Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

06
Jun 13

foto: A&M ART and Photos

 

Viajo entre curvas ínfimas que me transportam às sílabas papel dos lábios jardins camuflados dentro da cidade, tenho ruas só minhas, casas desabitadas, onde, só, adormeço, passos algumas horas, porque tenho a poder de transformar horas em dias, recheios de apartamentos sujeitos a vandalismos proliferam escadas abaixo, e entre mim e o corrimão, penso-o, possivelmente nem uma mosca, daquelas esqueléticas, conseguem colocar-se a meu lado, subo só, e desço descalço, como se não existissem espelhos e cobertores, apenas uma rampa inclinada, voando eu, até encontrar a porta do prédio ao lado, uma velha pastelaria, moscas, estas não esqueléticas, coabitam com os croissants e os restantes bolos, lâminas de barbear, pilhas, jornais e revistas, mulheres nuas dentro de papel que acabará numa casa de banho pública, peço um café curto, e sobre a mesa onde esqueço os cotovelos, vejo uma chávena quase a abarrotar de café, procuro na algibeira sessenta cêntimos de euros e despeço até sempre desta horrível pastelaria perdida numa avenida incógnita, como as pedras da Ajuda, caminhadas com milhões de pés, às vezes, com o vento, tombávamos no chão, havia desníveis, ora subia, ora descia, e claro, o chão sempre foi a nossa melhor cama, depois do sono, acordavam os enjoos, o fígado inchado, a dor no estômago, e

Tonturas,

E os cigarros esquecidos na prateleira junto ao uísque e a migalhas de haxixe que de um caixote em chapa, de nome armário, ficavam o santo dia acorrentados, até que vinha a noite, abríamos a porta, e seguíamos viagem pelas ruas mais escuras que habitavam junto ao rio, corríamos, corríamos... e quando nos sentávamos nas margens do rio, apenas sós, cruzávamos as pernas, eu, os cigarros e as migalhas de haxixe, e

Tonturas, pernas torneadas por um verdadeiro artista plástico, bela, o corpo parecia um Stradivarius, e o som, o som escorria um líquido a que os humanos chamam de suor, pequenas gotinhas com sabor a incenso, ou a doçura, ou... a música,

E uma almofada amarela com bolinhas encarnadas, brancas ou negras, mergulhava nos lençóis desejo da noite, listras, brancas, intercaladas com o silêncio do capim, e nas paredes do sono, quadros, pinturas abstractas com mãos de alicerce, uma ponte despedia-se do rio, e no rés-do-chão da rua onde dormíamos quando fingíamos desgostos e dores de cabeça, havia sempre uma mosca, esquelética, não esquelética, e que às vezes era tão amorosa que dormíamos os três juntos...

(os cigarros, o sono, as migalhas de haxixe, duas moscas, uma esquelética e outra não esquelética, e claro, eu)

… amarrados à almofada, com o medo de perdermos as listras brancas, porque as negras não corriam esse risco, visto ser noite, e o negro dilui-se na escuridão, como os beijos de duas pessoas que se desejam,

Um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres, porque o importante é não perdermos as moscas, as esqueléticas e não esqueléticas, os cigarros, as migalhas de haxixe, as mãos quando se entranham nas tuas coxas, e sempre, o todo, o inesquecível abraço, os sexos imprimidos nos espelhos das janelas, e feliz Stradivarius voando sobre dois corpos nus sobre lençóis invisíveis, e almofadas com listras, coitadas, acorrentadas à solidão...

E esqueci-me do uísque.

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:36

foto: A&M ART and Photos

 

Havia uma louca paisagem

acorrentada à Cinderela manhã com sorrisos de nada

um pedaço de ti mergulhava em sombras com braços despidos

proibidas as melodias teu cansaço...

havia uma tal de Josefina... inventava tigelas de marmelada

que à janela secavam e às vezes dos vorazes sons do papel vegetal

voavam neblinas de insónia e projecteis de orvalho no final do dia

como acontece aos meninos que brincam debaixo das madalenas árvores de sonhar...

 

Eras quase noite

trazias-me os sonhos embrulhados em finas toalhas bordadas pela mãe Arminda

(às vezes zango-a dizendo-lhe que são trapos)

velharias em exposição que um vendedor ambulante tentava impingir-nos a todo o custo

cachimbos e bonés de militar da ex-URSS... livros velhos com presença de dores musculares

havíamos embainhado os relógios nossos pulsos em pequenos cabelos ramificados

como cabos de aço a prenderem petroleiros no corredor desgosto do ser

o papel de embrulho sempre deitado sobre o velho balcão em madeira apodrecida,

 

O cheiro da roupa depois do sexo

o perfume do sémen impregnado nas oliveiras além socalcos

como ventoinhas em suspenso no tecto da cubata esquecida sobre o Tejo

tínhamos medo da ponte de ferro

e dormíamos nos bancos de jardim porque queríamos escrever sobre os joelhos cansados da madrugada

havia uma louca paisagem com uma louca casa e uma louca varanda

dos teus loucos beijos

em tuas grandes loucas mamas de amanhecer violento depois das tempestades palavras...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:13

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