Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

23
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Roubaste-me a noite e os espelhos do meu quarto nocturno

transformas-te as luzes em pontos negros de solidão

suspensos em árvores de Primavera

e sempre que uma janela se abre

um cinzento silêncio entranha-se em ti,

 

Nunca percebi quem eras

e de que material eras constituída

nunca percebi se eras de pedra

ou de água sangrenta

dos rios doentes quando morre o luar,

 

Havia um cigarro suspenso no teu olhar

quando o comboio para Belém desprendia-se do Cais do Sodré

e navegava entre esplanadas e pasteis

e putas

e chavalhos endiabrados como cavalos de batalha,

 

Entravas na água salgada pelos ventos em rochedos de insónia

e um imaginário corredor de prata

sombreava-te as nádegas e as coxas e os seios

que a areia desenhava

e o mar engolia como morcegos dentro da gruta húmida da tempestade,

 

Havia sempre noite

e sabia-te ensanguentada nas mortalhas dos orgasmos infindáveis

que os poemas de AL Berto provocavam em nós

olhávamos o rio e os barcos e a outra cidade

quando se encolhia na neblina dos fins de tarde,

 

E os cigarros morriam nas flores dos jardins em plantio

às palavras pedíamos perdão

e sílabas de sabor adocicado como as mulheres que dançavam sobre as mesas da noite

desciam em cordas de suor

até encontrarmos os beijos prometidos...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:43

Borboletas mecânicas incendiavam as fictícias manhãs de Domingo, ainda por descobrir, emagrecidas pelas janelas de ferro que o ferreiro plantou nas paredes da solidão na cidade dos esconderijos, ouviam-se-lhes as letras dissimuladas em bocas revoltadas, havia fome e havia candeeiros sentados em bancos de madeira, tínhamos descido das árvores onde passámos os últimos meses, confesso, que das borboletas não tinha medo, acordava a noite, e aí sim, elas pareciam loucas, voavam em círculos, e desenhavam quadrados e triângulos no silêncio das horas nocturnas, mas como eram de chapa zincada, resistiam, e quando batiam de raspão na parede de um prédio em ruínas, ouviam-se-lhes os ditongos metálicos da pedra contra o metal, acordávamos, pensávamos que tinham chegado os soldados com armas de paixão para nos protegerem, mas afinal

Aram apenas os sons metálicos das borboletas mecânicas, em flor, acabadas de nascer, e ainda mal percebiam os princípios da aerodinâmica, algumas, deitavam-se das árvores e batiam as asas e batiam, até se despenharem em pleno pavimento granítico das calçadas em frente ao Tejo, um rio que deixou de existir depois dos homens vestidos de negro terem invadido a cidade, e com uma pasta de couro, aos poucos, todas as plantas cessaram os seus movimentos nos jardins públicos e privados, e apenas uma ponte, também ela metálica, resistiu, e ainda hoje nos ouve, quando gritamos, quando acordamos, quando

É domingo,

Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim

Um dia vou experimentar,

As borboletas tinham-se tornado inquietas, nervosas, e pareciam, não, não pareciam, eram, loucas, e os seus voos cada vez mais simples e em linha recta, como as linhas traçadas nas paredes pintadas de branco com a ajuda de um esquadro e de uma régua, simples, tão simples, que

À noite não podíamos sair de casa, elas vagueavam em desesperos e tínhamos medo dos golpes que as asas metálicas podiam-nos provocar no corpo desobediente, quente, que tínhamos de transportar até que chegava a manhã, e com ela, a claridade, e com esta, elas adormeciam

Acreditas em árvores de pêlo comprido?

Eles não vinham, já o sabíamos, e não era preciso grande alarido, porque sempre estivemos por nossa conta, sempre sós, como os furtados cocos dos coqueiros, não

Um dia vou experimentar, e experimentei, e bati com a cabeça numa tília com nervos em franja, rabugenta como uma galinha, que em vez dos afamados chás das cinco, não, preferia as drageias de carvão que o tio Augusto tinha trazido do antigo Congo Belga, atravessava-se o rio, e do outro lado, suspenso numa vespa, vagueava como um vadio, moribundo mendigo de quatro patas, como o outro, de areia, crocodilo desde os tempos do meu aparecimento no planeta terra, e um dia

De pêlo comprido?

Não,

E estúpidamente acreditava em árvores, e estas acreditavam em mim, que acreditavam em borboletas mecânicas, em pontes metálicas, em rios e cidades, e barcos,

E juro,

Nunca vi nenhum, não consigo descrevê-lo, parecem-me objectos difíceis, distantes, complicados, parecem-me pinturas de miúdos durante a noite, estes tais de barcos, e a bailarina parece-me triste, magoada, talvez cansada, talvez envergonhada, mas

Sim, Domingo,

(Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim)

Um dia vou.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:51

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