Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

09
Mar 13

Inventei distâncias para fugir de ti

criei dentro de mim

personagens invisíveis

bonecos e bonecas em pura porcelana

vivi menti

como um agarrado jardim

às árvores comestíveis

dos corpos mortos na lareira chama,

 

Como me arrependo das caminhadas pela montanha

comendo ervas daninhas

ou aguentando o castigado castigo

do homem com cabeça de vidro

dormíamos inventando prazeres

e pequenos gemidos

que a noite engolia

e o dia

o querido dia transpirava

vomitava

contra as ardósias das ruas em desalinho

dentro de mim invenção da manhã doente e sonolenta,

 

Inventei o coração de prata

e o orgasmo matinal

inventei os relógios de sol

e os telhados de lata,

 

Inventei distâncias para fugir de ti

desenhei versos de amor

nas parede insolentes

dos corpos com colares de iodo

inventei a loucura

e as enfermarias onde acorrentam Marias

e a mim

que inventei as árvores com folhas de papel...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:46
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Poucas coisas tínhamos para dizer,

(há dias assim, esquisitos, doentes, dias de “merda” que eu vejo a aproximação de uma noite, também ela, esquisita, doente, e de “merda”),

deixou de ter paz e sossego, depois de clarear a manhã e de muitos milímetros quadrados de gotinhas de água, lembrou-se que hoje era Sábado, e que hoje não necessitava de levantar-se cedo, tomar banho apressadamente, o pequeno almoço em soluços e o primeiro café ainda as moedas jazem na algibeira, hoje Sábado não puxou pelo primeiro cigarro, pois precisamente hoje, Sábado passaram dez meses que fumou o último cigarro, e

dizia ele,

é como o amor e a paixão, aos poucos vamos esquecendo, tudo na vida podemos esquecer, não apagar como se existisse um apagador que absorvesse o giz das coisas boas e das coisas más que a vida constrói sobre a ponte metálica que atravessa o rio da saudade, mas, depois, depois passados os enormes segundos multiplicados pelos duodécimos do prazer, e

dizia ele que ainda ontem tinha tudo, e hoje, nada lhe resta,

(eu sinceramente não acredito nas suas palavras, porque nunca se tem tudo, e quando pensamos que temos, falta sempre algo), mas isso é lá com ele e de aldrabão tem um pouco, como todas as flores que vi e ouvi no jardim da casa dele,

poucas coisas existem concretamente para dizer,

que está a chover, mas isso não me é novidade, cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do que moedas de ouro, e como diz ele

os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros,

é a vida amigo Gonçalves digo-lho eu, confesso que fica mais calmo, do tipo, deixa lá amigo, a minha casa também ardeu toda, ou então?

também tal como tu estou encornado e não é isso que me vai matar ou por isso vou deixar de viver, vamos mas é ao tasco beber umas minis, uns vinhos tintos, e quem sabe, na volta do correio, um novo amor apareça, como apareceram aquelas palavras que descobriste na parede do sótão, ou

(que está a chover, mas isso não me é novidade, cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do que moedas de ouro, e como diz ele

os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros),

ou, poucas coisas tínhamos para dizer, e como sempre haviam silêncios disfarçados de melódicos sons embrulhados num fino pano de linho, ou

não quero,

eu respondia-lhe,

eu também deixei de querer,

e comecei a acreditar nas nuvens com braços e pernas e corpos de mulher, e comecei a acreditar no vento que empurram as nuvens com corpo de mulher para o cimo da montanha, onde solitariamente, vive uma pedra com braços e pernas e também com corpo de mulher, e comecei a acreditar nas palavras que começaram a cair do céu, e comecei a acreditar que o mar

não tinha nada para me dizer,

e comecei a creditar que um vez por semana o mar subia a montanha e com a sua salgada água ensanguentava as nuvens e a pedra, com pernas e braços e corpos de mulher, e comecei a ver os dias a entrarem dentro de um tubo de vácuo, e rodopiavam e rodopiavam e rodopiavam

(que está a chover, mas isso não me é novidade, cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do que moedas de ouro, e como diz ele

os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros),

e rodopiavam até tropeçarem nas mentiras inventadas pelos livros que só o Inverno consegue transformar em lareira, estava frio, a nuvem e a pedra, com braços e pernas e corpos de mulher começaram, também elas, a acreditar

(e quando muita gente começa a acreditar numa mentira, quando chega o Sábado, já é uma verdade anunciada, proclamada e publicada em livro branco que em todos as lápides existe),

é assim a vida, amigo Gonçalves,

sabes?

não, diz,

vou ouvir um pouco de Fingertips e ler o livro de Colette “Gigi” ou Bernardo Soares “Livro do Desassossego”, ou em vez de ler, oiço apenas, ou aproveito e enquanto oiço, penso, que

poucas coisas tínhamos para dizer, e no entanto, chove torrencialmente na minha vida.

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:20

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