foto: A&M ART and Photos
Inventaste o meu nome numa lápide de areia, inscreveste a minha misera data de nascimento, e a possível data do meu desaparecimento, e depois, também tu, desapareceste entre a neblina cinzenta de uma triste manhã de Novembro,
(poucas palavras ouviam-se da tua boca)
Nunca as ouvi, as tuas palavras, e se existiram, nunca percebi o seu significado, tinha consciência que de vez em quando, na tua pele escura, apareciam cavernas de sílabas, tocava-lhes, acariciavas-as, e
(tantas as loucas tardes de nós dos vidros espelhados dos óculos de sol sobre a mesa-de-cabeceira)
E havia barcos encalhados em ti, e havia luzes de amêndoa nos teus doces olhos, porque dos teus lábios submergia a maré de fim de tarde, percebia-se da tua língua, que uma fina e áspera folha de desejo aguardava ordens para passar a barra e atracar no meu peito de âncora bronzeado a lixívia, e nada do que eu ouvia correspondia à verdade, e quando me perguntava – Qual verdade, esta dos percevejos e das pulgas, elas, pertencerem ao meu grupo restrito de amigos – claro que era mentira, claro que também era mentira existirem nuvens de prata nas tuas coxas, procurei-as incessantemente, e nunca sorriram para mim, e nunca apareceram na varanda do silêncio amanhecer,
(eras triste, tímida, e tinhas medo, e tens medo, da minha voz)
Não te condeno, porque a minha voz parece um trovão quando rosna e rompe na noite até chegar à janela do teu quarto, levemente levitas a tua cabecinha meiga, e vês-me em forma de som, um camafeu, um pilantra que sempre odiaste, e amaste nas horas escuras das persianas encerradas,
(amo-te)
Como amava os bonecos e os livros antigos e os chapéus e as calças frustradas..., que habitavam nos corredores da feira de velharias, no tabelier do velho Opel de 1964 tínhamos aventuras em pequenos quadrados, símbolos desconhecidos, olhávamos-nos no areal de centeio que servia para escondermos cromos, pequenas moedas sem valor monetário, e solos,
(desenhei o mapa do local exacto do esconderijo... e perdi-te para sempre)
Desorientei-me, e deixei de ver a fraga onde te tinha deixado, dentro de uma caixa de madeira, lá, mergulhadas nas profundezas da terra húmida, ficaram as tuas cartas e um retrato colorido, percebo agora que sempre fui apaixonado por retratos a preto-e-branco, e tinham um sabor a qualquer coisa, eram perfumadas
(E havia barcos encalhados em ti, e havia luzes de amêndoa nos teus doces olhos, porque dos teus lábios submergia a maré de fim de tarde, percebia-se da tua língua, que uma fina e áspera folha de desejo aguardava ordens para passar a barra e atracar no meu peito de âncora bronzeado a lixívia, e nada do que eu ouvia correspondia à verdade, e quando me perguntava – Qual verdade, esta dos percevejos e das pulgas, elas, pertencerem ao meu grupo restrito de amigos – claro que era mentira, claro que também era mentira existirem nuvens de prata nas tuas coxas, procurei-as incessantemente, e nunca sorriram para mim, e nunca apareceram na varanda do silêncio amanhecer, encostavas-te a mim, sentia-te na escuridão da vida, agora percebo porque “maldita vida”, mas na altura, ontem, diria, feliz vida, aquela, quando sentia a tua pele da espessura de uma membrana celulósica no post scriptum das tuas cartas de amor, e quando percebia que no fundo de tudo havia um “P.S.”, sentia que o mercúrio do medo estava prestes a entranhar-se em mim, como os pregos do famosíssimo faquir quando de um Circo que alicerçou asas por estas bandas, me encostou a um muro em xisto e numa voz meiga e melódica – Não respire! - e começo a sentir o pregos a espetarem-se-me no corpo, pergunto-lhe se os pregos não eram para serem espetados à volta do contorno do meu corpo – Que sim, mas só as máquinas é que não falham - e tinham um sabor a qualquer coisa, eram perfumadas)
Tão profundas, tão inertes, que hoje não reconheceria a letra que faz parte da lápide de areia.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha