Desenhar-te numa branca parede que a inocência transforma em pingos de chuva ao cair da noite, uma rua deixa perder-se dentro da própria cidade de areia, há livros encadernados em couro que transportam o peso da agonia, sinto-os, e percebo-os, escondidos nas almas e nos corpos da impossibilidade sombra que as minhas velhas mãos esqueceram nos desejos destinos das línguas de fogo que uma lareira encaixa na baía dos sonhos pincelados a verniz e a perfume de hortelã-pimenta,
Hoje não me chateies, resmungava-me ele apressadamente, porque hoje é o dia do meu casamento, e eu perguntava-me sem nada lhe dizer, Qual casamento? Este individuo de metro e meio de altura com metade de uma piaçaba pendurada na cabeça e com asas de cartolina encarnada, pifou dos carretos, porque é a primeira vez que oiço a palavra casamento dentro desta casa, e também
Pimenta,
Ou pior do que isso
Pifou dos cornos, porque é o que não lhe falta, pode faltar-lhe o dinheiro, pode faltar-lhe os mantimentos líquidos e sólidos e suores de vodka, até pode mesmo deixar de existir o dia e a noite e as palavras começadas por ontem, mas os cornos é que ele não poderá esquecer sobre a mesa vagabunda da sala de jantar, ouviam-se sussurros de mulheres famintas com sabor a especiarias e a mares nunca antes navegados, ouviam-se os silêncios de merda que uma casa de banho deixava sobejar contra as brancas paredes onde ele
Pimenta
Ou pior do que isso
Desenhar-te em fragrâncias a inocência dos pingos de chuva cinzenta, alta, esguia, égua de longa duração, saltitando sobre a espuma do mar oceano,
E nunca me apaixonei, realçava cada milímetro da frase para que ninguém tivesse a menor dúvida, como se a paixão fosse um crime, grave e punido com pena de prisão,
Apaixonado ele? Apaixonado eu, um palhaço com nome de individuo, com metro e meio de altura e com metade de uma piaçaba pendurada na cabeça e com asas de cartolina encarnada, e eles quando me viam
Que lindos cabelos os teus,
Ou pior do que isso
Sobejaram os cornos pigmentados de sílabas monótonas e sons melódicos das tardes invernais e travestidas de lilases vestidos de cetim, ou então
Que lindos
Ou pior
Vou-me casar, não me chateies,
Ora este,
Casar-se, Com quem?
Se nunca vi esta ave de rapina com alguém, nem sequer com um ramo de flores ao peito, nem sequer apaixonar-se ele conseguiu e a mastronça (ele vestido de ela) agora diz que se vai casar (há cada uma que até parecem duas),
De
Pimenta,
Ou pior do que isso
Desenhar-te em fragrâncias a inocência dos pingos de chuva cinzenta, alta, esguia, égua de longa duração, saltitando sobre as espuma do mar oceano, as gaivotas suspensas nos guindastes de vento enquanto do sacerdote vagarosamente lia as palavras mágicas, ele
Adormeceu em “Aceita” e quando acordou o respeitado sacerdote pronunciava a frase imaginária “Até que a morte os separe”, estremeceu, cambaleou-se como se o vento das tempestades de areia assistisse também ele às cerimónias, lá fora os barcos de recreio brincavam junto ao petroleiro de lábios lânguidos de bâton encarnado em busca de um cigarro de incenso, e quando percebeu que desenhá-la numa branca parede que a inocência transformou em pingos de chuva ao cair da noite, uma rua deixou perder-se dentro da própria cidade de areia, havia livros encadernados em couro que transportavam o peso da agonia, sentia-os, e percebia-os, escondidos nas almas e nos corpos da impossibilidade sombra que as velhas mãos esqueceram nos desejos destinos das línguas de fogo que uma lareira encaixou na baía dos sonhos pincelados a verniz e a perfume de hortelã-pimenta, e respondeu
Não, não aceito,
Em pedaços, cada barco zarpou como zarpam as nuvens depois da chegada do vento, numa das ruas desertas da cidade fantasma, chorava um velho cacilheiro dos anos sessenta, na varanda do quinto andar esquerdo, um velhíssimo esqueleto de prata fumava cigarros de ervas aromáticas, diziam-lhe as vizinhas que era bom para a asma, eu
Deixava aos poucos de acreditar,
Não, não aceito,
Acreditar nos desenhos em fragrâncias que a inocência dos pingos de chuva cinzenta, alta, esguia, égua de longa duração, saltitava sobre a espuma do mar oceano, as gaivotas suspensas nos guindastes de vento enquanto o sacerdote vagarosamente lia as palavras mágicas,
Desisto, vou-me definitivamente embora das ruas desertas da cidade ruim que entrou em mim e desde então, nunca mais fui dono do meu esqueleto de oiro.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
O amor transformado em pequenas palavras
o amor
em desejos
desejado
dentro do mar
o amor transtornado em pequenos desenhos na areia
chamo docemente o teu corpo náufrago
e vem até mim a ilha dos sonhos
veste-se de ti
e coloca nos teus lábios os beijos dos pássaros do amor em amor
descem a calçada até chegarem à lua
tua desordem madrugada,
vestem-se de ti
e levas nos seios o silêncio dos poemas escondidos na gaveta da insónia,
não sei se sou eu que te amo
ou se é o meu corpo a desejar-te
quando entras na noite e desces a barra até encontrares na cidade
um porto de abrigo
um peito com marcas geometricamente inventadas
imaginadas
pelo vento que te abriga e obriga caminhando velozmente dentro do mar
o amor transformado em pequenos desenhos na areia,
teimosamente não desisto de resgatar-te das garras clandestinas da tempestade
mesmo não sabendo quem és
ou onde vives
mas sei que te amo
ou desejo
e também sei que te vestes de poema
e escreves nos vidros dos meus olhos
palavras lindas
belas
como todas as flores dos jardins em frente à tua lareira
O amor transformado em pequenas palavras
o amor,
(vestem-se de ti
e levas nos seios o silêncio dos poemas escondidos na gaveta da insónia.)
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
(À minha mãe)
Sabíamos que não haveriam facilidades naquele dia de despedida, os tufos de algodão nos ouvidos, as cordas que prendiam as nossas bagagens aos ferros enferrujados da carlinga meia em ruínas, e a outra metade, quase como um dia de chuva que se desprende das nuvens parecendo-nos um tecido enorme recheado de buracos, fissuras, pequenas lembranças dos dias engasgados sobre as árvores da aldeia onde ela nasceu,
Pobre,
Nasci numa aldeia pobre, filha de pobres, num País pobre, e no entanto, recordo-me de receber a primeira boneca tinha eu sete anos, na escola, gostava muito da escola, adorava aprender, mas elas, as freiras eram más como os pregos a espetarem a carne acabada de nascer, pior do que elas, talvez
Só os mabecos,
Pobres,
Eu e a minha irmã no meio de centenas de meninas, também elas, pobres, e que nos diziam
“Branco é papel e só serve para limpar o cu”,
Muita porrada, e no entanto
Adorava,
E no entanto
Gostava,
E no entanto
A escola,
Sabíamos que um dia todas as ruas desapareceriam dos nossos olhos como desaparecem as mangas das mangueiras, sabíamos que um dia Deus compensar-nos-ia por todos os sacrifícios da nossa infância, e no entanto
Adorava,
E no entanto
Gostava,
E no entanto
A escola,
Pobres, as casas com paredes transparentes que podíamos olhar a rua sem movimento, e nem óculos 3D precisávamos, porque ainda não tinham sido inventados, não havia televisão, e o cinema, ainda gatinhava pela húmida terra depois das longas tardes de chuva, e quando me deitava, depois de rezar a Deus que nos ajudasse e protegesse ouvia e sentia entre as ranhuras da parede do quarto junto ao guarda-fato
“Branco é papel e só serve para limpar o cu”,
Horrível, muita porrada, e no entanto
Adorava a escola,
E no entanto
Gostava de aprender, sabíamos que não haveriam facilidades naquele dia de despedida, os tufos de algodão nos ouvidos, as cordas que prendiam as nossas bagagens aos ferros enferrujados da carlinga meia em ruínas, e a outra metade, quase como um dia de chuva que se desprende das nuvens parecendo-nos um tecido enorme recheado de buracos, fissuras, gostava de aprender
E no entanto,
Tínhamos uma boneca de trapos que um amigo do nosso pai ofereceu-nos, tinha eu sete anos, e ela, provavelmente dez ou onze anos, e não víamos as ruas desaparecem dos nossos olhos como desapareciam as mangas das mangueiras, sabíamos que um dia Deus compensar-nos-ia por todos os sacrifícios da nossa infância, e no entanto
Adorava,
E no entanto
Gostava,
E no entanto
A escola,
A escola um amotinado de fantasmas com lençóis brancos tapando-lhes os cabelos sedosos, horrendos, horríveis, mal cheirosos, e no entanto
Adorava,
E no entanto
“Branco é papel e só serve para limpar o cu”,
A escola
Uma colónia de sonhos que me ensinou e preparou para a tua chegada e quando chegaste
Mãe, quero voar,
E nunca mais deixaste de voar e de sonhar.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
23/01/2013
Alijó
Precisava de ti
com as janelas escancaradas
precisava de ti
com as portas amachucadas
precisava
precisava de ti
com o telhado de vidro
e as paredes da tua pele
o meu abrigo
precisava
de ti
sílaba em perigo.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
23/01/2013
Alijó
Nunca sei se as tardes são frígidas
pacientemente esperando
as noites compridas
nunca sei
se as horas esquecidas
dormem ou não dormem
tal como eu
um pequeno cedro que tomba sobre a calçada
dormem ou não dormem
as pequenas palavras de ti
ditas pela boca em delírios desejos
e tal como eu
Nunca sei
se os relógios que me anunciam as horas esquecidas
têm ou não têm
mecanismos de ti
tal como eu
um pequeno cedro que tomba sobre a calçada
Tal como eu
nunca sei
se nos teus olhos vivem estrelas
ou dormem nuvens de chocolate
nunca sei
e tal como eu
um pequeno cedro que tomba sobre a calçada
sem perceber se as tardes são frígidas pacientemente esperando a melancolia em três actos
E o verdadeiro poema escreve-se com imagens
desenha-se com sons
e nunca sei
tal como eu
as pequenas palavras de ti
ditas pela boca em delírios desejos.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
E se um dia eu te oferecer flores?
Dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz, as palavras sobre a aldeia onde nasci, vazia
E se um dia eu te oferecer flores? Provavelmente não será amor, acredito que seja o meu velório, e possivelmente não o será, provavelmente seja um casamento, o teu baptizado, talvez, um dia, percebas os meus poemas que escrevi, e deixei
De escrever?
Sobre a aldeia vazia, perdidamente entre duas distâncias, um ponto insignificante algures no Rossio, ou uma recta paralela ao rio tal como os carris que te levavam para Belém, ou talvez
O que me dizes das flores?
De escrever, ou talvez sobeja um ponto final para colocar no paragrafo em suspenso, à espera que regresses do outro lado da circunferência amarela, os círculos de luz, abelhas envenenadas pelas garras ciumentas da tua boca carnívora, enfeitada com cigarros de enrolar e pedacinhos de pétalas de papel,
Ou talvez
De escrever, desesperar até que a morte nos separe, acredites, não acredites, eu vou partir, oiro, marfim, ou talvez, dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz,
Ou
Dir-te-ia que os telhados são como as flores que tenciono oferecer-te, ou talvez não, ou
Infeliz,
Ou
Dir-te-ia que os telegramas (telegramas?) dir-te-ia que os telhados de papel sobre a aldeia onde nascia arderam, tal como as flores, tal como os poemas do Inverno de écharpe na cabeça à lareira da sonolência à espera que o livro poisado na mão acordasse e se transformasse em simples criança desenhando sonhos nas paredes escuras, nas paredes frias, dos vidros que guardam as janelas
Do amor
Ou,
E se um dia eu te oferecer flores?
Dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, dos vidros que guardam as janelas das palavras que morreram e não servem para os poemas de amor,
Porque
Ou
Do amor,
Nem todas as palavras servem...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
Tinha nos lábios um fio de espuma que me recordavam os parêntesis curvilíneos das plantas carnívoras do jardim das almas mortas, na boca coabitava um gosto indefinido, espesso, possivelmente amargo e ao mesmo tempo, triste, e cansado
Havia bicicletas em fibra de carbono e cachimbos de espuma do mar construídos por verdadeiros artesãos, como os poetas quando pegam nas palavras que vão encontrando vadiando as ruas e delas, e cansado
E delas verdadeiros poemas com sabor a gotinhas de suor no nu corpo de uma mulher, qualquer mulher é bela, todas são belas, esbeltas, perfumadas, como todas as flores, também elas, e todos os poemas, também eles, belos, todos, e cansado
O suor organizado e sindicalizado, as sílabas clandestinas dos panfletos semeados por um homem gago de barba comprida pelas ruas da cidade, por porpor fafavoror ondonde fica a re reretreettete, não sei,
A terra é de quem a trabalha gritava o velho Armindo de manivela na mão,
Uma ova, barafustava o Barnabé e dizia que A terra é de quem a trabalha sim senhor mas o fruto
Não sei,
O fruto é de quem o colhe e continuava vociferando rua abaixo Por porpor fafavoror ondonde fica a re reretreettete,
Talvez um dia, mas hoje não, hoje não posso amor, Hoje estou em alerta vermelho e o mar está revoltado, provavelmente só comigo, entranha-se-me no peito, arrepia-se-me como os arbustos quando nos deitamos, clandestinas as noites inventadas pelo gago, e que não, hoje não
Não sei,
O fruto está maduro, e eu saliento que hoje estou em Alerta Vermelho, rabugenta, alguns enjoos, matinais e diurnos, comprimentos de onda, a distância
Entre dois enjoos sucessivos,
A terra enrola-se na língua do mar, e o fruto pertence ao gago de barbas compridas sem ondas de enjoos, é necessariamente e não precisamos da Justiça para percebermos que o fruto pertence a quem o colhe, ponto final, paragrafo, travessão
(Tinha nos lábios um fio de espuma que me recordavam os parêntesis curvilíneos das plantas carnívoras do jardim das almas mortas, na boca coabitava um gosto indefinido, espesso, possivelmente amargo e ao mesmo tempo, triste, e cansados acordávamos de madrugada com a boca encharcada de vodka e esqueletos de cigarro depois de esquartejados pelo gago de Alcântara, e ao longe
A ponte a entrar-nos quarto adentro, como as moscas de cinco patas que vimos no festival de música, sem percebermos que estávamos dentro de um cubo frio e doce),
Na boca coabitava-nos um gosto indefinido, espesso, possivelmente amargo e ao mesmo tempo, triste, e cansado como as metáforas crianças das histórias de adormecer, ouvíamos o gago galgando as ruas à procura da ponte dos sonhos - Por porpor fafavoror ondonde fica a re reretreettete, e tínhamos descoberto o amor, as palavras de amor, as flores, as flores de amor, a chuva, de amor
Entre dois enjoos sucessivos,
E diziam-nos que muitos Alertas Vermelhos provocam
E ao longe sabíamos que dentro de nós tínhamos um fio de espuma como os parêntesis curvilíneos das plantas carnívoras do jardim das almas mortas, e provocam
Provocam o vicio da leitura, e provocam enjoos, dois diários, como os submarinos invisíveis que os gagos da cidade dos
E delas verdadeiros poemas com sabor a gotinhas de suor no nu corpo de uma mulher, qualquer mulher é bela, todas são belas, esbeltas, perfumadas, como todas as flores, também elas, e todos os poemas, também eles, belos, todos, e cansadas como os frutos das areias em flor,
Dos
Em flor,
Por porpor fafavoror ondonde fica a re reretreettete,
Ao fundo do corredor vira à esquerda, desça sorrateiramente as escadas de madeira, e
Cidade com jardins de almas mortas onde viviam plantas carnívoras com dentes de prata, a cidade aos poucos escurece, deambula, escura manhã de Inverno, e aos poucos, evapora-se e morre,
E na quarta porta onde diz escritório É lá a retrete, não tem nada que enganar,
E dá factura?
Claro, dá factura, dá enjoos e tonturas, e não, e nunca esquecer os gemidos roubados do rio com cinco cacilheiros no estômago e um petroleiro no fígado
É da vodka diagnostica o doutor parafuso sem a ajuda de meios auxiliares de diagnóstico, enquanto o colega gago diz que devem ser pedras no rim central porque o petroleiro parece inclinado para a direita três pequenos graus de vento, sem sabermos que na enfermaria onde estão os cacilheiros e o petroleiro também temos a presença do louco homem de barba branca e cabelo encarnado que num ápice pergunta-nos
Por porpor fafavoror ondonde fica a re reretreettete, e todos respondemos
Ao fundo do corredor vira à esquerda, desça sorrateiramente as escadas de madeira, e
E nunca se esqueça de inserir a moeda na ranhura.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
(caiu uma árvore sobre a minha inspiração: pedimos desculpas pelo sucedido: Obrigado)
Um volátil coração de areia
desespera pela ensanguentada manhã das palavras feras
que o vento arrancou
das nobres veredas serras,
Sinto o frio orgulho do meu esqueleto cansado
perdido às vezes entre frases e poemas
outras vezes despromovido
mas a maioria das vezes sei que pareço um mendigo com penas,
Que voa não voa e voa
como todos os outros corações de areia
há nas manhãs com chuva
uma lareira que a terra semeia,
Que a terra alimenta
o peito desesperado da eterna santa madrugada
um coração de areia
e mais nada.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
Para si sou apenas uma invisível árvore de papel
sentada numa pedra triangular
para si sou apenas uma sombra
uma alma penada
uma voz a agonizar
para si sou um barquinho à deriva no mar
com sílabas de espuma
e pálpebras de prata
não sabendo que do amor
vem a claridade das plumas cintilações dos seus abraços clandestinos
para si eu desfaleço como as palavras de ontem
quando o vento entrou no seu peito de acácias e levou o que me pertencia,
Para si sou apenas um corpo em agonia
uma flor cansada
que a madrugada cuspiu contra as amaldiçoadas manhãs de inferno
porque você está ausente
ou
porque
para si sou um pedinte um fantasma um palhaço de circo
embrulhado nas palavras ricas
escritas
pelos palhaços empobrecidos
desamados
todos os dias começados por coxas recheadas em versos complexos,
A cidade que é a sua cidade
dos seus lábios de onde eu oiço os gemidos de gelo
que a noite semeia nas clarabóias palavras que o mar afoga
para si eu não sei o que possa ser
não sou uma árvore porque você detesta as árvores
não sou um pássaro porque você odeia os coitados dos pássaros
pergunto-lhe – O que sou eu para si senhora minha amada?
Talvez um relógio a pilhas
nos braços de uma extinta voz que a sua cidade escondeu
Talvez um buraco nego em soluços depois de comer um hipercubo
pergunto-lhe - O que sou eu para si senhora minha amada?
(fios
fios de música entrelaçados nas janelas do abismo)
indesejadamente eu pertencendo à sua lista do desprezo monótono das suas noites a preto e branco.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó