Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Mai 13

foto: A&M ART and Photos

 

Havia sílabas com fome, na tua mão de escritor, havia lábios em desejo, nos teus lábios em desejo, na tua boca de poeta, fingidor, havia sonhos, havia traços, círculos, rectas, não rectas, pontos, negros, nas tuas costas de tela voadora, verdejante, cintilante, como a língua do impostor, que mente, e não percebe que o teu esqueleto pertence às gaivotas mergulhadas no cio granítico de um rio em desespero, morto, cansado de amar, cansado de correr

para o mar, eu, quase morto, eu o pintor louco dentro de quatro paredes e um tecto falso, falsas palavras, falsas promessas, amanhã, e ontem, ou

De caminhar entre escombros, entulho, sexos murchos que a cidade inventa todas as tardes, depois do lanche, depois de o dia terminar, partir para a montanha dos insectos com dentes de marfim, encolhia-me dentro das tuas coxas, acendia a vela da esperança, e esperava, esperava, esperava...

ou

Esperava,

até que o poeta ficou desempregado, e hoje tratam-no como lixo, escumalha, até que o escritor deixou de comer as palavras escritas, por ele, por outros, o médio

Tem de deixar de comer imediatamente palavras, percebeu senhor Francisco? Pois que sim, respondi-lhe eu, e pensei – que raio de coisa ou coisas, vou comer a partir de hoje - “merda?”, e esperava, quando sentia dentro do meu peito uma rua em crescimento, sentia-a rasgar-se entre os esponjosos pulmões de areia fina branca do Mussulo, sentia o romper da madrugada, o apito da fabrica para o inicio do trabalho, os operários de bulldozer na mão rompiam-se-me corpo adentro, e eu, sentia-os, todos, sem excepções, sem locuções ou metáforas, sem mentiras, sem noites mal dormidas ou com recurso a drageias coloridas,

ou

E esperava, e hoje, quem sou? Nada, ninguém, sou um pedacinho de terra húmida que trouxeram de Luanda depois de uma longa tarde de chuva, e o tempo, desejo-o, o tempo que esqueci, que me esqueceu, perdi, e perdeu-me

sinto-a a crescer, já tem pavimento, começam a construir os primeiro edifícios de vidro, com telhados de vidros, com varandas com acesso ao mar, com árvores, com corações de açúcar, com orgasmos vínicos, e o sémen escuro, deleitoso da lama... sobre mim, em mim, uma rua, pronta a circular, e por engano, vão chamar-lhe

Ou, ele esperava, claro que esperava,

rua, rua, rua,

“Havia sílabas com fome, na tua mão de escritor, havia lábios em desejo, nos teus lábios em desejo, na tua boca de poeta, fingidor, havia sonhos, havia traços, círculos, rectas, não rectas, pontos, negros, nas tuas costas de tela voadora, verdejante, cintilante, como a língua do impostor, que mente, e não percebe que”, rua, chamar-se-á “rua dos ínfimos delírios”, sobre mim, sobre ti, dentro de nós, os sons, as palavras, as vozes

voz?

a tua voz, em minhas sílabas palavras, melódicas e às vezes com recheio de neblina, cacimbo, com o cheiro do lindo musseque, vazio, doentio, chovia, e eu, eu brincava dentro da lama lenta e liberta, em perfeita liberdade, cantava, eu, subia às mangueiras, e não, nunca tive medo de cair, e se eu caísse... a terra dos jardins de capim apanhar-me-iam como se eu fosse uma leve pena de enxofre, mórbida, miliciana, amena, o morro das Barrocas, e eu aqui, si, dó, e ré... deitado a imaginar gajas vestidas com panos de chita e de bandoletes em porcelana na cabeça,

Ou, ele esperava, claro que esperava,

rua, rua, rua,

“Cuidado com os cães”

rua, rua, rua

Rua “dos ínfimos delírios”, número trezentos e trinta e três, segundo andar – direito, algures pelo País, Portugal,

rua, rua, rua...

CUIDADO COM OS CÃES RAIVOSOS.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:05

foto: A&M ART and Photos

 

Um vulcão de segredos absorve-te do laminado silêncio

das mortas palavras

que o amor dita enquanto lá fora gotas de orvalho

nascem e morrem

nos olhos da noite,

 

Procuro-te ensanguentado entre o fumo invisível do teu cigarro

quando ainda passavas horas a fumar

a ler

e a escrever

a amar-me como se ama uma mulher,

 

A brincar com todas as flores dos jardins da cidade

e te sentavas no cais a contar os barcos que entravam e saiam da barra

com ou sem

tanto faz o destino

ao homem antes de morrer,

 

Pedias torradas

chá

mais tarde vinha ter contigo um café

onde depois de mergulhares na cafeína incandescente das estrelas de sonhar...

adormecias loucamente nos meus braços finos,

 

Agrestes

de pele escura e límpida como as algas da madrugada

sentia-te dentro dos meus seios

como se fosses uma nuvem

ou uma esponja com lábios de fim de tarde no cais de Alcântara.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:54

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