Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

04
Mar 13

Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor a queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas, ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela

Parecia-me que os telhados da aldeia ardiam na febre dos relógios quando provocam nas pedras a lenta morte como sentia, e deixamos de sentir, as algibeiras recheadas de moedas com um furo no centro geométrico, que neste caso, coincide com o centro de massa, e dizias-me que das flores belas e menos belas, cresciam as bailarinas, ouvíamos o movimento circular uniformemente acelerado, subindo, e descendo, as escadas para a Primavera, e, eu

Não queria ir à janela, e à janela vimos as migalhas de pão que sobejaram do lanche, e um mês depois estavas grávida, e eu, sentia, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos matinais, como as gaivotas quando poisavam em cima da mesa da sala, líamos no sofá meio cambaleado, trôpego, meio embriagado pelo silêncio da velha casa, recheada de fendas nas paredes de gesso, e ambos

Vómitos matinais,

Eu deixava de voar entre os ferrosos poste de iluminação, uma balança pesava-nos e a árvore que tínhamos no centro da cozinha começava a dar sinal de fadiga, a loucura aos poucos entrava na casa que diziam ser nossa, que eu afirmava não conhecer, e tu

Vómitos

E ambos tínhamos formas geométricas nas mãos gretadas devido ao frio invernal, descíamos ao inferno depois da meia-noite, e tu embrulhada nos vómitos matinais, e curiosamente, eu, tu, nuca vimos o rebento florido da rosa em segredo, uma noite extingui-se e afundou-se nos rochedos nas traseiras da nossa velha e encantada casa dos libertinos sonos de aranha, um corda, um sindicato e cartazes suspensos no corredor, um revoltado encornado com sabor a chocolate quente, e víamos, e sentíamos, e tínhamos

NADA,

ABSOLUTAMENTE NADA, NUNCA O TIVEMOS, NUNCA O DESEJAMOS,

E tínhamos vómitos matinais com sorrisos de areia,

Ou

E

Talvez percebas a maldade de uma janela com fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores nascidas durante a noite, e o que vês?

Espuma e sons circunflexos, apaixonados, perdidamente em círculos como o pôr-do-sol mesmo sabendo que ele hoje não acordou, e provavelmente, talvez um dia percebas, percebas-me, como é difícil caminhar sobre os carris e olhar, lá longe, quase no infinito, o silêncio da luz,

Desistes então?

Não sei, não sei...

- Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor a queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas, ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela, as canções melódicas do desejo hoje não apareceram, e as poucas palavras que encontrei em voos na casa de banho, também elas tristes, também elas distantes de mim, de ti, ou de si, conforme o tratamento, conforme a idade, ou o sentimento, e se eu amar loucamente um pedaço de cartão com uma simples palavras, uma palavra sem significado, suponhamos

Eu amo loucamente um pedaço de cartão onde alguém escreveu “hoje sou feliz”, e se eu trocar a janela por uma folha de papel em branco, e simplesmente olhá-la até me fartar,

Será isso um crime que me levará à pena capital?

E enquanto a paisagem da janela é sempre a mesma, na folha de papel em branco poderei escrever histórias, desenhar objectos, resolver complexas equações matemáticas, posso e devo

Desenhar um coração com pontas de aço,

Porque não?

Pego no copo, pego na escova de dentes e no dentífrico e, vou-me embora, vou, e sinto, sem ti, senti as clarabóias do destino estilhaçarem-se com o peso das pombas de papel, e um perfume de solidão desce em pedacinhos de milímetro até embater nos vidros opacos da vida clandestina, fingida, e aí sim

Porque não?

Sim, talvez percebas a maldade de uma janela com fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores nascidas durante a noite, e o que vês?

(E um mês depois dizias-me que estavas grávida, e, eu, e eu, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos matinais das árvores pintadas de encarnado e de olhos verdejantes, e um mês depois dizias-me que as gaivotas estavam loucas, porque uns dias sorriam, e outros, outros suicidavam-se de encontro aos mastros de aço dos barcos moribundos).

 

(ficção, não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:00

Como são os livros com cabeça de saudade

como são as palavras assassinadas pelas mãos do amor

como são as ruas da tua cidade

sem jardim sem flor,

 

Como são os barcos de sonhar

quando da noite descem as estrelas sem nome sem paixão

como são

meu amor as tarde de verão

quando dormes sobre um braço lacrimejado pelo mar,

 

Como são os versos de escrever

nas lisas tempestades dos muros sem cor

como são as sílabas de prazer

quando o teu corpo se transforma em dor...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:17
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Já perdi tudo, esqueci-me das poucas palavras que conseguia desenhar numa parede pintada de branco silêncio, começa a noite, penso se tu pensarás em mim sabendo eu que tu não percebes que existo, vivo, respiro, e tenho um muro pintado de branco onde desenho letras, palavras, poemas vestidos de flores com asas, e pássaros, que voam com pétalas de cansaço, ou não, ou talvez... já tenha perdido também a noção do tempo e do espaço, e do relógio suspenso na parede da sala, apenas vejo nele um esqueleto de madeira, um amontado de lâminas, rodas dentadas, e dentes de marfim, e mesmo assim, sinto que as cordas de sisal se enrolam no meu corpo, o mesmo, que tu percebes que não existe, que nunca existiu, aquele que todos dizem ser uma sombra que vagueia dentro dos cadernos com páginas em branco, como a vida de certos seres, denominados, os bons e os inteligentes, os mesmos, aqueles que não tendo muros pintados de branco, como eu os tenho, mesmo não desenhando palavras e letras nos muros pintados de branco, como eu as desenho, vivem, vivem como Príncipes vestidos de arrogância, e vivem de fantasias, felizes como os charcos de água, depois das chuvas, quando acordam as criança dos musseques, e gritam, e choram, e tal como eu, também elas, as crianças, têm muros pintados de branco onde desenham letras, palavras e sonhos...

(Já vou Gigi, desassossegar o Bernardo Soares)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 09:40

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