Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

27
Mar 13

foto: A&M ART and Photos

 

Esta varanda que me alicerça o corpo às marés vazias, este ar e esta sensação de silêncio, que aprisiona os meus braços ao vento filho da rua das traseiras, este medo, esta manhã distante das estrelas complexas do nocturno céu da tua boca, uma janela, e

O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,

Esta varanda que me aperta o coração, sabendo eu, que há muito deixei de ter coração, cabeça, prazeres, solidões de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e começa o espectáculo

A vida de uma mulher de veludo, encenação de mim, e direcção de actores, também de mim, a tenda levita de quando em quando, saltita como seios roxos com pintinhas brancas e flores amarelas, e dizem que o mar entra pela porta da varanda, ela submissa na chávena de café olhando pensativamente a rua em ruínas como gaivotas órfãs pedindo esmola no cais das camélias abandonadas,

(solidões de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e começa o espectáculo)

E começa

O

Circo,

E começa

O

Teatro,

E começa o espectáculo dos pratos vazios sobre uma mesa de vidro, ela, a mulher de veludo, refugia-se na varanda da vergonha, bebe café e aquece as mãos com o medo da fome, inventam-lhe alcunhas, e obriga-se a submergir-se nos oceanos dos pilares de madeira depois de o vento abandonar as crianças e os idosos..., na esplanada dos olivais encalhados na serra do desassossego, há um rio doente, rio que sobe as escadas, e leva a mulher de veludo, e leva o corpo de uma mulher fingindo alegria

Viva a alegria, Alegria, Alegria, Hoje é dia de festa,

Meninos e meninas,

Senhoras e senhores,

Respeitável público..., A senhora de Veludo!

E os cortinados mergulhavam na solidão, e havia a tristeza disfarçada de fome, quando os pratos vazios, e os talheres, e os guardanapos..., voavam entre paredes da cozinha,

O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,

Na varanda,

E não regresses, eu a ouvi-los, os pássaros nas plataformas sobre as ruas em obras, telefona-me tá, e claro que não tá, nunca esteve, nunca estará, vestida, forte, de pé como uma estátua de bronze, pensava eu, na varanda, nua, uma janela em gemidos quando alguém tentava encerrá-la..., e claro, quem, digam-me, quem gosta de ser encerrado? Digam-me, quem gosta de ser aprisionado? Ninguém, ninguém, ninguém havia quando a terra começou a tremer, ela aos poucos, como pedaços de papel, desmoronou-se, de

Pedaço em pedaço,

De

Letra em letra,

Até chegar a palavra, chega, basta...

Fim.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:13

A&M ART and Photos

 

A loucura das rochas frias e escuras

entranhadas no meu corpo moliceiro

procura a chuva que acompanha o vento

e navega sobre os telhados da aldeia,

 

Esta frieza grande corrida da paixão

este cansaço

esta tristeza

que a noite deixa cair sobre o meu cabelo sonolento,

 

Fingir que amo as ervas orvalhadas dos oceanos invisíveis

caminhar sonhando voar sobre as nuvens de vidro

e que nada tenho

percebendo que os abraços morreram entrelaçados no meu pescoço,

 

A loucura das rochas escura e frias e solitárias

onde me sento e adormeço e finjo viver

não voando não amando os versos do mar

não tendo as palavras a culpabilidade de existirem na minha mão.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:58

26
Mar 13

A&M ART and Photos

 

Imaginava-te uma sombra de luz rodeada por leões e cavalos e abelhas, imaginava-te selvagem como as acácias do madrugar vento da cidade pintada de amarelo, imaginava-te hirta, morta, abandonada, numa tela de prata com fios invisíveis de chocolate e café depois do jantar, imaginava-te sentada numa pedra com cinco esquinas, três andares, e uma cave

Uma casa de banho e uma banheira, uma janela para o quintal da vizinha, velha e rabugenta, imaginava-te sentada na banheira a confidenciar segredos às pétalas de água em gotas minúsculas, e lá fora habitavam as grandes nuvens de tédio, brincavas com a espessura do sonho, e fechavas a mão no meu peito de xisto,

Imaginava-te no espelho da cave abraçada ao piaçaba, e teias de aranha, e o soalho em decomposição, imaginava-te o putrefacto esqueleto das flores apaixonadas pelos olhos do leão, e com sorrisos construídos em mentiras e finais de tarde imaginários, brincavas com o cavalo e com as abelhas, como o fazias em criança, e como o fazíamos enquanto amantes por correspondência, um curso suspenso no tecto da noite corpuscular, uma menina de celofane embrulhada em relógios a pilhas, e tudo quando depositávamos os pertences mais secretos num armário incorrecto, em pedaços de lixo, sem porta, como as lareiras de trás-os-montes

O frio silêncio em meus braços,

Imaginavas-me sentada na banheira, olhava a torneira e sentia o vazio da água a correr, imaginava-te como um rio, entre pedras e curvas, até que ao longe, da janela, sabia que encontravas sempre, que encontravas o mar, mas hoje, hoje percebo que perdeste-te nas imagens brancas de uma cidade inexistente, uma cidade sem casas, uma cidade com fome, sem amor, e eu, parva, imaginava-te a subires os quase cinquenta degraus, ouvia-te o pulsar do coração, ouvia-te a voz pregada ao corrimão e quando batiam à porta

Ele está?

Mentia-lhes e dizia-lhes que deixei de ver-te como quem abandona um álbum de fotografia, com histórias, com corações e nas traseiras dela inscrito “EU + TU”, mentia-lhes e dizia-lhes que a última vez que estive contigo foi nos rochedos junto ao cais dos homens apaixonados, onde sempre que vem a trovoada de incenso, uma boca procura docemente os inocentes poemas da menina que passa as horas sentada na banheira a brincar com a água, a imaginar

A praia, o mar em decomposição, as janelas do ciúme às portas da ruína, os automóveis procurando alimentarem-se de saliva, beijos e outros pequenos organismos, sempre, vivos,

A imaginar do longínquo campo de trigo, um corpo, nu, deitado entre a terra e as pedras ao redor da eira, o canastro dorme com as espigas de milhos colhidas no ano anterior, às vezes, desaparecia e escondia-me lá dentro, deitava-me em cima do milho e imaginava-te

Nos teus braços, lábios,

Imaginava-te sobre mim como as pequenas sombras de luz que as fendas das ripas construíam nas doiradas espigas, pedia que começasse a chover, e o sol fazia de mim um boneco cansado, um boneco de palha seca, e um chapéu com três ou quatro buracos, estava de pé e encontrava verticalmente com a ajuda de um cabo da piaçaba,

Na cave, entre teias de aranha, imaginava-te mergulhada no círculo trigonométrico e traçava ângulos no teu peito, calculava a tangente três meios de pi, e entre os teus seios, sabia que dois triângulos rectângulos brincavam como duas mãos de milho, seco, dentro do espigueiro, com ranhuras de luz,

Nos teus braços, lábios, a carlinga pesadíssima poisada nas pedras abandonadas das tardes encobertas, pedíamos sol, e tínhamos chuva, pedíamos beijos, e infelizmente, nunca tínhamos beijos, nem água, nem a banheira para ela brincar, imaginava-lhe uma banheira e imaginava-a sentada à beirinha como se estivesse dentro de um barco a remos a olhar distraidamente os finos papeis de esperança onde escrevíamos recordações com marisco, bebíamos cerveja e sonhávamos com papagaios de papel sobre o Céu, logo pela manhã, mesmo antes de acordarmos,

E acordávamos ressacados, dávamos conta que não tínhamos banheira, o pequeno barco a remos encontrava-se estacionado junto ao contentor do lixo e a janela da casa de banho, onde eu a imaginava sentada esperando pelo meu regresso, nunca

Existiu,

(tínhamos medo da solidão, comprávamos cigarros avulso e líamos os jornais da semana anterior, tínhamos alguns livros que íamos vender para comermos, e um dos teus cachimbos queria fugir, tentou cortar os pulsos com um isqueiro, não o conseguiu, não teve coragem para o fazer, e, mentia-lhes e dizia-lhes que deixei de ver-te como quem abandona um álbum de fotografia, com histórias, com corações e nas traseiras dela inscrito “EU + TU”, mentia-lhes e dizia-lhes que a última vez que estive contigo foi nos rochedos junto ao cais dos homens apaixonados, onde sempre que vem a trovoada de incenso, uma boca procura docemente os inocentes poemas da menina que passa as horas sentada na banheira a brincar com a água, a imaginar)

E imaginava-a, sem roupa, dentro da banheira com espuma de Primavera.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:06

Foto: A&M ART and Photos

 

Há um amontoado de espelhos e cobertores

que me levam até ti

há um corrimão onde poisamos as nossas mãos

e juntos

procuramos o sol,

 

Há um sótão

onde supostamente habita esse procurado sol

tem uma janela com pequeníssimos vidros de cetim

e uma fotografia para o mar

onde partem e regressam os barcos de brincar,

 

Leio os livros espalhados nesse sótão

onde às vezes adormecemos vaiados pelo cansaço da noite

mergulhados em palavras

e imagens

e sonhos suicidados dentro das tempestades do inferno,

 

silêncios dentro do sótão

fragmentos de porcelana abraçados a pedaços de cola

há uma jangada com velas de linho

que dentro do sótão pedem clemência ao vento traiçoeiro,

 

Há beijos disfarçados de solidão

e bocas em desejo

nos lábios da insónia...

há em mim coitados pássaros loucos

pássaros que só o nosso sótão consegue alimentar.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 17:01

25
Mar 13

A&M ART and Photos

 

É da tua voz difusa que os traços de suor

acordam nas pétalas loucas que os poetas inventam

misturam-se nos teus lábios (sem que eu saiba se são doces ou amargos) sílabas

de água perdidas entre rochas e árvores de candeias

à luz semeada pelo diáfano silêncio dos desertos cansados da tua boca,

 

Há dias que não percebo esta solidão de areia

que o vento levita das pequenas junções das lajes de granito da eira de Carvalhais

e no entanto

acompanha-me o melódico sorriso do melro alegremente

penso eu (apaixonado) porque faz balançar os pinheiros dos sonhos,

 

Atravessas a cidade sobre o arame da saudade

e deixas cair sobre mim

as madeixas de papel que se desprendem do teu cabelo revoltado

com palavras misturas-lhe palavras em constante equilíbrio

e sofrimento de dor,

 

Inventas o rio para me alegrares

mas até isso me entristece como me entristecem as amarra de aço

que prendem os barcos apodrecidos

(também eles de aço)

a um cais de desassossego que tu dizes ser meu quando nasci das finas cordas que as gaivotas engolem,

 

Apetece-me subir ao andar superior onde habitam os gemidos da tua voz

que definem os traços de suor

que a pobre ardósia escreve construindo a geometria do amor

Dois quadrados podem ou não podem apaixonarem-se um pelo outro?

E dois triângulos de Luz?

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34

foto: A&M ART and Photos

 

É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, memorizam números como do primeiro beijo se tratasse, recordam as portas calafetadas e as janelas com os vidros estilhaçados pelos suspiros que o amor provoca nas primeiras horas da manhã, uma parede sem palavras escritas, mórbidamente suspensa numa corda de nylon, diz o povo que se enforcou, de uma casa, e do primeiro andar, uma varanda, uma grade em ferro, e imagens desfocadas, mortas, que nunca existiram na realidade, tocava o telefone, uma enorme e velha campainha como o sono quando demorava a regressar, aproveitava entre toque para contar os carneiros que deambulavam no tecto do quarto, e quase sempre

Faltam-me dois carneiros, E a esposa dizia-lhe Deixa lá marido, o que são dois carneiros?

Tirando a lã, nada,

E antes de pegar no auscultador mais pesado do que um saco de cimento, queixava-se da dor sobre os ombros, e mentalmente não se recordava de qualquer esforço extra, mas claro, como ele às vezes fazia menção de dizer, A idade avança e os meus ossos já precisavam de reforma, e de tempo, e de melancolia, e das noites, e avariadas quando entravam porta adentro um esquadrão de

Ratazanas?

E tirando a lã, nada,

Não, claro que não,

Pegava no auscultador e do outro lado da ardósia parede de gesso, ouvia a voz mais pequena quase do mundo, mas neste caso, a voz mais pequena da aldeia dos macacos, Tou, Tio?

Sim, Sou o Francisco!

Saudades tio, saudades...

Deve estar a precisar de dinheiro, só me conhece para isto, este miserável,

Diz lá rapaz, alguns problema?

(É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, memorizam números como do primeiro beijo se tratasse, recordam as portas calafetadas e as janelas com os vidros estilhaçados pelos suspiros que o amor provoca nas primeiras horas da manhã, uma parede sem palavras escritas, mórbidamente suspensa numa corda de nylon, diz o povo que se enforcou, de uma casa, e do primeiro andar, uma varanda)

Era só para o ouvir, respondia-lhe ele, e claro, pensativamente vinha a desconfiança, porque ninguém telefona a outro alguém, apenas para o ouvir, ou

Saudades da sua voz,

(Chaleiro)

Ou,

Ratazanas?

E tirando a lã, nada,

Não, claro que não,

Saudades, claro, também eu, do granito clandestino de que eram construídas as clarabóias com pedaços de cartão reciclado, e quando alguém batia à porta, ele

Tou?

Sou eu, tio Francisco!

Agora este deve pensar que sou o novo Papa, Sou Francisco, claro, mas um simples Francisco, menos do que as flores e os pássaros e as pontes, menos ainda do que as

Ratazanas?

Claro, sim, talvez,

É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, sinto nas minhas coxas calcinadas pelo odor do primeiro beijo as nuvens de porcelana que Deuz se esqueceu sobre a mesa da cozinha, sentada, não sei, o que fazer

Talvez, claro, quem sabe,

Porque não me amas, e confesso que não sei responder-te, não sei, tal como tu não consegues perceber a razão do teu sobrinho segredar-te que tem

Saudades?

Sim, claro, talvez,

Não sei,

Tou? Sou eu tio Francisco, Diz lá rapaz?

Digo,

Quem pode ter saudades da voz de um homem velho, cansado, com duzentos e seis ossos pesados como chumbo, húmidos, pronto no cais de embarque, quando ele tem a certeza que não regressará mais

Aquela manhã de Novembro,

Aquele sonho de açúcar,

Ou,

O toque do telefone, Saudades da tua voz, tio Francisco, nada mais...

Ou,

Saudades de voar, querido sobrinho.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:22

pag. 465 (poema de Francisco Luís Fontinha – Cachimbos de Prata)

 

 

Um pedacinho de névoa

entranha-se na tua doce boca vestida de alecrim

e das algibeiras insónias madrugadas

acordam as imagens fictícias do orvalho incendiado pelo incenso doirado

olho-te vagarosamente no espelho mental das árvores danificadas

pelos ventos e tormentos que em ti navegam

perdidamente como uma gota de água

esquecida num banco de pedra debaixo de um plátano tresmalhado

e doente apaixonado

pelos orifícios indistintos do velho jardim

um pedacinho de névoa

entre os teus lábios narcisos e a tua língua rosa com pétalas de amor,

 

Oiço a tua mão voraz desenhando letras nocturnas

em nuvens de seda

oiço os teus gemidos transversais contra as paredes do velhíssimo relógio

suspenso no peito cansado e triste do homem das sete patas de madeira oca

oiço a voz rouca de um cachimbo de prata

saltitando

dançando

nas eiras graníticas das canções que a infância comeu

em pequenos torrões de açúcar

misturados com sílabas de céu estrelado

e sandes de marmelada

ao pequeno-almoço,

 

Pedia-te sossego e tu desaparecias de mim

dançando

saltitando

como um cachimbo de pedra adormecida pelas vagas contra os rochedos

dormíamos dentro dos ouvidos da praia

e antes de encerrarmos definitivamente os cortinados da Aurora Boreal

entrava em nós o Rossio vestido de gente

com mãos de noite

ouvíamos o rio nas catacumbas do amor

a pintar estrelas de luz

e luas de papel

e eu sabia que tu nunca mais irias regressar das salivas amargas do primeiro amor...

 

 

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:56

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:05

24
Mar 13

A&M ART and Photos

 

Fingias tristezas

no planalto imaginário das palavras incompreendidas

desenhavas as árvores e os arbustos que a despedida levou

quando regressou a tempestade de areia

e o teu corpo permanecia absorto ou morto ou simplesmente infinito,

 

Perdido nas íngremes amargas letras vermelhas

imagens a preto-e-branco projectavam-se-lhes como dentes de marfim

em crocodilos de madeira negra

húmida

também ela ausente da Primavera tarde que o silêncio amanhava,

 

E hoje

ninguém

coragem

ninguém o apanha do cinzeiro vestido de abelhas flutuantes

quando me escrevias insignificantes palavras desconexas,

 

Velhas

cansadas

mentiras de anda

como as madrugadas de cimento

e a marmelada caseira,

 

Minhas manhãs de nada

ou nada sabendo que não estás nas fingidas tristezas

de livros ou papel amarrotado como as lanternas da solidão

e que sim que simplesmente levitou

às mágoas uivas maçãs do prazer...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:50
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Deixaste-me uma simples caixa de sapatos com alguns dos meus segredos, os poucos sonhos que sobejaram da grande viagem aos montes das pedras mortas, nenhum sobreviveu, nenhum conseguiu atravessar a ponte espacial, o famoso túnel de vento onde com o meu corpo, tu, experimentavas as leis aerodinâmicas, e nunca, nunca conseguiste que eu voasse, e confesso hoje, sem qualquer medo, que te mentia, porque nunca me imaginei a voar, mesmo quando me ias buscar ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu

Percebia,

Que

Que um carrossel de vinho girava dentro do meu corpo preguiçoso, e sabia-o, sabia-o nas traições murchas palavras que as flores deixavam cair quando o vento era muito, regressávamos às tempestades de suor, e diziam-nos que o barco com asas de íris tinha mergulhado num buraco espesso, escuro, fundo, cinzento, que

Percebia,

Que este carrossel tinha cadeiras de madeira presas a correntes, que este carrossel rodava em torno de um veio de aço com duzentos e seis ossos, trinta e dois dentes de marfim, e um par de unhas de gel,

Irra? Vinte Euros por isso...

Compravas dois livros,

Mas mamã, com as unhas de gel fico lindona, e com os livros... quem me vai ver com os livros, e mamã... para que me servem os livros? O que eu preciso é de um homem rico, como o teu, que paga todas as nossas contas, Contas?

Sim, um, dois, três, quatro, cinco vezes três, vinte e cinco a dividir por três, o cosseno de três pi radianos..., ou que nos revolva a raiz quadrada de três mil quinhentos e quarenta e cinco, vês? Contas, o que nós precisamos são de contas pagas, com a respectiva factura, Factura?

Claro, factura,

E Fatura?

(Não, chinês não saber o quê fatura)

Numa simples caixa de sapatos, sonhos, berlindes, fotografias a preto-e-branco, bonecos, vestidos para os bonecos, tudo, tinha lá todos os meus pertences, e agora?

Nada, perderam-se as fotografias, agora são a cores, não gosto, odeio, e detesto,

Berlindes?

Rebuçados de água e açúcar, mangas ao final da tarde, chovia-nos no quintal porque a lona da tenda com alguns problemas de sonorização, e pelas ranhuras entram sons externos ao espectáculo,

Sons? Não era a chuva?

Também, também, e quando era em demasia transbordava da caixa de sapatos, e hoje, abro-a, e olho-a, e sinto (o famoso túnel de vento onde com o meu corpo, tu, experimentavas as leis aerodinâmicas, e nunca, nunca conseguiste que eu voasse, e confesso hoje, sem qualquer medo, que te mentia, porque nunca me imaginei a voar, mesmo quando me ias buscar ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu), e sinto as cancelas da noite a encerrarem-se depois de ela me despir e deitar,

Eu sonhava,

Ela desesperava,

Eles,

Cruzavam os braços em direcção ao pôr-do-sol, e como o correio, só tínhamos pôr-do-sol duas vezes por semana, e quanto a marés, essas, apenas três ou quatro vezes por mês, e mesmo assim, éramos tão felizes, e mesmo assim éramos as gaivotas embalsamadas que, também elas, só apareciam dez vezes por semana, quando acordava o dia e quando a noite desaprecia

Em ti,

Como ainda hoje desaparecem todos os meus berlindes de chocolate, como ainda hoje

Em ti,

Barcos de papel perdem-se no oceano teus seios de amêndoa, flutuam como algas em desespero, levantam voo, abrem as asas, e caem sobre as madrugadas filhas dos cortinados de Inverno, barcos, perderam-se, no

Teus,

Oceano,

Seios de papel que as gotinhas da chuva deixam ficar sobre as pétalas mortas, eu inseria a moeda na ranhura, ele devagarinho começava a girar, e eu, aos poucos, sentia-me envergonhado, redopiava, e de vómitos suspiros, girava e girava e girava..., até que terminadas as voltas, e a duração da moeda, estonteante, cambaleava, e ela ia buscar-me ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu

Percebia,

Que,

O carrossel tinha cessado os seus movimentos dentro do corpo dela., como o mar, quando desiste de viver e suicida-se contra os rochedos dos sexos recheados com insónia.



(texto de ficção não revisto; qualquer coincidência com a realidade é pura ficção)

@Francisco Luís Fontinha



P.S.

(mamã, parti uma unha..., ai minha filha, valha-nos Deus, valha-nos..., porque se ele descobre, se, amanhã, podes ter a certeza que estamos sentadas no passeio junto à Marilú, a pedirmos esmola, e depois, mamã, quem nos vai fazer as contas? Talvez, ai... valha-nos Deus, talvez nos apareça outro palerma bom em matemática).

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:55

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