desenho de: Francisco Luís Fontinha
Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno
procuraste uma tela vazia
construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana
pintados à mão,
(Fui o que nunca quis ser
sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)
Desenhaste-me em murais que ultrapassavam os edifícios em ruína na cidade das gaivotas
sentei-me em ruas onde tudo se vendia
o corpo flores drogas álcool e amores
livros e papel de embrulho
desenhos e merdas sem sentido
porcarias vãs
vadias entre as pernas alicerçadas aos tambores de choque
envaidecias-te
eras nobre como um donzela puta de adorno...
e os jardins cansavam-se de ti como velhos sorrisos
sonâmbulos das ínfimas janelas
e entrava-nos na sala de jantar o enfeitiçado mar...
Um cheiro horrendo
barcos vomitando saliva esbranquiçada
lágrimas
e muitas estrelas
todas elas
embriagadas,
Desenhaste-me como se eu fosse um boneco de palha
um cabrão mal vestido
de fato
gravata
e sapato bicudo afiado reluzente como um espelho da feira popular...
chorudas mulheres de açúcar
dormindo em roulotes como gazelas em sexos murchos que os finos pinheiros de Carvalhais...
lançam
deixam ficar sobre a tua pele...
todas as palavras de adeus...
Adeus
Até nunca mais me desenhares nos murais das montanhas de aço,
Desenhaste-me nas esfinges manhãs de Inverno
procuraste uma tela vazia
construíste-me em mendigo acrílico com coloridos ombros de porcelana
pintados à mão,
(Fui o que nunca quis ser
sou tudo aquilo que tu nunca quiseste que eu fosse...)
Desenhares-me invisível
sem saberes quem sou
como penso
vivo
se tenho sonhos
consegues perceber os meus lamentos?
Fui tanta porcaria...
cavaleiro
donzela
prostituto
pintor
escritor
abelha tonta tonta como ela... ela tão bela...
e tudo porque me desenhaste nos murais das montanhas de aço,
E poeta não o sou
talvez o seja quando se apercebe em mim um silêncio de loucura
devaneio
os peneirentos pássaros que as arcadas do desassossego escondem
constroem e inventam insónias em papel como pobres flores de arremesso...
Desenhares-me em toda a porcaria livre
nas calçadas
nas ruas e ruelas
cansadas...
desenhas-me como se eu fosse um esqueleto de amêndoa
suspenso nas três horas da madrugada...
nas calçadas
ruas
e ruelas
sou
nunca o fui
desejo-o como se ele fosse um abutre de asas cinzentas,
Sou
fui nunca
poeta pintor escritor porque nunca deixei de o ser...
malabarista de primeira classe... diplomado.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha