foto; A&M ART and Photos
Da caverna envergonhada onde se esconde a saudade, oiço as encarnadas lágrimas que o silêncio inventa no rosto da menina sentada no banquinho de madeira junto às roseiras brancas, e bravias, e do teu corpo nublado desenham-se sobre as mesas de granito os carris ilimitados, alguns, que me transportarão até ao Douro, outros, vão deixar-me a meio-caminho, o dúctil, a escancarada melodia sobre as marés de sémen pensando serem as vozes do destino em revolução, havia greve dos poetas e ficcionistas, havia músicas com palavras, e palavras sem músicas, e comboios que fingiam caminhar sobre os carris de aço, os próprios e verdadeiros carris do iluminado jardim das agonizantes bolhas de bolor que se faziam crescer nas dobradiças dos pilares embainhados que se ouviam das
cavernas
Das tuas nádegas, também elas, em greve, de fome, de zelo, de palavras,
hoje não se escrevem palavras, pedimos desculpa pelo incómodo,
“Por motivos de greve, hoje fechados”
Uma escarpa com lençóis de purpura fina sobre uma mesa de vidro, um pequeno livro, aberto, numa página sem numeração, sem significado nenhum, um beijo surge da capa do livro, aberto, sobre a mesa de vidro, um beijo com três cores, um beijo que iluminará a caverna envergonhada, aquela, de há pouco, onde se esconde a saudade,
a minha saudade,
A voz que precisa de alimento, as coxas do vento que precisam de uma vela, um mastro, ou
a gaivota do tio Joaquim,
Ou uma velha Caravela, só, só e só, e companhia limitada, nenhuma, só e falida, falida como os porcos bravos das pocilgas nocturnas, invisíveis, quando das viagens a S. Pedro do Sul, e chegava lá, não cansado, não triste, desiludido, chegava lá feliz, contente, como se o ar que se respirava em Carvalhais fosse mais leve do que o ar respirado em Alijó, e mais pesado, do ar que eu estava habituado a respirar em Luanda, e mesmo assim, mal saía do carro, beijava os meus avós, e corria loucamente para a eira, abria a porta do espigueiro ou canastro, e com a paciência de um desiludido com as nuvens destes longínquos Oceanos, começava a contabilizar as espigas loiras do milho, desistia, e sentava-me sobre o granito da entrada, e ao longe, conversava com dois espantalhos que o meu tio Serafim tinha construído para afastar os pássaros do cereal, e na altura, eu
não percebo porque fazem isto aos coitados dos pássaros,
E coitados uma ova, são espertos, e começaram a aprender a viverem com os espantalhos, e quando me apercebia, via-os sobre eles, ia até lá, e todos “cagados”, como as estátuas, ou como os homens iguais a mim, que quando se passeiam pela rua, debaixo de árvores, e
com tanto metros quadrados de superfície tinham logo de “cagar-me em cima de mim estes filhos da puta” mas é este o meu destino, há pessoas que nascem para serem doutores em seis semanas, há pessoas que nascem para serem ricos em apenas cinco lições, e há pessoas, como eu, que nasceram para servirem de sanita aos pássaros, e mesmo assim, confesso-te que gosto deles e que me fascinam,
Da caverna envergonhada onde se esconde a saudade, oiço as encarnadas lágrimas que o silêncio inventa no rosto da menina sentada no banquinho de madeira junto às roseiras brancas, e bravias, e do teu corpo nublado desenham-se sobre as mesas de granito os carris ilimitados, alguns, que me transportarão até ao Douro, e só agora percebo que a menina sentada no banquinho de madeira, és tu...
mas... afinal quem tu és?
E talvez sejas apenas um desenho mergulhada em palavras e copos com vodka como aqueles que deixamos sobre uma mesa num bar em cais do Sodré, claro
ainda tu eras menina, e ainda eu, não sabia que era eu,
Assim éramos nós antes de inventarem estas coisas todas que nãos nos servem de anda.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
foto: A&M ART and Photos
As palavras estonteantes que prenunciavas na minha ausência
e eu sem o saber acreditava em sonhos de infância
e cidades de vidro
e noites com lâmpadas mágicas vestidas com livros de poesia
e manhãs de quinta-feira pobres ou doentes ou quase nada,
De mim
quando sinto o meu corpo rolar sobre as rochas de insónia
e mergulhar no líquido viscoso dentro de uma conduta de cerâmica
oiço-os e sei que me perseguem
como cães raivosos provenientes das catacumbas do prazer,
Às palavras sem o destino perfume dos cinzentos fetos despidos como as ervas daninhas
quando caminham pela floresta do medo
sei que eles me perseguem
e que nunca me encontrarão porque há muito me sinto morto
longe deste silêncio disfarçado de felicidade...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha