Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

01
Fev 13

Os cansaços que a vida me deu

de abraços em pedaços de sol

os carrascos cansaços de uma manhã ao léu

como as cartas do Pacheco (Luiz Pacheco, Cartas ao Léu)

os silêncios das espigas poesia

entre cansaços e carrascos

os teus e os meus abraços

dentro de uma barcaça em dias de alegria,

 

Havia

havia poucas ou nenhumas cartas de amor

que palavras eu diria

à lareira a saudade que ardia

da lareira o sorriso de uma bela e linda flor

havia cigarros de conserva com molho de tomate

havia

e eu sabia que das minhas pobres mãos nascia

e crescia

um lindo menino de nome alicate

coitado coitadinho

enfezado como os orgasmos da menina fantasia,

 

Os cansaços que a vida me deu

poucos

abraços e beijos às bocas que o velho com cabeça de abobora

semeou e plantou e dizimou

não sabendo que eu sabia

que havia

laranjas e limões para a sobremesa

disfarçada de melancia,

 

E havia

homens amantes do sol

e mulheres que amavam a lua

e eu

não sabia

e eu

percebia

e eu

farto da escrita de porcaria

que faço

e invento sem saber e perceber

que um dia vou morrer,

 

E alguém vai dizer

escrever

que grande merda este gajo nos deixou

porque os cansaços que a vida me deu

me tirou

e o amor derretido em paixão

arde docemente à lareira

a mesma lareira onde se aquece a flor

disfarçada de amor

que da minha mão

me amou

ou vai amar,

 

quando perceber

que eu

que eu sou filho do mar...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:39

Vivia numa caixa de sapatos tamanho trinta e cinco, com seis anos vi e calcei o meu primeiro par de botas, ouvia o meu pai

Temos de compra umas botas ao rapaz,

Questionava-me, perguntava-me,

O que são botas?

Começava o frio e eu estava habituado aos calções e às sandálias de couro, não tínhamos nada, ou pior, tínhamos tudo aquilo que muitos não tinham, mas como diz o OUTRO

AGUENTAMOS, ENTÃO NÃO AGUENTAMOS? Claro que aguentamos e felizmente estamos os três vivos e de boa saúde, eu sabia-o como sabia que seria difícil andar com umas botas pesadíssimas e depois de as descalçar os meus pequeninos pés pareciam pedaços de tecido, escuro, com bolinhas escuras, e eu pensava

Deve ser das noites de Inverno, pensava eu e hoje digo-o

E pensava muito bem, pois o Inverno realmente enrija-nos os ossos e alguns de nós ficamos mais despertos, outros, como eu, mais aparvalhado, e ainda outros, coitados dos outros

Moribundos como as geadas de Janeiro, passamos o Natal no interior da penumbra branca, esguia, solidamente como a neve suspensa na grade enferrujada da varanda com vista para a Praça, acordei cedo, corri desassossegadamente para a inventada chaminé e dava-me conta que nada existia dentro da bota que tinha deixado ficar sobre o fogão como sempre o tinha feito em Luanda (não como uma bota mas com um sapato), pensei

De certeza a causa mais provável é a pesadíssima bota, depois imaginei um senhor vestido de vermelho com barbas brancas, um pouco barrigudo, olhei para a inventada chaminé e nenhuma dificuldade encontrei para o dito senhor não me ter deixado alguma coisa, enfureci-me e mentalmente insultei-o, e chamei-lhe todos os nomes possíveis e imaginários, comecei e, Boi e terminei em filho da puta, até que um dos meus irmãos mais velhos me explicou

Não vês rapaz que ele ainda não tem a tua nova direcção, e confesso que não percebi, Direcção, que direcção? O que é uma direcção? E ele explicava-me pacientemente que era a minha nova morada e eu a chorar perguntava-lhe Porquê, Porque viemos, e se fosse hoje ele talvez me dissesse que o meu nome não constava da base de dados, mas eu estava ontem, e ontem eu só tinha uma folha de papel selado com vinte e cinco linhas, mas

Vou entregá-la a quem? Ontem não se podia reclamar de nada, como ia eu queixar-me do homem vestido de vermelho com barbas brancas e algo de barrigudo? Não podia,

Mas como diz o OUTRO

AGUENTAMOS, ENTÃO NÃO AGUENTAMOS?

Eu e os meus pais e os meus irmãos mais velhos e os nossos vizinhos e os vizinhos dos vizinhos,

Todos

Aguentamos e estamos vivos e de boa saúde.

 

(texto de ficção)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:31

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