Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Mar 13

Tínhamos o mar

e a bancarrota de uma existência fictícia

tínhamos um barco de prata

com sais de frutos para a ressaca

tínhamos uma barraca em lata

e solstícios com malícia

depois do deitar

e nunca sentíamos a falta do azar,

 

Das ruas cintilações dos xistos com rugas ao amanhecer

tínhamos cama roupa lavada e sexo na varanda

tínhamos o mar

e as janelas de esquecer

como todas as palavras em voos de falar

pequeníssimas entre as vozes de quem manda

e ninguém para nos separar

como os pássaros no Inverno à procura do calor e da solidão de viver,

 

Tínhamos na garganta

uma réstia de esperança

e amor

tínhamos no sótão da madrugada a pimenta

e os cigarros da lembrança

em flor

o fumo que alimenta

a insónia tua nossa janela entre as fotografias que a noite atormenta.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:42
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E sonhas com quê, tu?

Visivelmente cansada, sentia dentro de mim, as pedras e os riachos, e ouvia canções poéticas dos lábios sonolentos dos pássaros amaldiçoados, tristes às vezes, alegres poucas, doía-me o peito e trazia qualquer coisa estranha na respiração ofegante dos meus silêncios, acordava as rosas e os pontos cardeais, pegava no Norte e caminhava até que o tempo se perdia em mim, entranhava-se-me como se entranhou a tua boca

(E não sonhava, mas via uma menina vestida de mar com cabelos de vento, mas via um jardim com um banco de madeira, e imaginava, olhava-te dentro de mim e sabia que te sentavas lá, em todas as minhas ausências, loucuras, birras de criança, de menina mimada, sabia-o, sentia-o, ouviam-se-lhes as masmorras apaixonadas e que o tempo come como se de uma simples sandes de presunto se tratasse, ouvia o chamamento do sol e das nuvens embebidas na vodka made em Sacavém, e comias-me como comias os cigarros e os versos desgovernados das mãos do velho com braços de maré, e depois, uma chuva finíssima de vodka sobre os telhados cinzentos da cidade de marfim),

No meu púbis,

E sonhava com círios de desejo quando se disfarçavam de Primavera, e sonhava com gaivotas enroladas nas velas entre mastros de veleiros e o fim de tarde, despedíamos-nos das descalças horas insignificantes, oferecias-me um beijo na face obscura da minha pele, e

E eu desaparecia entre a neblina de espuma que as aranhas deixavam ficar junto ao rodapé, o pavimento pintava-mo-lo de encarnado, como os vestidos da tia Margarida sobre o palco da danceteria libertina, anárquica, como todas as flores que conhecemos, havia sempre um perfume de solidão nas tuas mãos, havia qualquer coisa de estranha nas tuas mãos, meu querido

No teu púbis mergulhavam os poemas das madrugadas convulsas e engasgadas nas lâmpadas da danceteria e ouviam-se-lhes, às mesas de cartão, os suspiros embriagados das meninas em flor, descia o rio, e mergulhávamos na lareira dos pedacinhos de sílabas com pequenas asas de açúcar, e meu querido, meu querido poeta vadio, um dia transformado de noite

Desapareceste como desaparecem todas as paixões,

(pelo buraco da fechadura)

E ninguém percebeu que eu, vestida de doce Catarina, docemente iluminada pela claridade das palavras revoltosas, contra ele, no caderno dele, da sebenta dele, eu construí a cidade dos sonhos com todos os pedacinhos de desejo que adormeceram em todos os bancos de jardim, com ripas alguns, de cimento outros, e assim nasceram os peixes e as algas e a trovoada, e a chuva, e a madrugada, e também, eu

Criei a saudade,

E a dor,

E sonhas com quê, tu? Não sonho, diz-me tu, também não sonho, também deixei de sonhar, também eu tal como tu, desistir de rir, da saudade, e do prazer de escrever, e principalmente

Deixei de me sentar no banco de jardim com ripas de madeira, puxar de um cigarro e imaginar-te deitada sobre os lençóis da minha pele esbranquiçada, polida, magra, emagrecida pela dor e pela doçura das noites envenenadas com cianeto e sonhos de anda,

E a dor, e criei a saudade

(pelo buraco da fechadura)

E agora desculpa-me, mas vou vestir as asas e voar, se voltarei? Não sei, não... sei, E sonhas com quê, tu?

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:49

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