Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Eterno silêncio do charco de pedra

com as palavras que mergulham em lábios de silício

na mão do homem com o chapéu preto

obliquamente sobre o rio da morte

às frias folhas de papel mata-borrão,

 

Desenho-te na límpida fragrância do café com natas

enquanto um transeunte espera impacientemente pelas torradas

e as folhas de papel com poemas adormecidos

tristes

no cansaço da janela do beijo,

 

Subo pelo teu corpo acima

e sento-me em ti adornada montanha de pele em suor

deito-me sobre as tuas mãos como se eu fosse um cadáver sem nome

porque deixaste de prenunciar o verbo meu sofrimento

que ao rio de sangue embarca até desaparecer no umbigo da noite,

 

Sabes que sou eu?

o filho indesejado das palavras começadas por F

e terminadas em OR

eu aquele insignificante miúdo com calções de areia e sandálias de chocolate

das sanzalas envergonhadas como os cavalos brancos das invisíveis madrugadas,

 

Eterno silêncio do charco de pedra

eterno teu corpo de xisto embrulhado nos socalcos da dor

miudinha ela a chuva de alegria

dos teus singelos seios de neblina

ao cair a tarde no Douro Rio... no Douro AMOR.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

foto: A&M ART and Photos

 

Suspensa,

(preciso de viver dentro dos orifícios das paredes de linho)

Eu, suspensa entre uma nuvem azul e um sorriso encarnado, eu, sentada sabendo que o degrau onde me sento está literalmente,

(morto?)

Submerso na tua mão de borboleta com asas de veludo, ouvem-se-lhes lágrimas de pérola caírem dos pinheiros bravios de Carvalhais, e o miúdo à janela pinta o céu nocturno de cinzento, coloca uma árvore na terra funda onde o avô construiu o poço, e da morte ouviam-se-lhes motores engasgados em neblinas cansadas, tristes, como o vento depois da tempestade, o miúdo chorava, e imaginava cansaços nos esteiros onde se seguravam os braços das videiras e dos arames desciam gotinhas curvas de dor, sofrimento convertido em mármores da sepultura do livro embainhado nas ruas frias da aldeia, submerso

(suspensa, infeliz, apaixonadamente apaixonada pela noite das aves pintadas de amarelo)

Perdi-me em ti, murmurava o miúdo à janela com vista para a casa do tio Serafim, havia livros espalhados pelo quarto, e todos na casa dormiam, até a própria iluminação ténue que se fazia sentir por aquelas bandas, não pensava em nada, apenas

(imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje, Engordaste? Emagreceste? Estás mais alta, mais baixa, ou... assim-assim, esqueci também as palmeiras, o largo, não consigo precisar o diâmetro do largo, e o cheiro, Como será hoje o cheiro dela?)

Apenas os ratos em volta da caixa da farinha de milho, para os animais, para o fabrico do saboroso pão no forno a lenha, e nada mais, nem os latidos de um cão, que perdão, também lhe esqueci o nome, a idade, a raça, a crença, se existia alguma crença, e no entanto, ao longe, ouviam-se-lhes os sons frágeis do sino da Igreja,

(vivi sobre rochas de areia)

Sou eu, dizia-lhe o rapaz suspenso na janela da noite, suspensa ela também, sentada eu, sentada sobre um degrau moribundo, triste e doente, ele sente o peso do meu corpo e acaricia-me as nádegas húmidas responsáveis pela chuva dos últimos três dias de vida, (poiso os cotovelos no parapeito, todos dormem, e todos sonham que amanhã as nuvens azuis já não são azuis, e os tramados sorrisos encarnados, não, não se vão transformar em bolas de Berlim, não, os sorrisos encarnados vão esconder-se entre o milho e o feijão, porque o avô semeava milho e no meio colocava feijão, e quando o feijão crescia, agarrava-se ao caule do milho, e crescia, crescia, e crescia até chegarem ao céu...) e continuava a perguntar-se

Como vão ser os últimos três dias de vida? (vivi sobre rochas de areia)

(das abelhas?)

Vive-se, vive-se inventando janelas, vidros, paisagens, sorrisos, nuvens, vive-se acorrentado a um degrau de mármore com coração de aço, frio, tão distante o largo das palmeiras, e hoje como será o chafariz nas traseiras da coluna vertebral silenciosa da menina? (imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje, Engordaste?) qual das meninas? e os pássaros das nocturnas noites de Carvalhais não sabiam, e desconheciam, que existiam mais do que uma menina, e tal como eu, o miúdo com os cotovelos no peitoril a imaginar barcos a dirigirem-se de Carvalhais para o porto de Favarrel, e perdiam-se a meio caminho, e alguns, a grande parte deles

(naufragavam contra o canastro recheado de milho até ao tecto)

Não sobrevivia, e morriam.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:46

foto: A&M ART and Photos

 

Sei que tenho dentro de mim o grande lago da solidão, sei que à minha volta existem gaivotas com sorriso de poesia, sei que tenho sobre mim o silêncio dos barcos em poiso, como as ervas daninhas, como as pedras más, feias e com olhos de medo, sei que toda esta água me pertence, é a minha água, vida, paixão, o meu grande amor, sei que o tronco de madeira onde me sento, é um homem disfarçado, sem braços, cabeça, ou as pernas, sei que ele chora, sofre, como eu, e se ele pudesse

Abraçava-te,

Sei que tenho um destino pintado na tela adormecida do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras

M A R O,

Outras vezes,

O A M R,

Se eu pudesse?

(abraçava-te)

Se eu pudesse (sei que tenho dentro de mim o grande lago da solidão) chamava o barco dos sonhos e anda sempre de mão dada com a noite, deixava de inclinar a colher e tinha sempre a palavra AMOR respeitadamente formada e alinhada, e depois

Comíamos-la,

M A R O,

Outras vezes,

O A M R,

Se eu pudesse?

(abraçava-te)

Sopa de letras, sopa de cansaços, sopa, sopa, abraços, para quê?

(abraçava-te, mergulhava nos teus olhos de morango com natas, e escrevia no pavimento térreo do prato de sopa: SEMPRE TE AMEI MEU QUERIDO), Se eu pudesse? Comprava um banco de jardim com ripas de madeira, pintava-o de encarnado, escrevia numa pequena folha de papel “Cuidado – Pintado de Fresco”, comprava um plátano e estacionava-o junto ao banco de madeira, depois

M A R O,

Outras vezes,

O A M R,

Depois sentavas-te no banco de madeira, eu, eu sentava-me ao te lado, deitava a cabeça no teu colo, e, e M A R O, retirávamos o pequeno papel onde alguém escreveu “Cuidado – Pintado de Fresco”, e beijava-te, e, e O A M R, e, e (sei que tenho um destino pintado na tela adormecida do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras

M A R O,

Outras vezes,

O A M R,

Se eu pudesse?)

Amava-te.



(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:27

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