Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Mar 13

Ei-lo que se recusará a regressar antes que a ponte velhíssima de madeira se desmorone sobre as pálidas algas das tristes tardes de Inverno, ei-lo, o transeunte mais procurado dos Pinhais de Cima, aldeia pacata e silenciosa que cresceu, aos poucos como um cogumelo de areia, entre as rochas fragmentadas das cabeças ocas dos homens com pernas de cimento, enferrujado o aço, sobejaram algumas paisagens que um fotografo famoso guardou para a posteridade, algumas fotografias a preto e branco, porque ele sempre amou as fotografias a preto e branco e não se cansa de dizer que

São como as mulheres, belas,

Uma fotografia a preto e branco e uma mulher, ambas elas belas, e a diferença está no papel, a fotografia exibe um papel macio, cristalino e cintilante, e a mulher, exibe uma pele de sombras que caminham sobre as ondas cristas que a maré desenha nos desejos depois de partir o pôr-do-sol e antes de regressar a lua,

Ei-lo, o ausente mutante que acreditava nas palavras que lia, ei-lo agachado no pavimento húmido dos quartos reles de pensões miseráveis, e no entanto, ele, preferia as fotografias a preto e branco, e às mulheres, das mulheres recebia uma chave de carícia em formato de três por três e que tinha como objectivo abrir todos os corações mais secretos e encerrados das noites ilimitadas, quando a tangente de (x) tende para uma cama com lençóis de papel e um guarda-fato com um espelho onde se vê o círculo trigonométrico das mulheres de coração claustrofóbico, ele

Sou uma fotografia aparvalhada, vesti-me de palhaço, sem tenda de circo e apenas com uma roulote dei duas voltas à aldeia dos Pinhais de Cima, e desenha no invisível rectas, cubos, círculos, triângulos e meninas de chocolate,

Existem mulheres a preto e branco como fotografias com coxas transeuntes, e têm o coração tão fechado, tão fechado, que nem o amigo Rocha das Chaves consegue abri-los, coisas dos artistas, escritores e poetas, porque se eu tivesse a habilidade que ele tem para abrir fechaduras...

Meu Deus, quantos corações,

(paciência, cada um tem o seu ofício, e eu, não tenho nenhum)

E eu tenho muita, como as árvores, vou esperando que cessem todas as tempestades e que uma nuvem com recheio de amor desça às profundezas das masmorras onde se passeiam correntes e argolas e animais ferozes, a selva desceu à cidade, os rios fugiram para a montanha, e um ditador roubou-nos o mar, mas não nos importamos, já nos roubaram tantas coisas

Que

É mais uma, que diferença faz?

(este bloqueio vai estar activo durante mais 1 dia e 23 horas)

Que nascemos para vivermos sobre tempestades (só alguns) e que também (só alguns) são incapazes de abrir uma simples fechadura, ou

Arrombar a janela de paixão,

Ou levitar sobre os telhados dos Pinhais de Cima, vestido de domador de feras, porque começando por ele, há feras completamente indomáveis como o porteiro do edifício contiguo à repartição onde trabalha o Alfredo, o velho Alfredo que desde que me lembro espera e desespera pelo regresso

E ei-lo que se recusará a regressar antes que a ponte velhíssima de madeira se desmorone sobre as pálidas algas das tristes tardes de Inverno, ei-lo, o transeunte mais procurado dos Pinhais de Cima, aldeia pacata e silenciosa que cresceu, aos poucos como um cogumelo de areia, entre as rochas fragmentadas das cabeças ocas dos homens com pernas de cimento, enferrujado o aço, sobejaram algumas paisagens que um fotografo famoso guardou para a posteridade, algumas fotografias a preto e branco, porque ele sempre amou as fotografias a preto e branco e não se cansa de dizer que são como as mulheres, belas, e como as flores, ainda mais belas que as fotografias, mas

Menos belas que as mulheres a preto e branco.

 

(ficção não revisto)

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:11

07
Mar 13

Poema de Francisco Luís Fontinha incluído na “Antologia de Poesia Contemporânea Vol. IV, Entre o Sono e o Sonho”.

A apresentação será no dia 16 de Março pelas 15:00 horas, no salão Preto e Prata do Casino Estoril.

Obrigado à Chiado Editora e ao Gonçalo Martins.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:21

Vou sonhando, vou, dentro das águas milenares que da fonte da inocência brotam, deixei de procurar-te, tal como deixei de me importar com o sal que a água transporta, e às escondidas, e

Vou

E sem saber que a vizinha que eu pensava existir apenas no espelho do guarda-fato, porque era naquele lugar que eu a encontrava todos os dias, hoje

Bateu-me à porta,

Procurou-me, e deixei de a procurar, desisti dos cabelos negros com olhos castanhos e pele cor de chocolate, bateram-me à porta, preparei-me para abrir, e ela parecendo uma rosa descida do pedestal do silêncio, murmurou-me, gritou-me, infernizou-me a paciência

O vizinho por acaso tem sal que me empreste? Respondi-lhe que não, que o único sal que disponho é o que transporta a água, e que me desculpasse mas estou com pressa, vou sair, preciso de sair desta casa

O vizinho é mesmo um rabugento e mal educado,

Pois sou, claro que sou, mas não fui eu que lhe bati à porta a pedir sal, fui?

É por essas e por outras que vai morrer só, E passei-me, e respondi-lhe deselegantemente que o facto de estar só não quer dizer que esteja só,

Ela

Não percebi,

Eu

Também não é para a senhora perceber e desculpe-me mas tenho de encerrar a porta, vá ao vizinho do segundo esquerdo, parece que esse tem sempre tudo,

Ele é o colesterol, ele é bicos de papagaio, ele é a próstata, ele é o esqueleto empenado..., talvez tenha sal, quem sabe?

Ela nunca me gramou, sempre me desculpou nas minha aventuras, mas eu sabia que fingia, e nunca me perdoou as fendas que deixei nas paredes da vida, ela nunca percebeu que eu apenas tenho alguns cachimbos e uns tantos livros, nada mais, e no entanto, bastantes CDS, considero-me um barco feliz, tenho asas, voo sobre os telhados das aldeias de zinco, quando quero, puxo da âncora e estaciono num qualquer banco de jardim,

“Cuidado, pintado de fresco”,

E quando percebo, zás..., o casco recheado de listras encarnadas, como um prisioneiro abandonado no cais do inferno, quando o rio se transforma em absorto desejo das entranhas algibeiras de prata, das mãos, incham os dedos coloridos com sabor a limão, e erguem-se-lhe do ventre as flores mortas que as noites se poisam nos seios de oiro clandestino,

Ouvia-te permaneceres sentada nas árvores anãs do jardim do sétimo andar direito, e um desejo de vidro sinto-o apaixonado pela janela que o homem de xisto e a mulher de socalco, deixaram embalsamada como as casas em ruínas da minha alegre vida,

As paredes de gesso, fendilhadas raízes sobre a terra queimada, o azul regressou hoje a casa, na boca trazia a dor de mais um dia passado em branco, junto a uma parede de cimento, vestido de preto, com um lindo chapéu de abas largas, o azul entranha-se-lhe no púbis como o mar quando sobe as escadas do abismo e desaparece entre telhas de vidro e chapas de miniatura com mistura de chocolate e amêndoa, e

Nunca vi uma mulher sentada sobre o mar, mas não invalida que não exista uma, uma apenas, porque também nunca tive o prazer de olhar um protão e ele existe

Vive nas recordações que a terra engole todas as quintas-feiras ao meio-dia, e como barco que era, fazia-se ao mar, tapava os ouvidos para não ouvir os lamentos da vizinha, porque

Umas vezes era o sal, outras, outras a salsa, outras, insignificâncias com as palavras que ele escrevia,

“Porque o que ela quer é peso”, o insignificante Alberto a preencher-me os ouvidos, e eu respondia-lhe És parvo pá, ela é doida, só isso, nada mais do que isso,

E escrevia, escrevia as parvoíces do dia como se fossem histórias de encantar, e de encantar, de encantar apenas os sons do relógio da torre da Igreja, vou sonhando, vou, dentro das águas milenares que da fonte da inocência brotam, deixei de procurar-te, tal como deixei de me importar com o sal que a água transporta, e às escondidas, e

Vou

E sem saber que a vizinha que eu pensava existir apenas no espelho do guarda-fato, porque era naquele lugar que eu a encontrava todos os dias, hoje

Bateu-me à porta,

E hoje descobri que vou...

 

(ficção não revisto)

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:09

06
Mar 13

Pedi a todos os sons que se calassem e, cessou-se-lhe a respiração, vi, como se fossem uma nuvem de fogo, dois olhos a separarem-se de uma cabeça com caracóis loiros, dos lábios, um fino aroma a morango sobressaía e emergia do pequeno cadáver que Deus (como é costume dizer-se) tinha chamado até si,

Perguntava-me

Porquê ela?

Responderam-me que era a vontade de Deus, e eu, eu que nunca contrariei a vontade dele, mesmo discordando das suas leis, às vezes, egoístas, aceitei

E

Porquê ela?

Perguntava-me,

E porque não eu? Sim, podíamos trocar de posição, e em vez de ela adormecer eternamente no leito de lençóis bordados com flores e corações, poderia muito bem ser eu, eu no lugar dela, eu enroscado nos pedaços de cartão que arrebanhei do caixote do lixo, que todas as noites dorme na esquina da rua,

Porque eu, dizia ele, não faço falta,

E eu, não concordo, porque todos fazemos falta, mesmo os cadáveres indefesos, sem família, sem nada, mesmo esses, alguém sentirá a sua falta, e por isso proponho

A Associação dos Cadáveres Abandonados, com sede numa rua perdida dentro da cidade também ela perdida, uma cidade completa, com árvores e pássaros e barcos, e homens e mulheres

Que dormem embrulhados em pedaços de cartão,

(Pedi a todos os sons que se calassem e, cessou-se-lhe a respiração, vi, como se fossem uma nuvem de fogo, dois olhos a separarem-se de uma cabeça com caracóis loiros, dos lábios, um fino aroma a morango sobressaía e emergia do pequeno cadáver que Deus (como é costume dizer-se) tinha chamado até si),

E homens e mulheres, tristes e sós, vivos e obrigados a transportar um esqueleto desclassificado e não catalogado, alguns até, já perderam metade dos ossos, outros, outros tiverem e sentiram a necessidade de os venderem, e há sempre um oportunista à procura de pechinchas

Porque eu, dizia ele, não faço falta,

E eu, não concordo, porque todos fazemos falta, mesmo os cadáveres indefesos, sem família, sem nada, mesmo esses, alguém sentirá a sua falta, e por isso proponho, proponho-me a vestir-me de estátua e ficar eternamente num dos jardins a fotografar à distância o rio, também ele, um cadáver, triste como eu, alegre como ela,

A Associação dos Cadáveres Abandonados associa-se às pechinchas & pechinchas do senhor Manel Zé, cigano respeitado e honesto, criador de cavalos e comerciante na área dos fios de cobre, e quando tem algum tempo, dedica-se a fabricar ouros em casa, e diz que são como os originais, mas depois de os acariciarmos, notam-se-lhes os ossos, um esqueleto esquelético como os suspiros de amor que a mulher dele, a dona Maria dos Anéis transporta nas axilas, e lá fora chora-se a partida da querida Margarida com os seus loiros caracóis e que por dificuldades da própria vida decidiu ir para longe, muito longe, até que ninguém se lembre dela,

E homens e mulheres, tristes e sós, vivos e obrigados a transportar um esqueleto desclassificado e não catalogado..., como os cortinado pesadíssimos, negros, que encerram as janelas da paixão, escondem as flores verdadeiras, enquanto as outras, de papel, fingem orgasmos nas asas das abelhas entre margens de um rio doente, pestilento, ofegante, ouviam-se-lhes as garras a atingirem as mandíbulas dos triciclos de aço, mabecos em fúria num País desorganizado e amedrontado, e diziam-me que no capim viviam sonhos

Rebolava-me sobre ele, escavava cavernas e inventava guerras com soldados de borracha, e juro

Nunca vi e senti, um sonho, portanto

Mentiram-me,

Mentiram-me como me mentiram quando me disseram que foi Deus que a escolheu, quando hoje sei, tenho a certeza, que ele, ele não tem paciências nem forças nem vontade

De se meter nessas coisas,

Mesquinhices de mulheres do soalheiro, escadas sem patamar semeadas por velhas, que esperam, esperam pela chegada do campanário, da chama iluminada de palavras, e depois de um crucifixo enferrujado atravessar durante a noite o rio dos Desgostos, elas, coitadas, ainda acreditam no poder

Do sabão em barra de antigamente,

E claro que ele não se mete nessas coisas, ele não é de mexericos, do disse que não disse, e certamente terá muito mais em que pensar, olha por exemplo

Como irá ele resolver o problema das infiltrações que estão a afectar severamente o sótão, e alguns dos livros já se encontram misturados numa penumbra húmida com listras verdes e amarelas e negras, outros deles, intactos, e até parece que nada lhe acontece, saúde de ferro como o bisavô António, sentado na eira a enrolar cigarros só com uma mão e a contar-me histórias da Primeira guerra Mundial, coitado, coitados deles, dos vivos, dos mortos e dos que cá chegaram transportando um esquelético esqueleto onde já se notava a falta de alguns ossos, talvez os tenham trocado por comida, ou

Perdidos pelos campos imensos e desconhecidos,

Eles regressaram, ele regressou,

E encontrou uma junta de bois mais esquelética do que ele e do que alguns dos seus camaradas, como é cruel a vida, e os chamamentos com as inexplicáveis cartas de chamada, hoje

Senhor Francisco?

Sim, sou eu,

Acaba de ser contemplado com uma viagem para o Além...

E Pergunto-me

Porquê, Porquê eu?

 

(ficção não revisto)

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:27

05
Mar 13

Carlota Maria acordara com o barulho ensurdecedor que o vento provocava nos braços de Alberto, dentro dela, Humberto, cavaleiro, passeava-se de armadura de papel e montado no seu cavalo de oiro com finos olhos de porcelana, recordava os tempos infinitos vividos numa guerra inventada, num País inventado, onde todos os dias era Inverno, uma criança brincava junto aos pés de Alberto, empoleirava-se num triciclo com assento em madeira e velhos ferros das intempéries chuvosas alicerçadas às raízes que faziam estremecer o coitado do Alberto,

De vez em quando, Alberto balançava as grandessíssimas mãos de ébano sobre os cabelos movediços de Carlota Maria, ela

Vestia-se simplesmente, tinha olhos que pareceriam diamantes e da boca ouviam-se-lhe os gemidos dos gonzos que suspendiam os dentes em marfim, nas traseiras, a criança com uma vara metálica procurava o mar, Alberto fingia que dormia, enquanto dentro da Carlota Maria um silêncio de prata começava a clarear, percorrendo cada milímetro dela, o menino gritava por ela

Ela, docemente nos abraços do cavaleiro, não a ouvia, e se a ouvia, fazia ouvidos de marcador, e eu, eu permanecia sentado, alguns metros de distância de Carlota Maria, percebi que havia um menino em cima de um triciclo e que procurava o mar, como um outro menino, num outro continente, que tanto procurou o mar que se cansou, e hoje

Não consigo ouvir, ler, nada, a palavra mar,

Ela dançava com as mãos poisadas na cintura de sílabas mortas, e quando o cavaleiro Humberto entrava dentro dela com toda a sua fúria, ela

Chorava,

Ela chamava pelo Alberto, mas este, entretido com o menino do triciclo pensava;

E quando eu morrer?

O que será do menino? O que vai acontecer à Carlota Maria?

Ela gemidamente estremecia com os soluços do cavalo, e o mar nunca apareceu,

E quando eu e a Carlota Maria e o Humberto e o menino, todos, morrermos? O que será do narrador sentado no muro de xisto a cerca de cem metros de nós...

Ela, docemente nos abraços do cavaleiro, não a ouvia, e se a ouvia, fazia ouvidos de marcador, e eu, eu permanecia sentado, alguns metros de distância de Carlota Maria, percebi que havia um menino em cima de um triciclo e que procurava o mar, como um outro menino, num outro continente, que tanto procurou o mar que se cansou, e hoje sons estranhos dentro de mim, o medo,

O Alberto tem medo de voar, Carlota Maria adora voar mas apenas se com ela for o cavaleiro Humberto e o seu cavalo de palha, e o menino

Não sei, prefiro o mar e todos os barcos que brincam no seu ventre, como os bebés, antes de nascerem, comunicam através de sons, ténues limas de luz, poucos os percebem, mas sei que um dia alguém vai pegar no menino e partir, e apenas ficará um velho triciclo com um apodrecido assento em madeira,

E sinto-o, o medo

O Alberto pálido agacha-se e embrulha o menino nos braços, Carlota Maria sorri aos encantos do cavaleiro Humberto, e eu, eu sentado no muro de xisto a contemplar a feliz Driamara, leve como as penas das gaivotas que andam à boleia nos mastros dos barcos com bandeiras capazes de comerem as palavras do querido Alberto que de um feixe de iões se materializam contra uma parede de vidro,

O medo de voar e perdermos tudo o que temos, e amemos, e perdermos o silêncio húmido das tardes de Primavera, vestia-se simplesmente, tinha olhos que pareceriam diamantes e da boca ouviam-se-lhe os gemidos dos gonzos que suspendiam os dentes em marfim, nas traseiras, a criança com uma vara metálica procurava o mar, e o menino pela madrugada em gritos sussurrantes

Pai, Pai Pai,

Sim filho,

Tenho medo,

Medo? De que tens medo meu querido filho!

Sonhei com uma casa que se chamava Carlota Maria, dentro dela andava um cavaleiro com uma armadura de papel, o cavalo era lindo

Mas tive medo,

E nas traseiras da casa havia um sobreiro que se chamava Alberto, e em frente a eles um homem com um chapéu estranho, fumava cigarros e sentava-se no muro de xisto, havia ervas, pássaros, e só me lembro que eu brincava com um triciclo à procura do mar como uma vara metálica,

Não achas este sonho estranho, Mãe?

Driamara responde-lhe que os sonhos era assim, às vezes estranhos, longe, muito longe, como os dias debaixo das nuvens felizes e infelizes, apaixonadas e não apaixonadas, todas, e sinto-o, o medo

O Alberto pálido agacha-se e embrulha o menino nos braços...

E as marés em sofrimento dos longínquos corredores das planícies inventadas, tal como as guerras, numa tela de gesso com acrílicos mergulhados em quatro simples paredes de amêndoa. E de todos, apenas senti pelo pelo Humberto.

 

(ficção não revisto)

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:34

04
Mar 13

Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor a queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas, ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela

Parecia-me que os telhados da aldeia ardiam na febre dos relógios quando provocam nas pedras a lenta morte como sentia, e deixamos de sentir, as algibeiras recheadas de moedas com um furo no centro geométrico, que neste caso, coincide com o centro de massa, e dizias-me que das flores belas e menos belas, cresciam as bailarinas, ouvíamos o movimento circular uniformemente acelerado, subindo, e descendo, as escadas para a Primavera, e, eu

Não queria ir à janela, e à janela vimos as migalhas de pão que sobejaram do lanche, e um mês depois estavas grávida, e eu, sentia, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos matinais, como as gaivotas quando poisavam em cima da mesa da sala, líamos no sofá meio cambaleado, trôpego, meio embriagado pelo silêncio da velha casa, recheada de fendas nas paredes de gesso, e ambos

Vómitos matinais,

Eu deixava de voar entre os ferrosos poste de iluminação, uma balança pesava-nos e a árvore que tínhamos no centro da cozinha começava a dar sinal de fadiga, a loucura aos poucos entrava na casa que diziam ser nossa, que eu afirmava não conhecer, e tu

Vómitos

E ambos tínhamos formas geométricas nas mãos gretadas devido ao frio invernal, descíamos ao inferno depois da meia-noite, e tu embrulhada nos vómitos matinais, e curiosamente, eu, tu, nuca vimos o rebento florido da rosa em segredo, uma noite extingui-se e afundou-se nos rochedos nas traseiras da nossa velha e encantada casa dos libertinos sonos de aranha, um corda, um sindicato e cartazes suspensos no corredor, um revoltado encornado com sabor a chocolate quente, e víamos, e sentíamos, e tínhamos

NADA,

ABSOLUTAMENTE NADA, NUNCA O TIVEMOS, NUNCA O DESEJAMOS,

E tínhamos vómitos matinais com sorrisos de areia,

Ou

E

Talvez percebas a maldade de uma janela com fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores nascidas durante a noite, e o que vês?

Espuma e sons circunflexos, apaixonados, perdidamente em círculos como o pôr-do-sol mesmo sabendo que ele hoje não acordou, e provavelmente, talvez um dia percebas, percebas-me, como é difícil caminhar sobre os carris e olhar, lá longe, quase no infinito, o silêncio da luz,

Desistes então?

Não sei, não sei...

- Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor a queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas, ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela, as canções melódicas do desejo hoje não apareceram, e as poucas palavras que encontrei em voos na casa de banho, também elas tristes, também elas distantes de mim, de ti, ou de si, conforme o tratamento, conforme a idade, ou o sentimento, e se eu amar loucamente um pedaço de cartão com uma simples palavras, uma palavra sem significado, suponhamos

Eu amo loucamente um pedaço de cartão onde alguém escreveu “hoje sou feliz”, e se eu trocar a janela por uma folha de papel em branco, e simplesmente olhá-la até me fartar,

Será isso um crime que me levará à pena capital?

E enquanto a paisagem da janela é sempre a mesma, na folha de papel em branco poderei escrever histórias, desenhar objectos, resolver complexas equações matemáticas, posso e devo

Desenhar um coração com pontas de aço,

Porque não?

Pego no copo, pego na escova de dentes e no dentífrico e, vou-me embora, vou, e sinto, sem ti, senti as clarabóias do destino estilhaçarem-se com o peso das pombas de papel, e um perfume de solidão desce em pedacinhos de milímetro até embater nos vidros opacos da vida clandestina, fingida, e aí sim

Porque não?

Sim, talvez percebas a maldade de uma janela com fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores nascidas durante a noite, e o que vês?

(E um mês depois dizias-me que estavas grávida, e, eu, e eu, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos matinais das árvores pintadas de encarnado e de olhos verdejantes, e um mês depois dizias-me que as gaivotas estavam loucas, porque uns dias sorriam, e outros, outros suicidavam-se de encontro aos mastros de aço dos barcos moribundos).

 

(ficção, não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:00

Como são os livros com cabeça de saudade

como são as palavras assassinadas pelas mãos do amor

como são as ruas da tua cidade

sem jardim sem flor,

 

Como são os barcos de sonhar

quando da noite descem as estrelas sem nome sem paixão

como são

meu amor as tarde de verão

quando dormes sobre um braço lacrimejado pelo mar,

 

Como são os versos de escrever

nas lisas tempestades dos muros sem cor

como são as sílabas de prazer

quando o teu corpo se transforma em dor...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:17
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Já perdi tudo, esqueci-me das poucas palavras que conseguia desenhar numa parede pintada de branco silêncio, começa a noite, penso se tu pensarás em mim sabendo eu que tu não percebes que existo, vivo, respiro, e tenho um muro pintado de branco onde desenho letras, palavras, poemas vestidos de flores com asas, e pássaros, que voam com pétalas de cansaço, ou não, ou talvez... já tenha perdido também a noção do tempo e do espaço, e do relógio suspenso na parede da sala, apenas vejo nele um esqueleto de madeira, um amontado de lâminas, rodas dentadas, e dentes de marfim, e mesmo assim, sinto que as cordas de sisal se enrolam no meu corpo, o mesmo, que tu percebes que não existe, que nunca existiu, aquele que todos dizem ser uma sombra que vagueia dentro dos cadernos com páginas em branco, como a vida de certos seres, denominados, os bons e os inteligentes, os mesmos, aqueles que não tendo muros pintados de branco, como eu os tenho, mesmo não desenhando palavras e letras nos muros pintados de branco, como eu as desenho, vivem, vivem como Príncipes vestidos de arrogância, e vivem de fantasias, felizes como os charcos de água, depois das chuvas, quando acordam as criança dos musseques, e gritam, e choram, e tal como eu, também elas, as crianças, têm muros pintados de branco onde desenham letras, palavras e sonhos...

(Já vou Gigi, desassossegar o Bernardo Soares)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 09:40

03
Mar 13

Tínhamos o mar

e a bancarrota de uma existência fictícia

tínhamos um barco de prata

com sais de frutos para a ressaca

tínhamos uma barraca em lata

e solstícios com malícia

depois do deitar

e nunca sentíamos a falta do azar,

 

Das ruas cintilações dos xistos com rugas ao amanhecer

tínhamos cama roupa lavada e sexo na varanda

tínhamos o mar

e as janelas de esquecer

como todas as palavras em voos de falar

pequeníssimas entre as vozes de quem manda

e ninguém para nos separar

como os pássaros no Inverno à procura do calor e da solidão de viver,

 

Tínhamos na garganta

uma réstia de esperança

e amor

tínhamos no sótão da madrugada a pimenta

e os cigarros da lembrança

em flor

o fumo que alimenta

a insónia tua nossa janela entre as fotografias que a noite atormenta.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:42
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E sonhas com quê, tu?

Visivelmente cansada, sentia dentro de mim, as pedras e os riachos, e ouvia canções poéticas dos lábios sonolentos dos pássaros amaldiçoados, tristes às vezes, alegres poucas, doía-me o peito e trazia qualquer coisa estranha na respiração ofegante dos meus silêncios, acordava as rosas e os pontos cardeais, pegava no Norte e caminhava até que o tempo se perdia em mim, entranhava-se-me como se entranhou a tua boca

(E não sonhava, mas via uma menina vestida de mar com cabelos de vento, mas via um jardim com um banco de madeira, e imaginava, olhava-te dentro de mim e sabia que te sentavas lá, em todas as minhas ausências, loucuras, birras de criança, de menina mimada, sabia-o, sentia-o, ouviam-se-lhes as masmorras apaixonadas e que o tempo come como se de uma simples sandes de presunto se tratasse, ouvia o chamamento do sol e das nuvens embebidas na vodka made em Sacavém, e comias-me como comias os cigarros e os versos desgovernados das mãos do velho com braços de maré, e depois, uma chuva finíssima de vodka sobre os telhados cinzentos da cidade de marfim),

No meu púbis,

E sonhava com círios de desejo quando se disfarçavam de Primavera, e sonhava com gaivotas enroladas nas velas entre mastros de veleiros e o fim de tarde, despedíamos-nos das descalças horas insignificantes, oferecias-me um beijo na face obscura da minha pele, e

E eu desaparecia entre a neblina de espuma que as aranhas deixavam ficar junto ao rodapé, o pavimento pintava-mo-lo de encarnado, como os vestidos da tia Margarida sobre o palco da danceteria libertina, anárquica, como todas as flores que conhecemos, havia sempre um perfume de solidão nas tuas mãos, havia qualquer coisa de estranha nas tuas mãos, meu querido

No teu púbis mergulhavam os poemas das madrugadas convulsas e engasgadas nas lâmpadas da danceteria e ouviam-se-lhes, às mesas de cartão, os suspiros embriagados das meninas em flor, descia o rio, e mergulhávamos na lareira dos pedacinhos de sílabas com pequenas asas de açúcar, e meu querido, meu querido poeta vadio, um dia transformado de noite

Desapareceste como desaparecem todas as paixões,

(pelo buraco da fechadura)

E ninguém percebeu que eu, vestida de doce Catarina, docemente iluminada pela claridade das palavras revoltosas, contra ele, no caderno dele, da sebenta dele, eu construí a cidade dos sonhos com todos os pedacinhos de desejo que adormeceram em todos os bancos de jardim, com ripas alguns, de cimento outros, e assim nasceram os peixes e as algas e a trovoada, e a chuva, e a madrugada, e também, eu

Criei a saudade,

E a dor,

E sonhas com quê, tu? Não sonho, diz-me tu, também não sonho, também deixei de sonhar, também eu tal como tu, desistir de rir, da saudade, e do prazer de escrever, e principalmente

Deixei de me sentar no banco de jardim com ripas de madeira, puxar de um cigarro e imaginar-te deitada sobre os lençóis da minha pele esbranquiçada, polida, magra, emagrecida pela dor e pela doçura das noites envenenadas com cianeto e sonhos de anda,

E a dor, e criei a saudade

(pelo buraco da fechadura)

E agora desculpa-me, mas vou vestir as asas e voar, se voltarei? Não sei, não... sei, E sonhas com quê, tu?

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:49

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