Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Mai 13

Pendurava-me nas cordas da tristeza, sentia-me distante das pontes em madeira, algumas já em avançado estado de decomposição, de cheiro nauseabundo, também cansadas, ensonadas, como um esqueleto deformado pelas hélices das vertiginosas flores de Primavera, lá fora caminham pássaros que começam a aprender os primeiros passos, ainda não voam, mas... brevemente... ausentar-se-ão de mim, como se ausentaram milhares de estrelas, como se ausentaram centenas de sonhos, conversa fiada, uma feira de vaidades procurando abrigo debaixo do aquário nocturno da solidão, pendurava-me afinal sem perceber que em vez de cordas, eram correntes de insónia que eu durante o sono prendia ao meu corpo, e sentia-me pesado como rochas em queda livre em direcção ao abismo, abria o postigo e via coisas sem nome, coisas como simples objectos desproporcionais que o tempo encolhe, come, vomita como sendo corpos em aços, em fila, esperando a entrada no auto-forno, e entre cambalhotas e simples anedotas, eu escutava na paciência dos anjos femininos, os pássaros bebés em construções de areia, enquanto os olhava, recordava as aventuras de Fernão Capelo Gaivota, e imaginava-me um dia dentro de uma velha panela com arroz, algum feijão, e de sabor inconfundível a sonho, sonhar quando todas as grandes muralhas que a vergonha deixa das escadas para o patamar do terceiro esquerdo, a varanda cambaleava-se, embriagada pela vodka que os marinheiros Russos tinham deixado sobre os carris dos lençóis depois da ejaculação de palavras, que posteriormente, davam vida a poemas, e dos poemas, crianças, algumas pareciam vampiros com lenços de seda enrolados na cabeça, ouvia-se o desgraçado milagre da chuva de pérolas que todas as noites, sem horário definido, caía desordenadamente em nós

Sabia-te dormindo na cama do quarto encurralado entre a cozinha e a casa de banho, sem janela, e apenas uma porta de pano dividia-nos, quando te deitavas, imaginava-te sobre mim, nua, como um cobertor de lã em noites frias e que tínhamos desistido dos sonhos que esboçávamos conforme a mesma varanda, quando sóbria, deixava que nos sentássemos, com a condição, de, “Proibido Fumar”,

caía desordenadamente em vós os desejos das paralelas linhas azuis que circulavam em redor de um jardim com árvores, e confesso-o, as únicas que até hoje conheci, e que voavam, como os pássaros que eles imaginavam nas pequenas brincadeiras enquanto, os mesmos, tentavam voar com a ajuda dos papás e das mamãs, eles, aqueles que apreciavam o desgraçado milagre da chuva de pérolas que todas as noites, sem horário definido, caíamos diziam eles, caíamos das nuvens incolores que um artista plástico tinha pintado no tecto da cidade dilacerante, uma cidade velha com pessoas vestidas de negro, com pessoas voando como os pássaros, uma cidade...

Há tanto tempo que não sei o significado de cidade, de rio, de mar, de barcos, jangadas e beijos, e abraços, e lanternas mágicas, slides nas paredes encastradas que o velho João tinha deixado por esquecimento numa noite em princípios de Setembro, faziam-se apostas sobre o término do mês, e enquanto uns, os mais optimistas acreditavam que terminaria com flores sobre as mesas de granito, outros, os outros, os não optimistas, apenas que nunca terminaria o desgraçado mês de Setembro, para mim, e se eu mandasse, ainda hoje, ainda hoje

(setembro, o mês dos beijos debaixo das palmeiras)

Era setembro, sem dúvida, alguma, sempre Setembro, sempre... o eterno mês dos beijos debaixo das palmeiras, e a Ilha de Faro parecia um ponto de luz no centro do Oceano,

E de longe, via os aviões estacionados na pista, via o mar, via os barcos, mas esqueci-me da cor dos olhos do Sábado e do nome de cada palmeira junto à marina...

acordou a noite

E voamos entre os lençóis do verdadeiro amor.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:35

foto: A&M ART and Photos

 

Sentavas-te nas clarabóias do sorriso insónia madrugada

e eu imaginava-te voando sobre a cidade

voando desesperadamente como quem procura árvores baloiçando no vento de ninguém

em braços de aço sem odor sem fingimento

e no entanto tínhamos dentro de nós pequenas papoilas falsificadas

que um comerciante estrangeiro tinha estonteantemente inventado durante a noite desgovernada,

 

Éramos de pano como os cortinados da tia Adosinda

e vestíamos-nos enrolando-nos em palavras doentes com cabeças de néons abandonadas

pelos transeuntes imaginados na loucura das horas da Aspirina após o jantar...

havia uma janela de suor que escorria do teu corpo insuflável

porque das tuas palavras cresciam cravos encarnados como clavículas desperdiçadas depois de morto o esqueleto de água salgada,

 

Chovia-nos como chovem as lágrimas dos pilares de betão

quando do silêncio acordam mangueiras e capim envenenado

tive o mar na minha mão quando criança

como em nós

choviam barcos com plumas e rímel nos olhos transatlânticos em sinais de fumo,

 

Tocávamos cigarros por cigarros

beijávamos-nos dentro de um poço de prazer quando a lua escondia os mapas e as bússolas

que nos impediam de viajar pelas grandes planícies do medo e dos corpos suspensos na morte

chovia-nos como chovem pequenos adereços em papel e havíamos de encontrar uma porta

em fina cerâmica com bilhete para a eternidade...

 

[oiço “Eu Seguro” Samuel Úria e Márcia]

Encontro-me plenamente “SEGURO” porque já partiram os paquetes ensonados

e das poucas ruas ainda acordadas hoje nesta cidade

apenas uma a tua boca de Inferno

saboreando portas e janelas que as rochas transportam para a ilha do desejo

sem sabermos porque choravam os barcos com rímel nos olhos e plumas e cores nas faces rosadas da íngreme tristeza das asas de cartolina com palavras agastadas...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:13

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