Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

31
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Não sofro, não choro, sou uma pedra perdida sobre o muro que separa a noite, do dia, faço parte da engrenagens fronteiriça, sou o arame-farpado, as ripas de madeira onde se esconde o sol, o teu sol, meu querido, sou a lâmina de aço inoxidável, pronta a decepar as flores e as árvores, os peixes e o teu mar, não sofro, não choro, às vezes, esqueço-me, dizem-me

Deve ser da idade,

Que tenho coração, poiso a mão no teu peito e nenhum batimento, silêncio absoluto, como quando se liga o interruptor de um candeeiro, e a luz, que entre o ondulatório e a corpuscular, obviamente, demito-o

(grande General)

Prefiro a onda-partícula, obviamente

(demito-o)

E não chora ele, não sofre, não sonha e não ama, ele é um fantasmas constituído por água, carbono e restos de tabaco, e nunca

Obviamente,

Adormeceu nas vegetações esquecidas dos calendários suspensos num prego enferrujado na parede da cozinha, ele não percebe que ela, a janela virada para o quintal, deixou de abri quando a tragédia entrou naquela casa

(qual tragédia)

Grega?

Obviamente... (demito-o) como todos os incompetentes o deviam ser; demitidos, mas existe o medo, mas ele esconde-se quando regressa a noite do outro lado do rio, do local onde está sentado ouvem-se os automóveis esfomeados e apressadamente entram no esófago, atravessam em marcha lenta o estômago, e entre curvas e contracurvas, percorrem o intestino a passo de caracol, que porcaria de vida, oiço-a

(obviamente, demito-o)

Oiço-a quando procura as minhas mãos, e o trânsito entupido dentro de mim, até que a cidade se abre aos transeuntes do outro lado do rio, e alguns automóveis esperam, desesperam, até que a rua

(Não sofro, não choro, sou uma pedra perdida sobre o muro que separa a noite, do dia, faço parte da engrenagens fronteiriça, sou o arame-farpado, as ripas de madeira onde se esconde o sol, o teu sol, meu querido, sou a lâmina de aço inoxidável, pronta a decepar as flores e as árvores, os peixes e o teu mar, não sofro, não choro, às vezes, esqueço-me, dizem-me

Deve ser da idade),

Mergulha, a rua, todas as ruas, mergulham no silêncio dos peixes voadores, e claro, nunca

(tens a certeza?)

Nunca, nunca, nunca chorei, sofri, sonhei ou pretendi esconder as lágrimas que pingam dos telhados quando vem a tempestade, e me leva a solidão a que me abraço antes de adormecer, nunca, nunca percebi de que cor era o meu coração, e nunca, e nunca ela aprendeu a sentir-lhe os pequenos batimentos, os ritmos cardíacos das alfaces, e nunca

(claro que o demito, obviamente)

E nunca adormeci abraçado a uma almofada com bonequinhos bordados pela minha mãe, mas recordo-me de ver a minha irmã com um pijama e no peito, um coração, bordado pelas mãos da nossa mãe, hoje não sei onde se encontram elas, se vivas, se mortas, ou se apenas dormem sobre o muro onde me sento, deito, e finjo chorar, porque não choro, nunca chorei, nunca sofri, e dor..., só me recordo da dor física, porque o coração é uma máquina, propriamente, uma bomba mecânica, com válvulas, com tubos, com engrenagens, e apenas bombeia sangue

Não inventa palavras, não guarda imagens, não fabrica sonhos, só... bate, bate, bombeia, enquanto o tempo-espaço mergulham num campo de barracas, uma feira de antiguidades, protegidas pelos silêncios do rio, e quando eu acreditava que o trânsito tinha cessado,

(as saudades dos triciclos de madeira)

Não cessaram nunca, e apenas bombeia sangue até que um dia cessam os cortinados de aranha da noite despedida pela paixão, e também nunca me apaixonei, como as pedras como eu que vivem sobre os muros dos campos, brincam com os sorrisos do rio, brincam com os olhos das pontes metálicas, ou de pré-esforço, e de vez em quando, vem um pássaro de nome saudade, poisa sobre mim e segreda-me

(obviamente, demito-o)

E hoje, dizem que sim, e hoje, dizem que sim.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:10

foto: A&M ART and Photos

 

Grandes silêncios dentro de nós

e ventos e marés

como sorrisos de poeira aos lábios prometidos

tantos versos e tantas gargalhadas

na cidade da escuridão,

 

Tantos sonhos e palavras

mergulhadas nas sombras da saudade

tantos e tantas e tantos corações acorrentados

sozinhos e tristes

doentes e abandonados,

 

Tantos e sós

grandes silêncios dentro de nós

planícies imensamente longínquas nos olhos da noite

da boca da de uma louca abelha

tantos meus Deus,

 

Tantos sofrimentos disfarçados de dor

de chuva

em flor

tantos e sós

dentro de nós,

 

Silêncios correndo no peito da morte

tantos e sós

os poucos meninos sentados na areia

saltitando como pétalas

brincando tristes e sós os silenciosos pés...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:14

30
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Habitas nos fantasmas candeeiros de porcelana

e não saberás nunca

o nome verdadeiro do ciúme nocturno

habitas e desfazes-te em sorrisos de areia

habitas nos corpos poisados sobre os cais de madeira,

 

Habitas dentro do prazer

como as abelhas mergulham no pólen da madrugada

habitas na saudade

e nas ervas miúdas que brincam nos quintais de papel

à beira-mar,

 

Um livro eterno submerso nas lágrimas do céu da boca

e tu habitas no transformismo das palavras mortas

pelas línguas de prata

como uma pirâmide escondida no deserto

com os braços alicerçados aos lábios do desejo,

 

Habitas no meu corpo

desarrumado

e cansado

habitas nos textos que escrevo

e nos poemas com as palavras prisioneiras na húmida térrea,

 

Habitas fingindo que sonhas no meu peito

corres e corres e corres pelo corredor do silêncio

como se fosses uma criança sem nome

ou uma flor sem cor

ou... uma mulher de sombras que habita nos túneis da solidão...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:40

foto: A&M ART and Photos

 

Sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou

Uma virgem encapuçada quando desce o Agosto das longínquas praias mergulhadas em incenso e em cartas de amor, devolvidas ao remetente, sou uma feliz prisioneira, à tua mão acorrentada, sou, uma, sou uma imagem escura, penumbra, fria, hoje, quando do ontem regressavam as algas dos rios onde dormias, e eu te esperava, sentada sobre a mesa da sala, de livro na mão, e com o candeeiro apagado, vivíamos em escuridão para afugentarmos os fantasmas das asas de papel, quando os Sábados

(ninguém regressou de lá)

As palmeiras diziam-se cansadas de balançar nas tardes de verão, e um vento ténue abraçava-nos enquanto escrevíamos poemas sem nexo, que ainda hoje vivem dentro de uma caixa de cartão,

(ela fugiu)

E o vento cessou de bater nas vidraças endiabradas, pareciam almas em corpos putrefactos, regressados do abismo, descíamos a calçada e sentávamos-nos sobre os finos paralelos do desejo, havia sempre uma flor que te esperava, meu querido, havia sempre uma

(Clarissa – Érico Veríssimo)

E havia sempre uma claridade no teu olhar, meu querido, e havia sempre uma nuvem azul com tempestades cinzentas, e havia sempre, meu querido, sempre, havia, havia sempre uma nuvem azul na tua boca, e sempre, havia, e havia sempre um silêncio de espuma nos teus lábios,

E

(the Sea)

E, hoje sei que o mar dormia nos teus bolsos, hoje, sei, hoje sei que o pôr-do-sol acordava porque os teus cigarros assim o determinavam, e eu não percebia, e eu, não sabia, que o mar, que ele e ela era tão importantes para ti, como a corrente que me prende ao teu peito de areia, e

(começaste a gostar de AL Berto por minha causa)

E hoje, hoje sinto que a corrente de aço que me aprisiona a ti, meu querido, começa a desmoronar-se, como as flácidas rugas do teu rosto de barro, e hoje

(the Sea)

Hoje (sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou) sento-me nas clarabóias poisadas sobre os telhados da cidade, e a cada pássaro que passa, peço-lhe perdão, peço-lhe que me traga novamente o mar emaranhado de algas, pedras, lodo, e os teus braços que ficaram apodrecidos como o casco do velho barco de esferovite, e hoje, hoje penso em ti como uma nuvem azul perdida sobre o Oceano...

(perdi as tuas cartas)

Como verbos suspensos no céu nocturno da saudade.



(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:51

29
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Eterno silêncio do charco de pedra

com as palavras que mergulham em lábios de silício

na mão do homem com o chapéu preto

obliquamente sobre o rio da morte

às frias folhas de papel mata-borrão,

 

Desenho-te na límpida fragrância do café com natas

enquanto um transeunte espera impacientemente pelas torradas

e as folhas de papel com poemas adormecidos

tristes

no cansaço da janela do beijo,

 

Subo pelo teu corpo acima

e sento-me em ti adornada montanha de pele em suor

deito-me sobre as tuas mãos como se eu fosse um cadáver sem nome

porque deixaste de prenunciar o verbo meu sofrimento

que ao rio de sangue embarca até desaparecer no umbigo da noite,

 

Sabes que sou eu?

o filho indesejado das palavras começadas por F

e terminadas em OR

eu aquele insignificante miúdo com calções de areia e sandálias de chocolate

das sanzalas envergonhadas como os cavalos brancos das invisíveis madrugadas,

 

Eterno silêncio do charco de pedra

eterno teu corpo de xisto embrulhado nos socalcos da dor

miudinha ela a chuva de alegria

dos teus singelos seios de neblina

ao cair a tarde no Douro Rio... no Douro AMOR.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

foto: A&M ART and Photos

 

Suspensa,

(preciso de viver dentro dos orifícios das paredes de linho)

Eu, suspensa entre uma nuvem azul e um sorriso encarnado, eu, sentada sabendo que o degrau onde me sento está literalmente,

(morto?)

Submerso na tua mão de borboleta com asas de veludo, ouvem-se-lhes lágrimas de pérola caírem dos pinheiros bravios de Carvalhais, e o miúdo à janela pinta o céu nocturno de cinzento, coloca uma árvore na terra funda onde o avô construiu o poço, e da morte ouviam-se-lhes motores engasgados em neblinas cansadas, tristes, como o vento depois da tempestade, o miúdo chorava, e imaginava cansaços nos esteiros onde se seguravam os braços das videiras e dos arames desciam gotinhas curvas de dor, sofrimento convertido em mármores da sepultura do livro embainhado nas ruas frias da aldeia, submerso

(suspensa, infeliz, apaixonadamente apaixonada pela noite das aves pintadas de amarelo)

Perdi-me em ti, murmurava o miúdo à janela com vista para a casa do tio Serafim, havia livros espalhados pelo quarto, e todos na casa dormiam, até a própria iluminação ténue que se fazia sentir por aquelas bandas, não pensava em nada, apenas

(imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje, Engordaste? Emagreceste? Estás mais alta, mais baixa, ou... assim-assim, esqueci também as palmeiras, o largo, não consigo precisar o diâmetro do largo, e o cheiro, Como será hoje o cheiro dela?)

Apenas os ratos em volta da caixa da farinha de milho, para os animais, para o fabrico do saboroso pão no forno a lenha, e nada mais, nem os latidos de um cão, que perdão, também lhe esqueci o nome, a idade, a raça, a crença, se existia alguma crença, e no entanto, ao longe, ouviam-se-lhes os sons frágeis do sino da Igreja,

(vivi sobre rochas de areia)

Sou eu, dizia-lhe o rapaz suspenso na janela da noite, suspensa ela também, sentada eu, sentada sobre um degrau moribundo, triste e doente, ele sente o peso do meu corpo e acaricia-me as nádegas húmidas responsáveis pela chuva dos últimos três dias de vida, (poiso os cotovelos no parapeito, todos dormem, e todos sonham que amanhã as nuvens azuis já não são azuis, e os tramados sorrisos encarnados, não, não se vão transformar em bolas de Berlim, não, os sorrisos encarnados vão esconder-se entre o milho e o feijão, porque o avô semeava milho e no meio colocava feijão, e quando o feijão crescia, agarrava-se ao caule do milho, e crescia, crescia, e crescia até chegarem ao céu...) e continuava a perguntar-se

Como vão ser os últimos três dias de vida? (vivi sobre rochas de areia)

(das abelhas?)

Vive-se, vive-se inventando janelas, vidros, paisagens, sorrisos, nuvens, vive-se acorrentado a um degrau de mármore com coração de aço, frio, tão distante o largo das palmeiras, e hoje como será o chafariz nas traseiras da coluna vertebral silenciosa da menina? (imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje, Engordaste?) qual das meninas? e os pássaros das nocturnas noites de Carvalhais não sabiam, e desconheciam, que existiam mais do que uma menina, e tal como eu, o miúdo com os cotovelos no peitoril a imaginar barcos a dirigirem-se de Carvalhais para o porto de Favarrel, e perdiam-se a meio caminho, e alguns, a grande parte deles

(naufragavam contra o canastro recheado de milho até ao tecto)

Não sobrevivia, e morriam.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:46

foto: A&M ART and Photos

 

Sei que tenho dentro de mim o grande lago da solidão, sei que à minha volta existem gaivotas com sorriso de poesia, sei que tenho sobre mim o silêncio dos barcos em poiso, como as ervas daninhas, como as pedras más, feias e com olhos de medo, sei que toda esta água me pertence, é a minha água, vida, paixão, o meu grande amor, sei que o tronco de madeira onde me sento, é um homem disfarçado, sem braços, cabeça, ou as pernas, sei que ele chora, sofre, como eu, e se ele pudesse

Abraçava-te,

Sei que tenho um destino pintado na tela adormecida do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras

M A R O,

Outras vezes,

O A M R,

Se eu pudesse?

(abraçava-te)

Se eu pudesse (sei que tenho dentro de mim o grande lago da solidão) chamava o barco dos sonhos e anda sempre de mão dada com a noite, deixava de inclinar a colher e tinha sempre a palavra AMOR respeitadamente formada e alinhada, e depois

Comíamos-la,

M A R O,

Outras vezes,

O A M R,

Se eu pudesse?

(abraçava-te)

Sopa de letras, sopa de cansaços, sopa, sopa, abraços, para quê?

(abraçava-te, mergulhava nos teus olhos de morango com natas, e escrevia no pavimento térreo do prato de sopa: SEMPRE TE AMEI MEU QUERIDO), Se eu pudesse? Comprava um banco de jardim com ripas de madeira, pintava-o de encarnado, escrevia numa pequena folha de papel “Cuidado – Pintado de Fresco”, comprava um plátano e estacionava-o junto ao banco de madeira, depois

M A R O,

Outras vezes,

O A M R,

Depois sentavas-te no banco de madeira, eu, eu sentava-me ao te lado, deitava a cabeça no teu colo, e, e M A R O, retirávamos o pequeno papel onde alguém escreveu “Cuidado – Pintado de Fresco”, e beijava-te, e, e O A M R, e, e (sei que tenho um destino pintado na tela adormecida do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras

M A R O,

Outras vezes,

O A M R,

Se eu pudesse?)

Amava-te.



(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:27

28
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Que faço aqui, vestida de corpo, nua, sobre um ninho de vento quando desce a madrugada, e lá fora, chove torrencialmente, há traços verticais de cor negra nas ardósias sobre as porta que habitam o corredor das amoreiras em flor, desconheço a cor da tua pele porque a tempestade me vendou os olhos com a página de um livro de poemas, mas imagino que sejas escura, como a penumbra das águas selvagens, mas imagino que sejas de barro com formas circulares e pintada de encarnado, e imagino que sejas a obra inacabada do Príncipe das noites dos sonhos, que faço aqui

(sobre uma cama travestida de divã, com duas mesas-de-cabeceira, dois candeeiros com lâmpadas que mais parecem fantasmas vestidos de ténues lençóis desbotados com uma porção desconhecida de lixívia, ela triste, ele feliz, a cama nem por isso, torcia-se e encolhia-se, quando repentinamente, corpo de mulher e lençóis misturaram-se como se fossem dois líquidos, ou uma porção de barro e duas de areia, ou...)

Que faço aqui, meu Deus?

(ou o sol que não há forma de entra neste infestado quarto por algas marinhas e peixes voadores, acreditas meu amor?)

Claro que sim, meu querido, acredito em peixes com asas, em vestidos de arame bordados com uma finíssima rede de aço, acredito em drogas, acredito em noites fantásticas, acredito em corpos esculpidos por mãos de silêncio, acredito em ti vestida de corpo, nua, sobre um ninho de vento quando desce a madrugada, e lá fora, chove torrencialmente, há traços verticais de cor negra nas ardósias sobre as porta que habitam o corredor das amoreiras em flor, desconheço a cor da tua pele porque a tempestade me vendou os olhos com a página de um livro de poemas, mas imagino que sejas escura, como a penumbra das águas selvagens, mas imagino que sejas de barro com formas circulares e pintada de encarnado, e imagino que sejas a obra inacabada do Príncipe das noites dos sonhos, que faço aqui...

Aqui, meu querido!

(aqui chove torrencialmente, imagino-te deitada sobre uma cama deserta, inerte, invisível, uma cama perdida numa cidade sem nome, não consigo precisar se estás vestida, nua, ou numa mistura das duas, sei que tens sobre ti a mínima luz da solidão, sei também, porque o imagino, que os teus olhos são castanhos, aqui, escuto-os a subirem as escadas até ao andar superior, imaginar-te de uma outra forma, é quase impossível, como é do teu conhecimento, vendaram-me os os meus olhos com uma página de um livro de poemas, e sinto-me triste)

Triste porquê, meu querido?

(triste porque chove, triste porque sou contra a destruição de livros, e a página que me venda os olhos verdes, jamais voltará ao seu destino, provavelmente, quando a venda me for retirada, será destruída, pelo fogo, pela água, ou terminará os seus dias como o pó, dos ossos, a voarem sobre a planície de trigo com a eira em pano de cenário, e o espigueiro encostado às sombras da tarde, esperando que o rego da água se encha de alegria, e circule em volta da terra fértil, as cinzas do teu corpo desnudo..., acreditas, então?)

Aqui, meu querido!

(ou o sol que não há forma de entra neste infestado quarto por algas marinhas e peixes voadores, acreditas meu amor?)

Sim, sim meu querido, claro que acredito.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:07

foto: A&M ART and Photos

 

Imagens, solstícios de imagens descem metodicamente do tecto do impostor prazer que a luz provoca nos corpos negros, absorvidos pelos espelhos e pelos cortinados de espuma, onde te ajoelhas, onde te deitas, onde

(me masturbo)

Imersas minhas mãos nos solavancos que os vidros de areia escrevem nas paredes de barro depois das chuvas dos finais de tarde, lamento informá-lo mas

(ela morreu de tédio, desassossego, ou)

Mas ficou-nos sobre a mesa-de-cabeceira as fingidas pétalas dos perfumes embriagadas depois de caírem sobre as lajes de granito os melancólicos ossos da paixão dos peixes, havíamos construído e declarado guerra aos apaixonados cansaços vestidos de sobretudo encarnado, circulavam pela cidade, durante a noite, em busca de imagens, comida e simples jornais desvairados que alguém tinha deixado nos caixotes do lixo, um dos títulos anunciava a possibilidade da queda do governo, e se ele cair, que caia, mas que não se aleije, salvo seja, senhores das imagens que entram pelos meus olhos, eu nua, eu com uma câmara fotográfica em busca de um passado desperdiçado nas clareiras águas salgadas das praias com varanda para as traseiras, íamos à janela, e suspendíamos os seios no peitoril cinzento com saliva esverdeada, perguntávamos-lhe o que tinha, e ela respondia-nos

Fígado,

(ela morreu de tédio, desassossego, ou)

(me masturbo)

Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe

Seja o que Deus quiser,

E se ele não quiser, paciência, venham as imagens esquecidas, venham os bancos de jardim com ripas de madeira, venham eles e elas, todos e todas, a luz e a escuridão, o silêncio e a algazarra, o branco e o negro, e as pedras, e

(os barcos de papel com melodias entrelaçadas nos dedos)

E as flores, todas as flores, não falando nas algibeiras com a laje apodrecida, as moedas, poucas, caem até se estatelarem na cave, sombria, e sem janelas e sem abraços, coitadas, infelizes, aqueles e aquelas, pobres miúdos de porcelana com sorriso de nuvem embebida no sono longínquo das amendoeiras em flor, e se eles caírem?

(Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe), um dia perceberás a minha cabeça, um dia perceberás que sou tão normal como todas as outras pessoas que circulam à nossa volta, como são as moscas, como são as abelhas, como são todas as imagens, e todas as palavras

Normais,

Sou normal como qualquer árvore do jardim de Luanda, ou como qualquer machimbombo ou como o Mussulo, normal, sou, como a estrada para o Grafanil, ou

Normais,

Ou o cheiro da terra depois da chuva, e um dia, um dia perceberás que apenas a mulher da máquina fotográfica, essa sim, louca como os comboios em direcção ao Tua

(pare, escute, olhe... atenção aos comboios)

Proibido fumar, peço desculpe PROIBIDO O TRÂNSITO PELA LINHA,

E o Tua morto,

É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair

Caiu como vão cair os finos fios de luz das mandíbulas empobrecidas, loucas, loucas, loucas como uma montanha de areia, com braços de aço e olhos de plástico, simplesmente, se caírem que não o façam sobre mim,

(É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair)

O importante são as imagens, e por muito que eu o descreva, acredite em mim, só vendo, consegue vossemecê imaginar uma mulher nua dentro de um quarto escura a fotografar sombras? E junto à mulher um escadote com acesso ao infinito? Consegue?

É claro que não, Fígado,

(ela morreu de tédio, desassossego, ou)

(me masturbo),

Ou por falta de luz...

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:18

27
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Escrevo-te, sabendo que não tenho papel, caneta, nem a vontade de o fazer, mas dentro de mim, escrevo-te, desenho letras na sombra do meu cabelo projectada numa mesa deserta, só, como a cadeira onde me sento e imagino-te no meu colo, e imagino-te com a cabeça deitada sobre o meu peito ofegante, como a ribeira a descer a montanha, entre pedras, arbustos e espantalhos de palha, entre pássaros e vontades de voar, sinto-te dentro do meu corpo como um ácido que me queime e aquece e faz mergulhar na penumbra dos teus olhos, tu

Enlouqueces-me,

Cresces como uma alga dentro do meu púbis, pintas-te de preto quando a noite entra pela janela e poisa sobre a secretária onde poiso os meus cotovelos, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardo religiosamente o líquido derramado dos meus seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como tu, ou como eles, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,

Não vens, hoje?

(enlouqueces-me?)

Há uma porta blindada com acesso para o telhado, o telhado é assente sobre barrotes de madeira apodrecida, diria mesmo, do Século XIX, e mesmo assim adorava esconder-me no local mais distante do prédio, no local mais quente, quando era verão, e o mais frio, quando era inverno, e mesmo assim passava lá eternidades misturadas em horas, que tempos depois transformavam-se em tardes, e depois, em dias

Não vens, hoje?

E tempos depois em semanas, e meses, e anos, e por lá fiquei até apodrecer juntamente com a velhice da madeira, quase morta, abria o postigo, e ao longe ouvia o silêncio das árvores, o bater de ramos dos pássaros negros, que ao cair a noite se perdiam nela, e tu

Eu, eu esperava-te, eu sentada numa cadeira de madeira com os braços e cotovelos assentes sobre uma velha mesa de madeira, assente sobre um soalho rabugento e quase sempre constipado, e tenho a certeza que há

(dias, dias e noites travestidos de barrotes de madeira apodrecida, escondia-se lá, até que chegava o mar e o levava para longe, e ouvia-se o ressonar das folhas das árvores de cartolina, e ouviam-se os sorrisos dos pássaros negros, em frente ao espelho do guarda-fato, fato e gravata, sapatos pontiagudos, lenços de papel), e ouviam-se-lhes

A certeza que há tristeza nos teus olhos de diamante adormecido, a porta blindada, e do outro lado de lá, eu cá, sinto-o, imagino-te sentada numa simples cadeira de madeira, descalça, tens os cotovelos suspensos sobre a planície da madeira envelhecida, e disseram-me que é lá que guardas as pulseiras de vidro, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardas religiosamente o líquido derramado dos teus seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como eu, ou como vós, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,

Não vens, hoje?

E ouviam-se-lhes os gemidos dos pés sobre o soalho húmido que as palavras trouxeram das docas embriagadas com os cigarros embalsamados e que ainda hoje vivem no mausoléu da ignorância, tínhamos

Tínhamos o que, meu querido?

(enlouqueces-me?)

Não vens, hoje?

(tenho medo de me apaixonar por ti)

Claro que vou, é só sair do sótão, descer as escadas, e logo, logo, e logo estarei sentado no teu colo...

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:27

Março 2013
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