Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

11
Jan 13

Percebia-se pelas pálpebras dele, azuis com sabor a pedacinhos de inocência, que a chuva trazia na algibeira a digestão fictícia dos carrinhos de choque que da infância deixaram estacionados junto ao berço de madeira prensada, calculava pelo peso da noite que não eram mais do que três magras horas da madrugada, chorava, não dormia, e sentia-se que dentro dele viviam parafusos de aço com defeito de fabrico, a garantia tinha cessado, as torres tinham acabado de cair entre os imensos plátanos virgens e os outros, quaisquer, barcos envelhecidos, doidos varridos, deitados sobre as tábuas da ignorância, dele, e eras uma criança. doida às vezes, dócil também, poucas, nenhumas, quaisquer

Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra, e quando lhe perguntavam

Gostas de cá andar, e ele com rosto de incenso respondia quase sempre Às vezes, depende, e nunca percebi o que queria ele dizer com Às vezes, depende

Acordava o dia, retiravam-lhe a fralda de pano encharcada numa espessa massa amarelada intensamente com um cheiro horrível, indesejado, que aos poucos ia ocupando cada milímetro quadrado da casa de Lisboa, um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela

(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)

E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo, ouvia-se o rosnar da fera amansada criança deitada no sofá à espera que lhe trocassem a fralda de pano por outra fralda de pano, limpa, lavada, e o motor aos tropeções avançava mar adentro até desaparecer nas velhas cristas das ondas de espuma que os cigarros embebidos em cerveja emagreciam como tremoços numa esplanada de Belém, sexta-feira, e nada de novo, foi-se e não regressou mais

Às tuas, Às minhas, Às nossas,

E não regressou mais,

Chegava ao balcão e pedia incessante e audaz ao empregado “Destroque-me” esta nota para tirar cigarros, e ela

Não se diz “Destroque-me”, tá ver Francisco, isso não existe, correctamente é Troque-me esta nota para tirar cigarros, e eu acreditava mesmo que os ossos de pano que às vezes me embrulhavam tinham saído de validade há tempo suficiente, só podia, não encontrava outra explicação para o tão grande aglomerado de homens e mulheres à porta de minha casa, gritando

(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)

Às tuas, Às minhas, Às nossas,

E não regressou mais,

Um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela, da janela vinha-nos o medo das coisas como as simples flores encarnadas com lacinhos de cetim que eu nunca soube como se chamavam e tu, quando eu chegava a casa, simplesmente deitavas no caixote do lixo e dizias em voz alta para que eu ouvisse e não esquecesse nunca

Não quero mais esta porcaria, odeio flores encarnadas com lacinhos de cetim,

E eu,

E ela,

Olhavam-me depois de trocarem-me a fralda de pano, abria a boca e sorria, sorria quando sabia que da janela vinham as imagens tricolores com pequenos fios de prata, sorria porque tinha acabado de beber o saborosíssimo e inconfundível leite materno, sorria porque

Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra,

Às tuas, Às minhas, Às nossas,

E não regressou mais,

(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)

E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:09

Entravas em casa acorrentado à saudade, perguntava-te o que tens, respondias-me

Nada, tenho o mesmo que tinha ontem,

Entravas em casa acorrentado à saudade, tinhas sobre os ombros ossudos o peso melancólico das palavras tristes que viviam nas tuas mãos, carregavas na mochila pedaços de silêncio e pedras invisíveis para posteriormente utilizares nas tuas subidas mágicas à montanha dos generais envenenados pela raiva do destino, cruzavas-te com os lobos e pedias que fizessem de ti um pássaro tão grande como a chuva, e tão veloz como os barcos de papel que navegavam na banheira do segundo esquerdo, e janelas para o rio das grandes grades de ferro, as prisões incompletas de homens com o desejo de escreverem nos lábios do sol, algumas pombas desciam na alvorada e mergulhavam dentro dos restos de pão ensanguentado pelos vadios cães amorfos que deambulavam pela ilha,

Nada, tenho o mesmo que tinha ontem, Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,

E quase nunca ouvias as locomotivas da fome poisarem em Campanhã, e quase

Nada, não quero nada, o mesmo que ontem, talvez, talvez

E quase chegavas com a mão ao tecto do incenso desejo, e quase, talvez, ontem, e quase que adormecias com o desembrulhar dos livros que trazíamos da livraria em fim de estação, saldos, e mais saldos, e quando chegavas a casa

Estamos falidos, não se vende anda, assim..., assim só nos resta queimar o resto dos livros, em frente à porta de entrada, e

E ir-mos para a Coreia do Norte, Gostava tanto amor, tanto, tanto,

Não sei, não...

E quase nunca ouvias as locomotivas da fome poisarem em Campanhã, e quase nunca utilizavas as pedras húmidas que transportavas na mochila, pedia-te urgentemente e respondias-me

Não, hoje não posso, talvez amanhã, não sei, sei, que a vaidade destrói os humanos, porque as árvores não são vaidosas? Não o sei, sinceramente, não o sei, talvez regressem as locomotivas a Campanhã e os socalcos ao meu imaginário, as bifanas da tia Alice, a cerveja meia choca, como ela, coitada, com idade para estar à lareira, e no entanto

Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,

Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá, e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre

Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,

Quase sempre ficavas imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada, velha

E as locomotivas esperavam pelo regresso das bifanas, e coitada da Tia Alice

Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,

Engraçado queimar-mo,

Ouvir a prova oral ainda é o que nos mantém vivos cá em casa, em falta de sopa ouvimos o Alvim e a Xana, em falta de sopa ouvimos os poemas de AL Berto na Casa Fernando Pessoa, ou

Engraçado queimar-mo,

Em falta de sopa ouvimos o projecto Wordsong (AL Berto), e

Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,

E sentimos-nos perfeitamente bem, e de boa saúde, até que vêm as locomotivas de Campanhã e trazem com elas os socalcos do Douro, trazem o rio, trazem as enxadas com sombras de reumático e fome concentrada em pequenas latas de duzentos gramas de neblina Conceição, Tia Alice, tia Alice

Que só queria reforma-se aos quarenta e sete anos, fá-los dia vinte e três de Janeiro, mas as bifanas e a cerveja choca, e a chuva do tamanho de uma flor, e às vezes fugiam sem pagar,

Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá, e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre

Dizias-me que para 2013 desejavas reformares-te aos quarenta e sete anos que fazias a vinte e três de Janeiro, e ficavas imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada, velha

Torturada pela escravidão da puta da vida.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:31

10
Jan 13

Tínhamos nas mãos dois doces pedacinhos de poesia

migalharias suaves ao mestre dos livros emagrecidos

vadios pássaros teus olhos planetários

tínhamos nas veias

o incenso clandestino de uma abelha

em mel banho-Maria,

 

Tínhamos o sonho

e a saudade

tínhamos os rolamento com esferas de aço

quando brincávamos nos finais de tarde,

 

Tínhamos o amor sensível à luz das palavras silvestres

como faziam as flores

sobre a cama relvada do silêncio jardim

tínhamos as vertigens dos mamilos desgovernados

debaixo da água do rio

ao longe brincávamos

e eu disfarçava-me de socalco

e tu

de xisto poema

tínhamos uma ardósia onde escrevíamos

os segredos minguados dos teus lábios siderais

e eu,

 

Tínhamos corpos de cigarros deitados nas nossas mãos de linho

estava vento

éramos a noite que um isqueiro de prata incendiava

nas planícies ágeis dos anéis de aço

e inventávamos o desejo

como quem escreve na areia antes de regressar o mar

tínhamos corpos de sémen nas algibeiras da sentinela morte

que o teu suicídio lavou em águas profundas,

 

Tínhamos o sorriso de um louco

que transversalmente dormia nas iscas de fígado

e na sopa de feijão

da cerveja

havia vodka que silenciava as amêndoas de luz

e tínhamos no peito

árvores cansadas de respirar

que o sabor da insónia nos roubou...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:38

Se eu tivesse dinheiro até que lhe comprava a merda da mala preta e oferecia-a à miúda, coitadinha dela, triste, amargurada, ela

Roça-se na morte como os sonâmbulos desejos que a noite da cidade atravessa quando caiem as estrelas nas mãos dos sonhos indeferidos, coitadinha, foram-se as torradas, foram-se as lanternas da claridade nocturna, coitadinha, foram-se

A ela,

A puta de uma mala preta, feia, zangada com todas as letras do abecedário, STOP à PARVOÍCE, e acreditávamos que era possível atravessar o céu e visitar o todo-poderoso deus criador, não conseguimos, perdemos força, perdemos altitude, e batemos com a cornadura nas antenas parabólicas de alguns seres criativos, coitadinhas das andorinhas, e ela

Às sete horas em ponto,

Foram-se

A ela,

Em Janeiro quando o AL Berto sentia o mar a entra-lhe pela janela, e hoje

Sem papel não sou corno, resmunga o amigo Nacib perdoando a Gabriela

Moço Bonitooo,

As malas pretas com asas brancas, a firmeza das palavras engasgadas no púbis da estupidez quando lá fora, oiço-o murmurar

“O mar entra pela janela”, tudo lá para dentro

Entra o mar, as rochas e o mastro, afunda-se o barco do tesão, conseguimos

Os espermatozóides depois do peque-almoço, os olhos brilhavam, as mãos de gelo tacteavam as sílabas castanhas da parvoíce, e os corações de amendoim corriam pelas escadas até chegarem ao patamar do trezentos e dez, lá dentro

As malas pretas com asas brancas, a firmeza das palavras engasgadas no púbis da estupidez quando lá fora, oiço-o murmurar

Moço Bonitooo,

Fumavam-se com os poemas dele, vivíamos dançando nas esplanadas dois coirões sem destino algum, parecíamos vagabundos desnorteados pela fragrância amargurada de uma mala preta, de cartão, em cio, todos os homens com arames

Às sete horas em ponto,

Foram-se

A ela,

Em Janeiro quando o AL Berto sentia o mar a entra-lhe pela janela, e hoje

Sem papel não sou corno, resmunga o amigo Nacib perdoando a Gabriela

Moço Bonitooo,

Com arames de aço disfarçados de abelhas com malas pretas, e sobre a cabeça

A eterna estupidez,

Melancólica dos gemidos em flores de papel cansadas, dos gemidos em flores de papel completamente fodidas pela vaidade que a argila de incenso rompe pelas entranhas das claras meigas folhas de mangueira quando caiam e sobre o velho triciclo

A ela,

Em Janeiro,

O verão sorria-me e deitava-se sobre mim, em voos frigoríficos das mangas chapinhando na língua da ave mestra, vaidosa, burra

A ela,

Quando caiam as perdizes sobre as coxas de uma triste mala preta, velha, com as coxas desventradas, como eu quando acordei e olhei-te pela primeira vez, no meu colo, parecias-me uma amêndoa, feia, ranhosa, burra

Eu

A ela,

“Roça-se na morte como os sonâmbulos desejos que a noite da cidade atravessa quando caiem as estrelas nas mãos dos sonhos indeferidos, coitadinha, foram-se as torradas, foram-se as lanternas da claridade nocturna, coitadinha, foram-se”

A ela e comeram-na como se comiam as sandálias de couro e os calções com listras em Luanda, e descia a noite, e descia, e vinha-se

Entre os parêntesis das palavras proibidas.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:22

Dos dias supérfluos mergulhados na fome orgânica vêm as palavras azedas fel que depois de acordar a manhã morrem contra os rochedos de espuma desenhados pelas mãos de uma mulher imaginada por um cego, húmidas flores palpáveis que os lábios do sonho deixam ficar dentro dos lençóis de maré em cada final do dia, acorda a noite, e despede-se o louco da razão misturando as drageias nas palavras sem sentido, escritas nas paredes vadias de uma casa de banho pública, o urinol agarrado à parede invisível que o homem pequeno transporta nas algibeiras juntamente com os cigarros, os beijos e todos os desejos,

Desaparecem,

Morrem,

Fingem-se cansados depois de um fluido misturar-se com o olhar do vizinho do lado saboreando mentalmente o pénis alheio, o cego, sentia-o como se sentem as picadas no peito quando o verdadeiro amor tomba no pavimento de areia de um quarto de pensão, quinto andar, águas-furtadas, e lá fora, todas as abelhas

Desaparecem,

Morrem,

Sem saberem que dividíamos os pedaços de prazer em pequenos punhados de sombra saltitando sobre as colmeias de voo das gaivotas parvas que junto ao mar brincavam, as árvores despiam-se com o calor incandescente das lâmpadas de néon habitando as ruas da cidade sem perceberem, sem saberem

Dividíamos os sonhos, deviríamos os desejos, e todos os beijos

Fingiam-se cansados depois de um fluido misturar-se com o olhar do vizinho do lado saboreando mentalmente as clarabóias suspensas no tecto da paixão, vivíamos devidamente sem sabermos, sem percebermos

Os raios de sol das tardes de Agosto quando o Tejo vestia-se de cacilheiro, e os cacilheiros passavam a ser homens com cabeças de abobora, e elas

Dividíamos os sonhos, deviríamos os desejos, e todos os beijos

E elas desapareciam, morriam,

Todos,

Todas,

Como morrem as flores que amamos.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:55

09
Jan 13

Era um tumultuoso vulcão com restos de cigarro no canto da boca, sabíamos que para lá do risco amarelo, nada, não existiam mais crateras onde podíamos pegar no ínfimo magma e transformá-lo em palavras, depois de solidificado

E às vezes, com o vento, o risco sofria pequenas oscilações, milímetros que podiam ser fatais para um texto de ficção, não escrito, preguiçoso, mentiam-nos quando nos diziam que não haviam mais

Depois de solidifico,

Palavras para escrever

E nós sabíamos que existiam milhares de buracos recheados de letras, algumas azuis, outras verdes, ortografia tricolor, e pontuações monstruosas, ensanguentadas, quando ouvíamos o choro incessante dos meninos encurralados junto às árvores de chocolate, pensávamos que

A vida é um conto de fadas, um poema, um lindo texto de amor,

Não, não é, e nunca o será

Um livro,

Um pequenino livro, lágrimas de prata, húmidas as mãos do poeta quando acaricia o corpo da amada secreta, impossível, imaginária, o mar entra nos corpos em combustão, e eles

Nós sabíamos que os cabelos eram falsificados, mercadoria isenta de IVA, cultura, o desejo taxado à taxa mínima, deserta, cambaleando os chinelos do velho Fernando pelo corredor da morte, inventavam-se lilases olhos com vermelhos perfumes de rosas de papel, taxada maximamente a velha sopa de feijão que sobejou da semana estragada, peço desculpa e emendo, da semana passada, felizes aqueles como nós, os cabelos falsificados de aço, quando saboreiam os pedacinhos de drageia que o doutor receitou apara tomarmos ao deitar

Um livro

Antes de adormecer,

E nós éramos felizes

É ou não é verdade?

Um livro, substituído por uma drageia, dispenso a sopa e fico com as coxas da Amélia, e em termos de IVA fico a ganhar, porque em tempos de crise é preciso poupar, e entre uma sopa taxada a vinte e três por cento e saborear as coxas da Amélia, taxadas a seis por cento...

Preferimos as coxas

Antes de adormecer,

Um livro, um pequeno livro disfarçado de cianeto,

Azul, os joelhos da amada invisível, nua, isenta de IVA, só minha, como os papeis de andorinha que voavam dias e dias no quintal de Luanda, e hoje, hoje

Preferimos as coxas

Antes de adormecer,

E nós sabíamos que os corpos mergulhados em mãos envoltas em poesia são como as ondas do mar, flutuam, e em ziguezague-zanga lá íamos a caminho de Viseu, parávamos em Castro Daire, um desvio em Carvalhais, S. do do Sul, para visitarmos o velhinho avô que ainda carregava às costas a mochila da primeira grande guerra, e conservava na algibeira do colete as mortalhas e a onça, depois, regressávamos à velhinha estrada até

Preferimos as coxas

Antes de adormecer,

Até que uns vultos nos visitavam, não sabíamos que Eram os tumultuosos vulcões com restos de cigarro no canto da boca, sabíamos que para lá do risco amarelo, nada, não existiam mais crateras onde podíamos pegar no ínfimo magma e transformá-lo em palavras, depois de solidificado

As gajas nuas com sabor a literatura,

Nós não sabíamos, minto, sabíamos que as laranjas são doces quando das mãos de uma deusa inspiração, nua, nossa, isenta de IVA, inventa palavras tricolores que dormem silenciosamente nas crateras dos vulcões apaixonados, o avô velhinho

Um livro

Antes de adormecer,

E nós éramos felizes

É ou não é verdade? Milhares de buracos recheados de letras, algumas azuis, outras verdes, ortografia tricolor, e pontuações monstruosas, ensanguentadas, quando ouvíamos o choro incessante dos meninos encurralados junto às árvores de chocolate, pensávamos que

A vida não é um livro.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:26

Há nele um louco amor que anoitece abraçado às montanhas onde vivem crateras e cereais de luz com sabor a chocolate, e pior do que isto, pensava ele

- Só a Coreia do Norte,

O que é para mim um louco amor? Não sei, não sei

- Só a Coreia do Norte,

Não

Pensava,

- Sei que, talvez, alicerçava nele as castanhas ruas da melancolia, desejava voar como voavam as carcaças de madeira à porta das tabernas nuas de espuma, sem janelas, e na proa dorme um marinheiro louco

O amor desejado quando o desejo é impossível de subir às lâmpadas corcunda da lua, asas de gaivota penduradas no mastro onde a vela da morte, balança, esquia, nua, as palavras do marinheiro amado louco sem mãos, e pensava ele

- Que o amor não se explica, vive-se, constrói-se como as pontes de aço sobre os rios amaldiçoados, enjoados, doentes, desde criança à procura de um cavalo branco, e desde criança

Só a Coreia do Norte,

- Não

Pensava,

- E desde criança os fantasmas vestidos com panos pretos deambulando de taberna em taberna, os marinheiros da aldeia dormiam, e as velas brancas com desenhos abstractos pediam vento para zarparem, não vinhas, parecias triste, e no entanto, e no entanto sabias que em cada casa havia uma tigela de fome e um pedaço de pão bolorento, e o arroz descia inutilmente a cada boca esfomeada como as serpentes dos jardins encantados quando um vulto embrulhados em panos deixa cair os sons melódicos de uma triste flauta, voavas sobre as árvores distantes das ruas castanhas que cobriam os seios da aldeia, estavas triste e pior do que isto

Só a Coreia do Norte, não, talvez, um dia disse que ia embora e que nunca mais regressava, não partiu e nunca regressou, dizem, quem sabe, que ele caiu num buraco negro e deve andar perdido como as abelhas quando cai a noite, mas ele nunca tinha olhado a noite

Pensava

- Não

Talvez só a Coreia do Norte, e o arroz descia inutilmente a cada boca esfomeada como as serpentes dos jardins encantados quando um vulto embrulhados em panos deixa cair os sons melódicos de uma triste flauta, voavas sobre as árvores distantes das ruas castanhas que cobriam os seios da aldeia, estavas triste e pior do que isto

Talvez,

- As grutas gargantas que dentro das montanhas habitam como túneis na Serra do Marão, suspensas as pontes, coitadas, braços e pernas enferrujadas, o lodo em ciúme clandestino que as putas flores deixam cair o perfume que da algibeira de cada marinheiro irrompe na neblina e finge em cada pinheiro um olhar de cio, pior do que isto?

Talvez, não sei, Só na Coreia do Norte,

- Enfurecias-te com a minha teimosia, os poemas eram todos uma merda, nenhum, nenhum se aproveitava, o amor desejado quando o desejo é impossível de subir às lâmpadas corcunda da lua, asas de gaivota penduradas no mastro onde a vela da morte, balança, esquia, nua, as palavras do marinheiro amado louco sem mãos, e tu pensavas que eu te mentia, e tu dizias-me: um túnel no Marão?

- Louco, o amor, a paixão e todos os marinheiros como as pontes suspensas de acesso ao túnel do Marão; doentes braços enferrujados, doentes pernas enferrujadas, loucos, aqueles que desenharam a lua sem portas e sem janelas, pergunto-lhes

Porquê?

- Se todas as caixas têm buracos para espiar a vida do vizinho, se todas as tabernas têm um marinheiro deitado na proa e um mastro com uma vela, e quando regressa o vento

Correia do Norte,

- Um louco em férias.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:04

08
Jan 13

Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e não percebias que eu precisava de asas, voar, voar sem parar, não cair, todos os meses, eu, um infeliz

Mãe, fui assaltado, manda dinheiro vale postal urgente,

E ao final da tarde ressuscitavam as andorinhas no Tejo, cintilavam ao longe as luzes dos petroleiros a entrarem na barra, puxavas de um cigarro, umas vezes em solidão, outras, em companhia de gaivotas com sabor a heroína, pingavam restos de saliva nas passadeiras vermelhas da calçada, precisavas de ser aquecida

Lisboa

À tarde pertencias aos espaços perdidos, na parede um cartaz onde se lia “Proibido Fumar”, à tarde pertencias-me, e Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e não percebias que eu precisava de asas, voar, voar sem parar, não cair, todos os meses, eu, um infeliz

Mãe, fui assaltado, manda dinheiro vale postal urgente,

Um infeliz com sete pernas nascidas e crescidas em Setembro, à noitinha,

Precisavas de ser aquecida,

Ouvias os meus lamentos de infelicidade quando percebias que mais uma vez, eu, o teu querido filho

Assaltado,

Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e de assaltado em assaltado, perdão

De assalto em assalto

Inventava assaltos,

Um vale postal urgente que regressava no final da tarde com destino a Belém, precisavas de ser aquecida, e ao final da tarde ressuscitavam as andorinhas no Tejo, cintilavam ao longe as luzes dos petroleiros a entrarem na barra, puxavas de um cigarro, umas vezes em solidão, outras, em companhia de gaivotas com sabor a heroína, pingavam restos de saliva nas passadeiras vermelhas da calçada, e desaparecias entre as sombras incultas do destino e a saudosa harmonia poesia das coxas de uma Sereia, excitavas-te com as melódicas palavras de oiro que a voz do mendigo deixava cair sobre as ondas

Tinha quinze anos eu,

E tu,

E eu idade para ter juízo, ouvias os meus lamentos de infelicidade quando percebias que mais uma vez, eu, o teu querido filho

Assaltado,

Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e de assaltado em assaltado, perdão

De assalto em assalto,

E tu

Quinze anos semeados em pedacinhos de papel, que hoje, que hoje

À tarde pertencias aos espaços perdidos, na parede um cartaz onde se lia “Proibido Fumar”, à tarde pertencias-me, e Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e não percebias que eu precisava de asas, voar, voar sem parar, não cair, todos os meses, eu, um infeliz

Eu,

Que hoje apodrecem dentro de uma caixa de cartão, escondida, moribunda, doente,

Sobre a pilha de livros que aguardam no corredor da morte a resposta do último recurso, e penso

Que fazer a uns tantos livros velhos e a uma caixa de cartão com papeis apodrecidos?

O general Humberto Delgado

“Obviamente demito-o”,

Para mim

Apenas recordar os olhos cristalinos de alguém com quinze anos, e que hoje, deixou de existir, e que hoje

Desaparecias entre as sombras incultas do destino e a saudosa harmonia poesia das coxas de uma Sereia, excitavas-te com as melódicas palavras de oiro que a voz do mendigo deixava cair sobre as ondas

Tinha quinze anos eu,

E que hoje não existem mais, os olhos cristalinos da Sereia de vidro.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:15

Não tenho coisas para te dar

apenas te posso oferecer as minhas mãos gélidas

ou as pálidas palavras cansadas de viver

elas quando emergem sobre a escuridão as tristezas tuas manhãs

o entra e sai da porta sibilada distante

que mente

ausente de ser

outras coisas à janela das minhas pobres gélidas mãos de linho,

 

Nada eu tenho para te oferecer

(já nem os meus livros) gélidas mãos do prazer

queimei todos os papeis frágeis que viviam e dormiam

no meu corpo de pérola cinzenta

lenta

a morte das coisas que tive

e deixei de ter

e não mais voltarei a ver.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:35

Subiam a montanha em direcção ao sítio onde viviam as nuvens de prata, rastejavam dentro do silêncio com a ajuda de uma mão envelhecida, moribunda, recheada com algerozes e janelas com cortinados de papel, subiam, docemente, subiam a montanha conhecida como a velha montanha dos sonhos impossíveis de realizar, percebia-se no ar pesado a respiração dos cadáveres adormecidos pelos versos do poeta marreco, louco, porco, que habitava numa cabana junto a uma ribeira com braços de luz e pernas de vidro, à lareira, sentindo as imagens furiosas das pessoas enlatadas que deambulavam nas esquinas do orvalho, estava frio, muito, e os cães vadios procuravam em pequenos cardumes de prata as coisas boas da vida, tínhamos medo, não dormíamos porque das árvores, às vezes, desciam esqueletos com canetas de tinta permanente espetadas nos olhos, e na boca

Pequenos segredos de saliva com finos olhares que as ardósia escreviam nas planícies da insónia, não, não sabíamos que a montanha era invisível, não, não sabíamos que a ribeira e os esqueletos com canetas de tinta permanente espetadas

Nos olhos,

Eram fantasmas desenhados pelo poeta marreco, louco,

Nos olhos,

Subiam a montanha em direcção ao sítio, uma pequena fogueira de vaidade emergia sobre as rochas prateadas onde dormiam os cães vadios

Nos olhos

O louco poeta marreco,

Duas assoalhadas, um varanda com vista para os sonhos impossíveis de realizar, diziam-nos que para o anos as coisas iam melhorar, passavam os anos, passavam

E as coisas

Nos olhos,

Sempre iguais, sempre iguais, os cães procuravam as coisas boas da vida

E alguém gritava,

Nós gritávamos

Quais coisas?

Subiam a montanha em direcção ao sítio, uma pequena fogueira de vaidade emergia sobre as rochas prateadas onde dormiam os cães vadios

Nos olhos

O louco poeta marreco deitado de barriga para o céu, e descobriu, que

E as coisas,

O céu não existe, acreditávamos, subiam a montanha em direcção ao sítio onde viviam as nuvens de prata, rastejavam dentro do silêncio com a ajuda de uma mão envelhecida, moribunda, recheada com algerozes e janelas com cortinados de papel, subiam, docemente, subiam a montanha conhecida como a velha montanha dos sonhos impossíveis de realizar, percebia-se no ar pesado a respiração dos cadáveres adormecidos pelos versos do poeta marreco, louco, porco, que habitava numa cabana junto a uma ribeira com braços de luz e pernas de vidro, e no entanto

Tínhamos sonhos que acreditávamos serem possíveis de realizar, mas depois de subirmos a montanha invisível, depois de assistirmos as suicídio do poeta marreco e louco, depois de percebermos que os cães vadios, éramos nós,

A montanha desmoronou-se, desfez-se em pedaços de açúcar, e voou em direcção ao mar.



(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:09

Janeiro 2013
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