Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Jun 13

foto: A&M ART and Photos

 

Tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo, ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de nós, e éramos felizes assim

Poemas que vão integrar esta colectânea,

Horríveis, sangrentos, húmidos às vezes, como esponjas derramando películas de suor que vogais e sílabas alimentam depois de nascer o poema, e morrer o texto, sulcos salivais, vaginais, vagabundos escondendo-se em folhas velhas de jornais, a cama, delírios imaginados por um transeunte camuflado num sobretudo castanho, havíamos combinado escondermos-nos no sótão enquanto nos acariciávamos olhando-nos num espelho magro, esquelético, voraz, volátil como alguns fluidos dentro de pequenas caixas de fósforos, e ardíamos como cachimbos na boca desespero do senhor António Emagrecido com voz penumbra soletrando as pequenas letras no cardápio do prazer,

Poemas que vão integrar esta colectânea, poemas de “merda” e textos de “merda” percorrendo socalcos e avenidas entre arbustos e automóveis de luxo, por favor – Mesa para duas – e depois despedíamos-nos após transcrevermos na palma da mão os poemas envenenados e moribundos, alguns, nem sobreviviam e na primeira carícia acabavam por despenharem-se-me nos seios circunflexos das paixões em marés de Primavera, éramos novas e queríamos – Queremos um quarto de casal se faz favor – e a pergunta parva de sempre

(as meninas vão dormir juntas)

Respondíamos que não, claro que não – Eu durmo no chão e ela dorme com o gato Jerónimo – PARVALHÕES...

Horríveis, percebem?

Os poemas, as noites em claro olhando uma lâmpada embrulhada em papel celofane, encarnada, e pela segunda vez sinto o meu corpo possuído pelo maldito sarampo, eu parecia um forno depois de aquecido e esperando a entrada em mim da massa, que posteriormente, como os poemas, renasce o saboroso pão, e trazias-me a manteiga de amendoim, e quando acordava, sentia-me embalsamada nas tuas mãos..., “tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo, ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de nós, e éramos felizes assim, assim, assim como hoje, poisando os cotovelos no peitoril de verniz sobre a Avenida Almirante Reis, e comíamos Sábados à noite, depois de acordarmos com hálito a chocolate e a beijos de açúcar”, mãos, as mãos tuas em mim, depois, depois a penúria de vivermos sobre um mar de areia branca, sem barcos...

Horríveis, percebem?

Como todos os versos dele...

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:43

foto: A&M ART and Photos

 

Tinhas na mão as palavras minhas

em ausências mergulhadas nos carris da insónia

trazias-me ao jantar os sabores do mar

com pequenas algas e pedaços de luar

tinhas nas mão as palavras minhas

dementes como esqueletos ósseos suspensos no estendal da noite

como acontecia aos orgasmos nocturnos nas miseras coxas em granito

tínhamos corações de xisto

e janelas com imagens encarnadas entre flores e pétalas às pálpebras quebradas

dos vidros restou nada

e da casa com cortinados de papel...

sobraram saudosos beijos embrulhados em simples abraços,

 

Tinhas na mão a pele silenciosa da madrugada

como pingos de chuva

em cansados versos por mim declamados

tínhamos os rios e as pontes e gaivotas embriagadas

nos confins voos em siderais mistelas de açúcar e canela

e demais minhas desérticas palavras

por ti

e de mim

abandonadas

tinhas

na mão minhas

corpos dispersos teu desejo travestido entre plumas e rosas de amor.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:18

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