Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

27
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Escrevo-te, sabendo que não tenho papel, caneta, nem a vontade de o fazer, mas dentro de mim, escrevo-te, desenho letras na sombra do meu cabelo projectada numa mesa deserta, só, como a cadeira onde me sento e imagino-te no meu colo, e imagino-te com a cabeça deitada sobre o meu peito ofegante, como a ribeira a descer a montanha, entre pedras, arbustos e espantalhos de palha, entre pássaros e vontades de voar, sinto-te dentro do meu corpo como um ácido que me queime e aquece e faz mergulhar na penumbra dos teus olhos, tu

Enlouqueces-me,

Cresces como uma alga dentro do meu púbis, pintas-te de preto quando a noite entra pela janela e poisa sobre a secretária onde poiso os meus cotovelos, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardo religiosamente o líquido derramado dos meus seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como tu, ou como eles, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,

Não vens, hoje?

(enlouqueces-me?)

Há uma porta blindada com acesso para o telhado, o telhado é assente sobre barrotes de madeira apodrecida, diria mesmo, do Século XIX, e mesmo assim adorava esconder-me no local mais distante do prédio, no local mais quente, quando era verão, e o mais frio, quando era inverno, e mesmo assim passava lá eternidades misturadas em horas, que tempos depois transformavam-se em tardes, e depois, em dias

Não vens, hoje?

E tempos depois em semanas, e meses, e anos, e por lá fiquei até apodrecer juntamente com a velhice da madeira, quase morta, abria o postigo, e ao longe ouvia o silêncio das árvores, o bater de ramos dos pássaros negros, que ao cair a noite se perdiam nela, e tu

Eu, eu esperava-te, eu sentada numa cadeira de madeira com os braços e cotovelos assentes sobre uma velha mesa de madeira, assente sobre um soalho rabugento e quase sempre constipado, e tenho a certeza que há

(dias, dias e noites travestidos de barrotes de madeira apodrecida, escondia-se lá, até que chegava o mar e o levava para longe, e ouvia-se o ressonar das folhas das árvores de cartolina, e ouviam-se os sorrisos dos pássaros negros, em frente ao espelho do guarda-fato, fato e gravata, sapatos pontiagudos, lenços de papel), e ouviam-se-lhes

A certeza que há tristeza nos teus olhos de diamante adormecido, a porta blindada, e do outro lado de lá, eu cá, sinto-o, imagino-te sentada numa simples cadeira de madeira, descalça, tens os cotovelos suspensos sobre a planície da madeira envelhecida, e disseram-me que é lá que guardas as pulseiras de vidro, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardas religiosamente o líquido derramado dos teus seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como eu, ou como vós, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,

Não vens, hoje?

E ouviam-se-lhes os gemidos dos pés sobre o soalho húmido que as palavras trouxeram das docas embriagadas com os cigarros embalsamados e que ainda hoje vivem no mausoléu da ignorância, tínhamos

Tínhamos o que, meu querido?

(enlouqueces-me?)

Não vens, hoje?

(tenho medo de me apaixonar por ti)

Claro que vou, é só sair do sótão, descer as escadas, e logo, logo, e logo estarei sentado no teu colo...

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:27

foto: A&M ART and Photos

 

Esta varanda que me alicerça o corpo às marés vazias, este ar e esta sensação de silêncio, que aprisiona os meus braços ao vento filho da rua das traseiras, este medo, esta manhã distante das estrelas complexas do nocturno céu da tua boca, uma janela, e

O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,

Esta varanda que me aperta o coração, sabendo eu, que há muito deixei de ter coração, cabeça, prazeres, solidões de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e começa o espectáculo

A vida de uma mulher de veludo, encenação de mim, e direcção de actores, também de mim, a tenda levita de quando em quando, saltita como seios roxos com pintinhas brancas e flores amarelas, e dizem que o mar entra pela porta da varanda, ela submissa na chávena de café olhando pensativamente a rua em ruínas como gaivotas órfãs pedindo esmola no cais das camélias abandonadas,

(solidões de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e começa o espectáculo)

E começa

O

Circo,

E começa

O

Teatro,

E começa o espectáculo dos pratos vazios sobre uma mesa de vidro, ela, a mulher de veludo, refugia-se na varanda da vergonha, bebe café e aquece as mãos com o medo da fome, inventam-lhe alcunhas, e obriga-se a submergir-se nos oceanos dos pilares de madeira depois de o vento abandonar as crianças e os idosos..., na esplanada dos olivais encalhados na serra do desassossego, há um rio doente, rio que sobe as escadas, e leva a mulher de veludo, e leva o corpo de uma mulher fingindo alegria

Viva a alegria, Alegria, Alegria, Hoje é dia de festa,

Meninos e meninas,

Senhoras e senhores,

Respeitável público..., A senhora de Veludo!

E os cortinados mergulhavam na solidão, e havia a tristeza disfarçada de fome, quando os pratos vazios, e os talheres, e os guardanapos..., voavam entre paredes da cozinha,

O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,

Na varanda,

E não regresses, eu a ouvi-los, os pássaros nas plataformas sobre as ruas em obras, telefona-me tá, e claro que não tá, nunca esteve, nunca estará, vestida, forte, de pé como uma estátua de bronze, pensava eu, na varanda, nua, uma janela em gemidos quando alguém tentava encerrá-la..., e claro, quem, digam-me, quem gosta de ser encerrado? Digam-me, quem gosta de ser aprisionado? Ninguém, ninguém, ninguém havia quando a terra começou a tremer, ela aos poucos, como pedaços de papel, desmoronou-se, de

Pedaço em pedaço,

De

Letra em letra,

Até chegar a palavra, chega, basta...

Fim.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:13

A&M ART and Photos

 

A loucura das rochas frias e escuras

entranhadas no meu corpo moliceiro

procura a chuva que acompanha o vento

e navega sobre os telhados da aldeia,

 

Esta frieza grande corrida da paixão

este cansaço

esta tristeza

que a noite deixa cair sobre o meu cabelo sonolento,

 

Fingir que amo as ervas orvalhadas dos oceanos invisíveis

caminhar sonhando voar sobre as nuvens de vidro

e que nada tenho

percebendo que os abraços morreram entrelaçados no meu pescoço,

 

A loucura das rochas escura e frias e solitárias

onde me sento e adormeço e finjo viver

não voando não amando os versos do mar

não tendo as palavras a culpabilidade de existirem na minha mão.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:58

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