Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

27
Abr 13

foto: A&M ART and Photos

 

Haverá mares suficientes para eu me esconder, sendo eu, um barco sem motor, com uma velha vela, sempre, e sempre, à espera, à espera que acorde o vento, à espera que acorde o meu corpo de aço, me levante, abra a janela da maré, e oiça o teu coração,

e falta-me a coragem para dizer que te amo, alga silenciosa dos rios amordaçados,

Haverá assim ventos suficientes para te trazerem até mim? E se tu nunca apareceres, e se tu, não sei, se tu uma rocha que vive no fundo do mar, como saberás, eu não sei nadar, e se mergulhar, certamente, e pelas leis da física, jamais voltarei a olhar a luz nocturna das ruas de Lisboa, pensar que dos néons há galerias de arte que esperam visitantes, e há caves a transbordar de suor, e há sótãos a apodrecer, sobre a cidade, quando regressa o vento, quando tu desapareces para posteriormente, ao outro dia, ver-te sentada numa esplanada, como se não me conhecesses, como se nunca tivéssemos dormido juntos, inventando sonhos juntos, desenhando desenhos, não juntos, porque tu, apenas me olhavas embrulhados nos pincéis e nas tintas e nas telas e nas minhas loucuras, sempre eternas, sempre desérticas, como as Primaveras, como as dália e as margaridas, sobre a terra, à espera pelo regresso do vento, de vela pronta

zarpar,

Prometer, imaginar ser amado dentro de um cubo de vidro, apaixonado, eu, um barco sonolento, de aço, envergonhado, não adianta semear flores numa laje de cimento. não adianta escrever, ler, não adianta amar fingindo viver, não adianta caminhar,

não adianta fingir ser feliz quando somos a pessoa mais infeliz do universos, não adianta, não adianta mentir fingindo que estamos bem, quando todos os caminhos, todos os rios, e todas as luzes morreram numa noite de insónia,

Não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter esperança...

Também tenho o direito de gritar e parar de fingir que está tudo bem,

“tão triste eu quando acorda a noite e cresce e cresce sobre as angustias do jardim um deus louco com uma perna de pau, tão triste eu quando as tuas mãos ausentes percorrem o meu corpo sitiado entre grades imaginárias de aço inoxidável e fios de seda e terminam viagem nas minhas mamas; primeiro regressa a noite,

depois ausentas-te juntamente com a noite e voas de árvore em árvore até mergulhares nos uivos dos meus olhos castanhos, depois, tão triste eu quando acorda a noite, depois a tempestade suspensa no corredor, passas apressadamente e não me olhas, depois, depois caiem todas as nuvens sobre este mísero divã e do relógio depois, depois as minhas mãos começam a envelhecer, a envelhecer depois o cortinado, a janela sem vidros, a envelhecer este quarto de pensão enfeitado de área de serviço, depois o relógio tomba silenciosamente no pavimento e morre o tempo,

tão triste eu. Acorda o chocolate na minha boca e imagino-te sentado no divã a fingires que do outro lado da rua vive um rio com barcos, que do outro lado da rua, tão triste eu, do outro lado da rua...

tão triste eu Meu Amor ausentada de ti.”

E conheci uma rosa que roubei do jardim numa noite de Agosto inventado num livro que poisava na mão de uma menina, os silêncios da noite ausentes de estrelas e alecrim, havia no ar o perfume do desejo, havia o perfume da noite submerso na paixão da literatura e da poesia, eu e a menina morremos, inventados no livro onde envelheceu a rosa e ainda hoje habita, tristemente só, tristemente inventada das palavras escritas apressadamente antes de acordar a noite,

não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter esperança...

Não acredito em reencontros porque quando se perde alguma coisa é para sempre ou então, ou então essa coisa não foi perdida,

se eu escrever numa folha de papel e a amarrotar e a esconder dentro de uma gaveta, um dia, mais tarde poderei reencontrar esse manuscrito,

Mas se optar por a rasgar e destruir o reencontro será impossível,

“Poema em cio”

 

Desesperadamente

as minhas palavras

coladas no vidro da morte

em pedacinhos amargos

a boca do poema

em cio

mergulha ele dentro do silêncio

no desejo dos barcos entre as estrelas de papel

e a noite de fingir

assisto ao fim da noite

quando das vaginais madrugadas

ouvem-se os uivos das acácias em flor

 

desesperadamente

as minhas palavras

nos meus pequenos desejos de silêncio amargo

caminhar dentro do mar

antes de acordar o pôr-do-sol

 

dos vidros da morte

as minhas mãos em crustáceos de glicerina

os cogumelos da vaidade em sombras sibilas

e a laranja do amor

aos poemas loucos

as migalhas do aço inoxidável

nos olhos do deus do cio

desesperadamente

 

(Desesperadamente

as minhas palavras

coladas no vidro da morte)

 

e a morte vive no meu corpo

desde o dia que acordei poema em cio

e todas as janelas da poesia não tinham visibilidade para o mar

e todos os barcos

e todos os barcos ouviam-se dentro das estrelas de papel...



Percebes agora porque haverá sempre mares suficientes para eu me esconder, sendo eu, um barco sem motor, com uma velha vela, sempre, e sempre, à espera, à espera que acorde o vento, à espera que acorde o meu corpo de aço, me levante, abra a janela da maré, e oiça o teu coração... e depois

dir-te-ei que te amo loucamente, sem medo, sem medo de perder.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:20

foto: A&M ART and Photos

 

Não encontro esses olhos mergulhados em pedacinhos

de som da cidade dos rios

não encontro os cabelos do vento suspenso num livro de poemas

entre mãos e tristezas tardes onde ancora o silêncio provocado

pelos teus beijos de cianeto,

 

Não encontro transeuntes na tua cidade

com mãos para me acenarem

com pernas

se possível

para me pontapearem quando me transformo em canino rafeiro...

 

Não encontro as charruas que escrevem nos montes bravios

sílabas vestidas com água fresca

e enxadas que provocam na solidão

feridas e dor e sonhos em frente às montras de uma livraria

sem saberes que te sentas nas planícies dos cisnes,

 

Não encontro a fogueira dos teus lábios

sobre a lareira da tua boca

fechada

ausentada de mim

como as horas de Sábado depois de partir a noite,

 

Depois

depois de ficares aprisionada a um banco com ripas de madeira

a inventares no calendários das cidades

nomes de ruas e ruas com edifícios que têm nas pálpebras pequenas migalhas de cimento

como o cianeto dos teu beijos antes de me abraçares...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:42

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