
Amei, e chorei, e sonhei, e tombei, da Babilónia para você
Um magnifico frigorífico a cores, uma máquina de café expresso, alguns livros e umas telas ranhosas que em horas vadias o dito António das névoas desenhou e pintou, tudo, tudo para você,
E hoje pergunto-me onde está ele? Nunca mais o vi, nunca mais ouvi os seus lamentos quando se sentava na varanda, quando puxava de um cigarro maroto, e desabafava palavras dele com as minhas palavras, quando misturava o fumo dele com o meu próprio fumo, e hoje
(Pergunto-me),
Amanhã serei um fio de solidão suspenso entre dois postes de iluminação, amanhã serei uma bola de neve com uma cenoura e duas azeitonas, muitos vão acreditar, outros nem por isso, há ainda aqueles que dizem ser eu uma aventura de rapazes meios loucos caminhando na margem esquerda do rio sem destino, e amanhã, onde estará ele?
Dizias-me que o amor era uma flor com pétalas de papel embrulhadas em perfume de amêndoa, a princípio pensei em chocolate, depois em camarão, verifiquei e lembrei-me
Desculpa filho, mas como sabes sou alérgica ao camarão,
E lembrei-me da dita rosa embalsamada dentro de um parvo livro, e pergunto-me, onde estará ele? E ela pergunta-se
Viste-o?
Pergunta-se porque deixaram de crescer as ervas à volta da eira, debaixo do canastro uma réstia de lâmina de amanhecer ainda resiste às tardes de prazer, como se os alicerces dos muros em betão que nos separam estejam prestes a ruir, e então
Deixo de perguntar-me
E também pouco importa, porque ambos estamos mortos, desde a manhã de Sábado quando o tejo entrou através das nossas janelas da paixão, e
Afogou-nos como duas barcaças de linho, e dizerem
Este é o dito António das névoas, homem de poucas palavras, desamado, desacreditado, este é ele, aquele que vocês diziam ter poderes mágicos na língua e que das mãos saiam versos, afinal, afinal este não é ninguém, por você
Amei, e chorei, e sonhei, e tombei nas suas coxas de diamante lapidado...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha