Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

19
Jan 13

Melódica a cor das tuas mãos, poética, poética do silêncio das tuas palavras, e hoje, tudo parece arder na fogueira da vida, invento-te, hoje, invento-te a partir da poeira insónia da noite passada, invento-te da música que escorre pelos vidros das janelas e aqui e ali, acolá, um rosto de porcelana acorda das lilases bocas que a chuva deixa ficar sobre os telhados de zinco,

Vêm dos poisados cansados versos do teu amor os primeiros desejos que a noite esconde dentro de um cinzeiro de vidro, o falso vidro, a falsa palavra, o falso amor, do beijo, falsificados todos os beijos que o poeta lança sobre a terra agreste dos corpos húmidos sobre as arestas finíssimas que as ranhuras de um coração de diamante traça na espuma do mar depois dos sexos se cruzarem nos infinitos carris paralelos até que a morte os separe, os falsos lemes das enguias e dos patos bravos, as falsas velas agarrando os mastros em verdejantes carícias que um cego lança contra os rochedos e pacientemente aguarda a passagem do vermelho a verde para atravessar a passadeira sombria das mágoas despenhadas entre os candeeiros a petróleo e as nuvens de seda morta, as palavras, as falsas palavras que oiço da tua boca

Que a chuva deixa ficar sobre os telhados de zinco,

Dizias-me que amanhã entrariam de mãos dadas, a esperança e o acreditar, e os “cabrões” nunca chegaram, e os “filhos da puta” ignoraram-me, ausentaram-se, fugiram, escondem-se tomara eu saber onde, que a chuva

Palavras que oiço da tua alegre boca que eu desenhei nas madrugadas enquanto dormias sem perceberes que nas minhas mãos de cor melódica ardiam cigarros velozmente como os carros de corrida numa pista de brincar construída por uma criança, retirava todos os objectos que viviam na mesa da sala de jantar, de troço em troço, as curvaturas, as rectas, todo o circuito ia tomando forma tal como as árvores à medida que vão crescendo, colocava as pilhas numa caixinha de plástico, e ligava o interruptor, os carros a principio pareciam ter sono, mas aos poucos rodopiavam em voltas de caracol até parecerem adultos à procura de clientes nos jardins de Belém

Vai uma voltinha “filho”?

OS arbustos tombavam como balas de sabão quando tocam a roupa molhada pelas mãos da lavadeira, e eu respondia-lhes Dizias-me que amanhã entrariam de mãos dadas, a esperança e o acreditar, e os “cabrões” nunca chegaram, e os “filhos da puta” ignoraram-me, ausentaram-se, fugiram, escondem-se tomara eu saber onde, que a chuva

Não vai, Não gosto de voltinhas, círculos, quadrados, tômbolas e poemas de gajos e gajas apaixonados, choramingas, lágrimas de crocodilo em rostos de vidro, como os cinzeiros da mãe Arminda, à procura de poiso quando dos jardins de Belém ouviam-se os nus arbustos que o silêncio deixa ficar nas jangadas que o papelão dos lojistas serviria, um dia, de cobertor, desde que, não, não vai e não gosto de voltinhas e se não me doessem os dentes, juro

“Fodia-te os cornos, seu grande cabrão”,

Juro que a melódica cor das tuas mãos, poética, poética do silêncio das tuas palavras, e hoje, tudo parece arder na fogueira da vida, invento-te, hoje, invento-te a partir da poeira insónia da noite passada, invento-te da música que escorre pelos vidros das janelas e aqui e ali, acolá, um rosto de porcelana acorda das lilases bocas que a chuva deixa ficar sobre os telhados de zinco, e às vezes dizias-me que o piano fumava cachimbo, outras vezes

Há qualquer coisa estranha no nosso quarto amor,

Outras,

“Fodia-te os cornos, seu grande cabrão”,

Outras vezes, juro, que a chuva consegue desmatar os corações de aço que as árvores antes de morrerem dão para alimentar os poemas tristes dos poetas tristes que amam tristemente mulheres invisíveis, tristes, como as lágrimas do Inverno (Verão) quando nascia no longínquo continente uma criança fingindo ser um pássaro com asas em fibra de carbono, tinha na algibeira um motor a dois tempos com 3,5 CV, e quando deram por ele

Voava sobre a cidade imaginária que durante a noite crescia para além do mar, iam e vinham, as ondas, os peixes, as casas dos pobres pescadores, e tombavam as árvores com os corações de aço, e

Deram por ele,

3,5 CV a dois tempos, na algibeira um velhíssimo motor, e quando deram por ele

OS arbustos tombavam como balas de sabão quando tocam a roupa molhada pelas mãos da lavadeira, e eu respondia-lhes Dizias-me que amanhã entrariam de mãos dadas, a esperança e o acreditar, e os “cabrões” nunca chegaram, e os “filhos da puta” ignoraram-me, ausentaram-se, fugiram, escondem-se tomara eu saber onde, que a chuva trazia antes de ele tirar o motor da algibeira e elevar-se até desaparecer no cinzento abdómen da menina loira sentada na velha esplanada do Baleizão,

E voava sobre a cidade imaginária que durante a noite crescia para além do mar, mas muitas das vezes

Davam por ele,

Suspenso numa árvores de algodão com braços de açúcar.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:24

18
Jan 13

Nunca percebi o que eles queriam, mas nunca mais a nossa vida pacata foi a mesma, nunca mais tivemos noites com estrelas, e nunca mais vimos a lua

Com olhos de papel e boca de jasmim quando os últimos pedaços de tarde sobem a calçada e da Calçada galgam os muros vestidos de amarelo, pareciam moscardos complexos nas mãos de homens apaixonados, eles e eles, e elas e elas com eles,

E nunca mais vimos a lua transparente nas paredes indomáveis dos desejos escondidos

O que quero ser quando for grande?

Gostava de ser uma abelha sem colmeia, ou, ou uma roda dentada sem veios de aço ou correias transmissíveis, livre, voando como as nuvens quando o vento as leva para lá da janela do sótão e das traseiras do velhíssimo edifício de arame as escadas que levitam como os corpos das almas depois de despregadas dos telhados de vidro, às vezes, gostava

Dos desejos escondidos nas flores de areia que tu guardavas nas algibeiras de tecido aos quadradinhos como as grades das prisões, ou como as calças de um pescador quando saboreia docemente o seu cachimbo de algodão, e outras vezes

Gostava

Que as árvores carrancudas, sisudas, e de poucas falas, brincassem comigo, conversassem comigo, e no entanto, abraço-me a elas, e elas

E outras vezes, gostava, que o jantar fosse uma pintura numa tela com muitos beijos de acrílico e bocas de pastel e lábios de chocolate pincelados ao de leve com o bâton vendido pelo cigano da rua do Alecrim Doirado, gostava, e elas acreditavam que do céu vinham as notas de vinte euros que eu lhes dava,

Gostava

Não sei, gostava,

Que as visíveis asas de prata que as moscas utilizam nas festividades que simbolizam a Primavera fossem como os carroceis que invadem as vilas e as aldeias preenchendo os sonhos das crianças, e que os carroceis com olhos de papel e boca de jasmim quando os últimos pedaços de tarde sobem a calçada e da Calçada galgam os muros vestidos de amarelo, fossem moscardos complexos nas mãos de homens apaixonados, eles e eles, e elas e elas com eles, e à sobremesa via láctea uma sanduíche de néon com pedacinhos de solidão à lareira dos sonhos, abria o livro das palavras guardadas em segredo, folheava as páginas de prazer como se fossem um corpo em desassossego semeado numa seara planetária longínqua da saliva em gotículas encarnadas, viam-se dificilmente os barcos em regresso da planície dos fantasmas de alcatrão

Gostava

Dos desejos escondidos nas flores de areia que tu guardavas nas algibeiras de tecido aos quadradinhos como as grades das prisões, ou como as calças de um pescador quando saboreia docemente o seu cachimbo de algodão, e outras vezes

Gostava,

Gostava e outras vezes não percebia o que eles queriam, mas nunca mais a nossa vida pacata foi a mesma, nunca mais tivemos noites com estrelas, e nunca mais vimos a lua dançando e dançando com os lençóis de sémen no leito do amor, gostava que fosses um livro recheado de poemas, gostava que das tuas leves brancas mãos nascessem palavras sem morte e com a alegria desejada, gostava

O que quero ser quando for grande?

Nada,

Que a loucura prateada descesse de cima das árvores e brincassem as jardineiras azuis que suspensas no arame da tristeza deixam o quintal encharcado de lágrimas, nada, nunca quis ser nada, nunca gostei do mar, nunca gostei de sonhar, e às vezes, outras vezes

Gostava

Que as árvores carrancudas, sisudas, e de poucas falas, brincassem comigo, conversassem comigo, e no entanto, abraço-me a elas, e elas, gostava, gostava que as imagens a preto e branco da minha infância se entranhassem nas frestas que o gesso transporta desde que regressamos do outro lado da via láctea, ainda eras tu uma criança docemente inscrita numa ardósia de linho bordado com fios de oiro, e gostava

E outras vezes, gostava, que o jantar fosse uma pintura numa tela com muitos beijos de acrílico e bocas de pastel e lábios de chocolate pincelados ao de leve com o bâton vendido pelo cigano da rua do Alecrim Doirado, gostava, e elas acreditavam que do céu vinham as notas de vinte euros que eu lhes dava,

Gostava

Não sei, gostava.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:42

17
Jan 13

Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, havia lagartas nas tuas mãos, havia pétalas de ciúme que desciam da boca da lua, havia um circo pobre onde estava sentada uma menina sem cabeça, havia, uma boneca no chão ao lado da menina sem cabeça, e a boneca falava, e a boneca sorria, e a boneca

Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de prata para os fumadores, havia cadeiras de espuma com clarabóias de vidro para os poetas e para os amantes dos poetas, aos tropeções, havia palavras no centro do palco de mão dada com os tigres e com os leões, imaginava-me na selva Africana, e ao longe sentia os gemidos dos mabecos quando a noite se despedia das sanzalas e entrava pelo corredor do prédio da rua das Naus, sexto andar, sem elevador, ofegante tu, quando me abraçavas e eu dormia nos teus abraços,

Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, achava-te magro ao ponto de me perguntar até quando

E respondias-me que enquanto deus quiser,

E se deus não quiser, e se deus definitivamente desistir dos telegramas que te mantêm em pé como os cristais da mesa da sala antes de os levarem para a derradeira penhora, se eu pudesse, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas meia dúzia de ossos sem cabeça, e eu via a cidade engordar com os sobejos de luz que os dias deixavam esvoaçar das asas de papel das gaivotas embriagadas, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas uma mão recheada de pedras que um miúdo aproveita para partir os vidros da velha escola com olhar para os plátanos de algodão, e respondias-me que

Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de prata,

Os abraços onde eu dormia não sentindo os sons tropeços dos rolamentos constipados pelas correntes de ar que atravessavam a montanha e escondiam-se nas traseiras da avenida vinte e cinco de Abril, todas as cidades, aldeias, todas as vilas

Um avenida vinte e cinco de Abril,

A ponte em círculos ao lado da menina sem cabeça onde dormia uma boneca com mãos de vidro e lábios de estrelas e flores imaginadas por um poeta enquanto olha o espelho da morte, e do outro lado, do outro lado estão as lágrimas da saudade, em Abril, de Janeiro até hoje, amanhã levantará amarras o pequeno circo pobre, levará a menina e a boneca, e a ponte

À espera do paquete verde com ramos de palmeira, regressas novamente aos meus abraços, o poeta despe a amante do vizinho poeta, e quando a amante do poeta, vizinho do poeta poeta, um corpo de mulher transforma-se em migalhas de perfume com sabor a maré e pôr-do-sol, é quinta-feira e dou-me conta que não tenho tempo para encerrar as janelas e as portas da cidade dos anjos, o poeta furioso

Bate-me,

Furioso ele acreditava que os seixos de aço com faces gretadas, dormiam nos abraços vizinhos, enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, havia lagartas nas mãos da amante do poeta vizinho, havia pétalas de ciúme que desciam da boca da lua, havia um circo pobre onde estava sentada uma menina sem cabeça, havia, uma boneca no chão ao lado da menina sem cabeça, e a boneca falava, e a boneca sorria, e a boneca sentia as minhas mãos enquanto a despia, enquanto a metamorfose do corpo se misturava com as marés e os longínquos sonhos sobre a cama debaixo da tenda do circo, havia poetas de pano que escreviam às mesas de cimento enrolados a três cadeiras de mármore, havia amantes de poetas, pobres, ricas, lindas, perfumadas pelas inocências nocturnas das aranhas que viviam nas caves dos cabarés que de cidade em cidade, uma avenida

Vinte e cinco de Abril,

Toda ela morta, toda ela derretida como lágrimas de aço no corredor da inocência, e chove, e deixaram de brincar os marinheiros nos teus abraços, vestes-te de silêncio

Vinte e cinco,

E eu não sabia o que era o amor e o pólen que os poetas e as amantes dos poetas e as bonecas, e o circo pobre,

Comem como se o teu corpo fosse um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, havia lagartas nas tuas mãos, havia pétalas de ciúme que desciam da boca da lua

E lá fora chovia,

Em toda a cidade dos anjos.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:38

16
Jan 13

Inventava-te histórias enquanto dormias dentro de uma agenda recheada de espaços vazios, passavam os dias, alimentavam-se as semanas das semanas hipoteticamente, também elas, vazias, sôfregas flores à espera da doce Primavera, doce

As horas de sentido único de uma rua sem saída, ao fundo, um edifício de chocolate com braços de prata, e nos olhos, pequenas pérolas em drageias para combater a insónia, tua

Doce tua,

Inventava-te histórias

Não verdadeiras,

Histórias de açúcar que tu lias com a ajuda dos teus lábios de nuvem encharcada de melodias e palavras poeticamente amadas pelas mãos dos homens que corriam a trás de ti, e tu, sabia-lo, tinhas consciência das cartas escritas sobre os velhos joelhos de rocha, que todas as noite, o mar embalava e atirava para as garras da saudade,

Não verdadeiras as histórias que me inventavas, todas as mentiras quando regressavas a casa, desculpas, reuniões, jantares com clientes, e de súbito abria-te a agenda, e percebia que

Vazia, histórias enquanto dormias,

Não verdadeiras doce tua,

E percebia que inventar-te também dava trabalho, muito, cansava-me com as sombras do teu corpo projectadas nas árvores pobres da cidade, o sono tombava-as e o vento deixava-as como serpentinas de aço enroladas em arbustos com vista para o rio, inventava-te histórias de açúcar, e um fio límpido de chuva descia pelo teu rosto, contornava o teu pescoço esguio e preguiçoso, e poisava-se nos teus ombros, descansava um pouco, continuava em andamento e em aspirais de pêssego rodopiava em círculos à volta dos teus seios que a areia do Mussulo esculpira na melancolia das tarde de Sábado, quando eu percebia que

Vazia, histórias enquanto dormias,

Não verdadeiras doce tua,

E percebia que inventar-te também dava trabalho, e que o fio límpido de chuva ia descendo teu corpo abaixo até esconder-se no púbis húmido das palmeiras que a Baía guardava como se fossem o maior tesouro de Luanda, e sentava-se

Sentava-me numa simples cadeira de pedra a olhar o mar nas suas histórias de amor que o açúcar desenhava nos corpos cobertos de espuma, havia pássaros com flores de papel no bico, havia parafusos de aço nas ligações do arco-íris e que faziam com que as cores andassem sempre de mão dada, havia

Não verdadeiras doce tua,

Havia barcos de esferovite com velhos motores de carrinhos a pilhas, havia alegria, vida, havia silêncios sem sabor a solidão, histórias de açúcar que tu lias com a ajuda dos teus lábios de nuvem encharcada de melodias e palavras poeticamente afáveis, belas, nuas

Havia a lua,

Nuas não verdadeiras doce tua vida de cidade sem rio, não verdadeiras, todas as falsas janelas com vidros de linho, falsas portas em falsa madeira das árvores que tombaram com o sono e o vento deixava-as como serpentinas de aço enroladas em arbustos com vista para o rio, havia lua, encharcadas de melodias e palavras poeticamente afáveis, belas, nuas

Nas horas de sentido único de uma rua sem saída, ao fundo, um edifício de chocolate com braços de prata, e nos olhos, pequenas pérolas em drageias para combater a insónia, tua

Doce tua,

Inventava-te histórias

Não verdadeiras,

Histórias de crianças que nasceram em Luanda, histórias de crianças que brincavam em Luanda com papagaios de papel e nas sombras ínfimas das mangueiras escondia a solidão do silêncio, inventava-te histórias, inventava-te laranjas com sumo de tomate, inventava-te o amor, e todas as palavras escritas nos muros da paixão

(e confesso que detesto conversar e inventar histórias sobre crianças que nasceram em Luanda, recordo-me das ruas, do mar, dos machimbombos, recordo-me do todos os cheiros, e das cores que a terra húmida construía nos corpos de veludo, e confesso, que detesto)

Os muros da paixão, as mãos dos muros da paixão

(e confesso)

Que detesto os lábios, a boca, os olhos

(e confesso)

Que todas as histórias que te inventei não verdadeiras, falsas, que detesto

(e confesso)

Que a primeira vez que vi socalcos, chorei, como choravam as meninas das minhas histórias de açúcar quando um fino tímido fio de chuva descia e descia, descia os socalcos e entranhava-se no Douro, e chorei

(e confesso)

A primeira vez que vi socalcos.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:23

15
Jan 13

Vivíamos encostados aos muros do medo, e não sabíamos que do outro lado do muro crescia livremente o sol, e não sabíamos que do outro lado do muro brincava livremente a lua, e não sabíamos que do outro lado do muro havia nuvens de todas as cores, do outro lado do muro, não sabíamos

Que vivíamos como serpentes envenenadas pelas enxadas silenciosas das tardes de xisto, quando, que nunca soubemos que do outro lado do muro havia livros com palavras, que nunca soubemos que do outro lado do muro havia triciclos enferrujados com assentos de madeira apodrecida pelas chuvas que amansavam o rancor raivoso do capim livremente do

Outro lado do muro,

Faltava-nos a comida líquida, sólida ou gasosa, faltavam-nos os alicerces que não deixavam cair os edifícios que do outro lado do muro chegavam ao céu, e os pássaros determinados na coragem esquecida no terminal ferroviário ocupavam apenas os andares próximos do chão, pavimento encardido pela saliva dos habitantes com cabeça de serpente e espírito de dobradiça complicada, as portas de acesso pesadíssimas até dizer chega, ouvíamos as plataformas petrolíferas que meia dúzia de gajos inventaram fazendo-nos acreditar que tínhamos petróleo, e petróleo nenhum

Fome,

Raramente havia sol e os nossos corpos pareciam fachadas em ruínas, brancas, mortas, lilases às vezes, muita

Fome,

Raramente vivíamos, deixamos de viver, deixamos de comer, deixamos de dormir, deixamos de amar, deixamos

Outro lado do muro

Fome,

Deixamos de perceber quando era dia, deixamos de perceber quando era noite, deixamos de perceber que dentro da nossa carne existiam duzentos e seis ossos a que não sei a razão, porque nunca percebi, chamavam de

Esqueleto,

E perguntava-me,

E perguntava-lhes,

A fome sabes o que é, o que são esqueletos, o que são árvores, o que são pedras, flores sabes dizer-me o que é uma flor? Define-me o que é o amor

Um rio que corre em direcção à fome,

Outro lado do muro,

Ama-se, vive-se, chora-se de alegria, e grita-se de tristeza, do outro lado do muro sabem o que é o amor, do outro lado do muro sabem explicar-me porque voam os pássaros, ou

Porque amam as mulheres, os homens, os homens e as mulheres, as mulheres, e todas as nuvens de todas as cores, esqueleto,

E perguntava-me,

E perguntava-lhes,

“Vivíamos encostados aos muros do medo, e não sabíamos que do outro lado do muro crescia livremente o sol, e não sabíamos que do outro lado do muro brincava livremente a lua, e não sabíamos que do outro lado do muro havia nuvens de todas as cores, do outro lado do muro, não sabíamos”, e perguntava-lhes

Hoje, hoje vi uma luz cinzenta com um pontinho encarnado, sabes o que é?

Do outro lado do muro

É a paixão disfarçada de lanterna,

Dispo-te docemente silêncio de luz enquanto as jarras com as flores murchas que deixaste ontem sobre a mesa da sala respiram, pouco, mas respiram, dormem, soluçam publicamente como dois raios circunflexos que o amor traça na ardósia do teu corpo esquelético, apaixonado, os teus lábios com amêndoas em chocolate e café, as tuas mãos de plátano acariciam-me os ombros de linho que a avó Silvina fez propositadamente para mim, disfarçada de olhos verdes complicadas as montanhas do teu peito, dispo-te

Outro lado do muro

Fome,

E via, do outro lado do muro, um esqueleto de vidro abraçado a uma árvore de papel, que vivíamos como serpentes envenenadas pelas enxadas silenciosas das tardes de xisto, quando, que nunca soubemos que do outro lado do muro havia livros com palavras, que nunca soubemos que do outro lado do muro havia triciclos enferrujados com assentos de madeira apodrecida pelas chuvas que amansavam o rancor raivoso do capim livremente do

Outro lado do muro,

Havia amor livremente com havia árvores, como havia flores, pássaros, como havia lábios de desejo, havia, como havia nuvens de todas as cores, e havia

Livremente

O sol e a lua.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:38

14
Jan 13

As gélidas escadas de sal dormiam abraçadas aos suspiros da fonte da Gricha e eu achava normal não existirem pássaros durante os sonos nocturnos que passava à janela a contabilizar os automóveis friorentos que desciam a calçada de luz dos candeeiros enferrujados que iluminavam os vultos esquisitos, os vultos de pedra, simples moças a entrarem em casa de madrugada, congelados os tentáculos de cobre que reluziam e brilhavam debaixo das estrelas de cetim, a nossa casa não tinha vidros, alguns estavam vivos, outros, outros já tinham partido para outros destinos, e a porta de entrada ficava encerrada durante a noite apenas com um cordel que pela parte de dentro era unido por dois pregos, também eles, velhos

Eu

Eu achava normal os vidros das janelas estarem estilhaçados, alguns estavam vivos, outros, outros já tinham partido para outros destinos, outros já tinham fugido para outras direcções, como quem entra na cidade e perante a placa com a inscrição “outras direcções” ele fica sem saber como chegar ao segundo andar porque as velhas, porque as escadas em madeira terminaram a validade, rangem, têm cãibras nas pernas suspensas nos pinos de aço como o reumatismo felizardo que cintilavam nas paredes de gesso com rugas de vidro, pinos de aço, ele fica sem saber o que fazer

Eu também,

Outros já tinham partido para outros destinos, e a porta de entrada ficava encerrada durante a noite apenas com um cordel que pela parte de dentro era unido por dois pregos, também eles, velhos, também eles, caducos, também

Não tínhamos água e só, eu só, e só da velha Gricha jorrava a glicerina fresca com o diabo no rabo ao ditado corrigido pela senhora professora com a bata branca e a menina dos três olhinhos poisada na secretária, olhava-nos, sorria-nos, gostava de nós a gaja

Também eu,

Também eu gostava da gaja que subia a calçada de madrugada, e juro, não era senhora casada nem a menina dos três olhinhos, mas tinha um corpo esculpido num pedaço de granito que eu tentei copiar e desenhar na parede da sala, não, na parede do quarto, não, na parede da cozinha, não

Só tínhamos um compartimento amplo, enorme, com bolinhas coloridos ao bolor que descaiam do tecto como se fossem dois mamilos acabados de nascer, e balões, e serpentinas, e perguntavam-me

Vivem num circo? Respondia-lhes que não, Não vivo num circo, mas a nossa vida é um espectáculo colorido, tínhamos uma casa com muitas janelas e poucos vidros, tínhamos uma sanita velhíssima que quase sempre estava com gripe e tínhamos que a levar às urgências do hospital, no tempo que ainda havia

Hospital?

Urgências nocturnas? E eu achava normal não existirem pássaros durante os sonos nocturnos que passava à janela a contabilizar os automóveis friorentos que desciam a calçada de luz dos candeeiros enferrujados que iluminavam os vultos esquisitos, os vultos de pedra cinzenta, no tempo que ainda havia

Gajas vestidas de sanita, sentava-me e adormecia, e sonhava com papagaios de papel,

As gélidas escadas de sal dormiam abraçadas aos suspiros da fonte da Gricha e eu achava normal não existirem pássaros durante os sonos nocturnos, nem clarabóias, nem chaminés com acesso ao céu, passava horas à janela, desenhava dentro da cabeça imagens a preto e branco que só as fotografias sabiam explicar, que só só da velha Gricha jorrava a glicerina fresca com o diabo no rabo ao ditado corrigido pela senhora professora com a bata branca e a menina dos três olhinhos poisada na secretária, olhava-nos, sorria-nos, gostava de nós a gaja, que muitas vezes me aqueceram as mãos de água-fresca como pasteis de feijão ou natas com sabor a Sábados à tarde, como eu

Nunca percebi as mulheres suspensas nos calendários do barbeiro,

Como eu

Nunca percebi as mulheres suspensas nos calendários do sapateiro,

Como eu

Nunca percebi as gélidas escadas de sal que dormiam abraçadas aos suspiros da fonte da Gricha e achava normal não existirem pássaros durante os sonos nocturnos quando se esqueciam de mim à janela a contabilizar os automóveis friorentos que desciam a calçada de luz dos candeeiros enferrujados que iluminavam os vultos esquisitos, os vultos de pedra, simples moças a entrarem em casa de madrugada, congelados os tentáculos de cobre que reluziam e brilhavam debaixo das estrelas de cetim, a nossa casa não tinha vidros, alguns estavam vivos, outros, outros já tinham partido para outros destinos, e a porta de entrada ficava encerrada durante a noite apenas com um cordel que pela parte de dentro era unido por dois pregos, também eles, velhos

Eu só

Eu acreditava que as meninas dos calendários do barbeiro, eu

Eu só

Eu acreditava que as meninas dos calendários do sapateiro, eu

Acreditava

Que eram anjos que voavam dentro dos cubos de madeira que as tempestades de areia, depois de cair a tarde sobre nós, deixavam cair como se fosse abelhas quando procuram o pólen nas flores loucas, nas flores íngreme, ou nas gajas nocturnas com braços de plástico, acreditava

Nos anjos da fonte da Gricha

Eu só.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

14/01/2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:51

13
Jan 13

O sol só

guerreiro da paixão

dentro de quatro paredes em sofrimento

o sol só

só à espera das delícias de um coração

que traz o vento

 

 

o vai e vem das coisas amargas

tuas sílabas em imagens parvas

 

 

o sol

e a lua

nua

 

só entre quatro paredes de aço inoxidável

o destino meu

meu querido menino

sem as luzes das estrelas do céu

como um ferrugento barco saudável

afável

nas palavras e nas nádegas mergulhadas em sal e versos cansados

gemem os corpos amados

o sol e o vai e vem das coisas amargas

tuas sílabas em imagens parvas

nua a lua tua

 

 

o sol

e a lua

nua

 

o sol só

em pedaços de xisto com manteiga e mel

eu e o desgraçado papel

onde escrevo palavras

amargas

que saboreio em ré e em dó...

 

sol

 

o vai e vem das coisas amargas

tuas sílabas em imagens parvas.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:58

Tenho pena que os caminhos que ao alvorecer cruzávamos, hoje, estejam moribundos como as nuvens azul-cansado que sobre o peito nu da melancolia amanhecer desperta num relógio longínquo, abstracto com roldanas e rodas-dentadas, com uma boca fechada, como as janelas que dormem nos prédios desabitados, sem luzes, sem portas, nem crianças a brincar, tenho pena

Este vazio sincero que as pálpebras escuras da noite deixam ficar nas mãos de que a trabalha, a ela, a terra prometida, e dizia ele que a terra é de quem a trabalha, mas o dito fruto, mas o fruto pertence

A quem o colhe, nem mais, tenho pena das tuas sílabas suspensas nos teus lábios de areia branca, tenho pena das malditas luzes e das rodas-dentas esquecidas na mesinha-de-cabeceira, e à tardinha, dizia-te simplesmente

Vou-me

Desistir de caminhar nas pedras falsas das calçadas vulvas que todos os cadáveres deixam adormecer antes de morrerem, canso-me, despeço-me, demito-me, mas nada melhor do que deitar-me sobre um rio doente, e nada melhor do que levitar como os cavalos do velho cigano, ouviam-se os sons silenciosos das abelhas e das flautas de mel, e eles,

Subiam, desciam, e vias-me

E eles levitavam como pássaros negros antes de caírem os muros de madeira que os anjos de asas verdes construíram nas searas alheias, via-se a reforma agrária, e quando lhe perguntavam

Se tivesses duas casas davas uma? Ele respondia que sim, Dava sim senhor,

Se tivesses dois carros davas um? Ele respondia que sim, Dava sim senhor,

E se tivesses duas galinhas, davas uma? Ele furioso respondia que não, não dou, e quando lhe perguntava porque não dava uma das galinhas visto ele ter duas, simplesmente respondia

Porque só tenho duas...

Subiam, desciam, e vias-me

E vias-me partir de barco debaixo do braço, chapéu na cabeça, e com as sandálias na outra mão por causa da areia, não a reia dos teus lábios, mas a areia fina e fútil da praia, pousava as sandálias, despia-me e colocava a roupa sobre elas, estava nu, e quando tinha o barco em posição para a partida, entrava, sentava-me, sorria ao olhar os restos mortais que tinham sobejado de mim

As sandálias, os calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados

Dos satélites vestidos de mulher às voltas de um planeta a que toda a gente apelidava de árvore fantasma, esqueleto vagabundo, sentinela sonâmbulo das noite embriagadas com óleo vegetal e sardinhas de conserva, Vou-me a ela

Coitadinho dos coitados plásticos da marmita onde os restos de comida serviam para alimentar um regimento inteiro, muitos, entre a Calçada e os Jardins junto ao rio, os automóveis estacionavam-se e abriam-se as portas de porcelana das bonecas das meninas

Vou-me a ela

A quem o colhe, nem mais, tenho pena das tuas sílabas suspensas nos teus lábios de areia branca, tenho pena das malditas luzes e das rodas-dentas esquecidas na mesinha-de-cabeceira, e à tardinha, dizia-te simplesmente que as meninas eram falsas, nunca existiram, e tal como as bonecas de porcelana e os automóveis de cerâmica, e tal como as meninas e os meninos da Calçada

Vou-me

Adormeciam como os fósforos cansados dos finais de tarde, quando entravas em casa de barco debaixo do braço e dizias-me

Olá amor, regressei,

E eu sabia que tu não regressavas, e eu sabia que continuavas em alto mar à procuras das coisas impossíveis,

Olá amor, regressei,

Atiravas os chinelos para debaixo do sofá, poisavas o barco em cima da mesinha da sala de visitas, despias a camisola e os calções, e mergulhavas nos lençóis de seda da nossa montanha de Primaveras nocturnas que o mar desenhava nas estrelas dos meus seios de papel mata-borrão, e eu via a caneta de tinta permanente em lágrimas azul-cansado que nas moribundas nuvens espetavam no peito nu da melancolia noite,

Olá amor, regressei

Às sandálias, aos calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados

Amor

Olá regressei,

E eu sabia que tu não regressavas.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:42

12
Jan 13

Os homens sonoros, que de casa em casa, que, que de jardim em jardim, arbitrariamente prendiam as inocentes palavras que um louco com asas de vidro e olheiras gelatinosas, escrevia nas paredes transparentes dos pilares de areia, morreram, desapareceram nas veias lilases das pétalas em flor, morreram, evadiram-se com éguas em cio correndo sobre o verdejante pasto, húmido, sombrio, os homens, sonoros, que de casa a casa, porta a porta, impingiam rádios a pilhas, lanternas pornográficas, revistas com gajas nuas, que ele vendia num quiosque junto à rotunda das margaridas (flor) envenenadas pelo tesão da chuva esfomeada

Comprávamos três revistas, religiosamente encerradas dentro de um saco plástico, por vinte e cinco escudos,

Da chuva esfomeada vêm-se as estrelas de prata que cobrem o tecto da aldeia com sabor a laranja de S. Mamede de Ribatua, laranja saborosa, conhecida mundialmente, bonita, a moça, da chuva

Dávamos-lhe os vinte e cinco escudos com direitos adquiridos, uma voltinha às revistas, e posteriormente

Revendidas separadamente, aprendi que comprando um maço de cigarros e vender os cigarros a avulso podia ganhar alguns escudos, não muitos, alguns, economia paralela, entre os carris do comboio com destino a Santa Apolónia, e derretiam-se os corações de açúcar quando olhávamos o Tejo vestido de pérola-mármore à porta do Texas em Cais do Sodré,

Até,

Até que

Comprávamos três revistas, religiosamente encerradas dentro de um saco plástico, por vinte e cinco escudos,

Da chuva esfomeada vêm-se as estrelas de prata que cobrem o tecto da aldeia com sabor a laranja de S. Mamede de Ribatua, laranja saborosa, conhecida mundialmente, bonita, a moça, da chuva

As farpas zangadas das moças enfeitadas com os ramos de amêndoa e chocolate, doces elas, as margaridas envenenadas pelo tesão da chuva esfomeada, uma resma de cartas de amor alicerçadas ao fantasma das Índias com um lacinho de cetim no pescoço esguio da jovem escritora do amor complexo das revistas pornográficas, lindas elas, não as revistas, mas, quando abríamos as janelas do compartimento onde nos escondíamos, ouviam-se, ouviam-se pedaços de areia nas mãos dos pássaros de pedra doirada, que o sol incendiava no final da tarde, até que

Até

Comprávamos três revistas, religiosamente encerradas dentro de um saco plástico, por vinte e cinco escudos,

Até que o destino entrava em nós, despíamos-nos em frente a um espelho de saliva com floreados de zinco, ela sorria, eu sorria, os velhos altares com crucifixos de prata, também, também sorriam, e eu acreditava que o amor era como as flores do jardim do quintal de Luanda, e eu pensava, pensava que

Até que,

Até

Que o amor era como os papagaios de papel que construí e depois incendiava no compartimento de sombra que em cada mangueira se erguia, até que

Desaparecia o Sol,

Até que

Desaparecia o vento,

Até que, desaparecer ao invés dos inocentes dentes de marfim do crocodilo de madeira que ainda hoje dorme sobre a mesa da sala de estar, sentado, deitado, e em noites de geada

Embrulho-me nas fotografias a preto e branco com sabor a Luanda,

Até que

Desaparecia o mar onde viviam as meninas das tranças loiras de arame prateado, descia a noite e vinham-se as estrelas de prata que cobrem o tecto da aldeia com sabor a laranja de S. Mamede de Ribatua, laranja saborosa, conhecida mundialmente, bonita, a moça, da chuva

Dávamos-lhe os vinte e cinco escudos com direitos adquiridos, uma voltinha às revistas, e posteriormente um dos homens sonoros desligava a luz dos sonhos,

Terminávamos sentados sobre um fénix remoinho de terra queimada depois das chuvas envergonhadas pela sal-gema moça de coxas emagrecidas pela fome estrelar, depois os outros homens sonoros pegavam numa enxada pintada pelo suor dos homens não sonoros que por medo apenas respondiam sibilante sim, sibilante não, sibilante não sabemos, sibilante talvez covardemente

Até que,

Até que o destino entrava em nós, despíamos-nos em frente a um espelho de saliva com floreados de zinco, ela sorria, eu sorria, os velhos altares com crucifixos de prata, também, também sorriam, e eu acreditava que o amor era como as flores do jardim do quintal de Luanda, e sibilante não

Às coisas horríveis que o amor deixa ficar sobre o esqueleto ambulante, de feira em feira, de mercado

Ao mercado das aves tricolores,

Que de mercado em mercado, desliga a luz dos sonhos.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:48

As tuas mãos percorriam milimetricamente os espelhos de invenções do corpo sonolento que alguém tinha deixado sobre a cama com os lençóis de espuma que o mar vomita quando bate nos rochedos da saudade, inventavas o amor desértico onde brincavam os dromedários objectos voadores sobre as planícies das tuas coxas ensanguentadas devido ao excesso de palavras, de vogais, de sílabas, e as frases escorriam pelo canto da boca, um líquido esbranquiçado derretia-se na penumbra nuvem de açúcar, roçavas-te nos poste de chocolate com pontinhos de néon, e começam as construções dos corações de neve, tínhamos

Música encaixotada nos papelões cinzentos distraiam as ovelhas e as cabras que solitariamente arrebanhavam a erva das calçadas de vidro, janelas se abriam, janelas se fechavam, e janelas partiam em direcção aos loucos pasteis de nata que a cidade desenha em cada pastelaria visitada, um palerma, lá fora, enquanto chove docemente, apita, aos berros, um automóvel esfomeado, velho, cansado, talvez sem seguro ou inspecção médica, e os corações de neve

Incham, quando batem à porta e do outro lado aparece o cobrador de fraque, muito bem vestido, muito bem alimentado, palhaço, que o circo da aldeia estacionou na paragem do autocarro da carreira, sentia-se agoniado, sentia-se

Farto, dos vidros falsificados, farto dos pasteis de anta invisíveis e que apenas serviam para enganar o desgraçado estômago de xisto, e as pessoas

Suicidavam-se estupidamente contra os eléctricos,

Havia gajas com saia de chita e luvas de cetim, havia marinheiros poisados em cada patamar da escada de acesso ao navio dos corações de neve, havia gajas, havia gajas suspensas no tecto do circo da aldeia, o mesmo que tinha abandonado o cobrador de fraque, idiota com brilhantina no cabelo de piaçaba,

Havia gajas inconstitucionais, com reformas de duzentos e setenta e quatro euros, havia gajas inconstitucionais com reformas de trezentos e setenta e nove euros, havia gajas

De fraque, e brilhantina no cabelo de piaçaba, que os urinóis das despensas dos prédios clandestinos jorravam contra as faces cruzadas de um cubo de cerâmica dentada, as maçãs, e os pêssegos, e as laranjas, todas, todos

Havia gajas desesperadas, com o passe caducado, nas paragens dos eléctricos, e o vento nocturno quase sempre trazia um colar de pérolas, e a saia e o lenço, e as mãos

As tuas mãos percorriam milimetricamente os espelhos de invenções do corpo sonolento que alguém tinha deixado sobre a cama com os lençóis de espuma que o mar vomita quando bate nos rochedos da saudade, inventavas o amor desértico onde brincavam os dromedários objectos voadores sobre as planícies das tuas coxas ensanguentadas devido ao excesso de palavras,

Da morte

As vogais, de sílabas, e as frases escorriam pelo canto da boca, um líquido esbranquiçado derretia-se na penumbra nuvem de açúcar, roçavas-te nos poste de chocolate com pontinhos de néon, e começam as construções dos corações de neve.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:41

Janeiro 2013
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