Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Jul 13

foto: A&M ART and Photos

 

Oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Gostava da disposição das mesas, do alinhamento dos talheres, da preciosidade dos prato, uns sobre os outros, fazendo-me recordar as fatias de espuma sobre a crista das ondas, gargalhando como pequenos soluços, ouviam-se horrores transformados em montanhas desavergonhadas, olhávamos os céu, e víamos o cansaço dos anos em pequenas travessuras de crianças, doidos, correndo na peugada de uma sandes de marmelada, ouvíamos, e nada dizíamos, porque éramos pobres, porque éramos melancólicos, porque

Oiça,

E é tão bom, saber que sobre nós, voa uma voz de silêncio, vestida de noite, e ouvir sem perceber porquê... o bater de asas em papel crepe, oiça

Oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Todos loucos, porque os pássaros deixaram de voar, porque as flores nunca mais senti que sorrissem para mim, para os outros é uma coisa... agora, para mim? Eu, o único solitário que lhes pegava com todo o cuidado, acariciava-lhes as pétalas doiradas de olhar envergonhado, eu, eu que me sentava em frente a elas, eu que cruzava os braços, e sorria

Inventava-lhes abraços,

Oiça,

E é

Oiça o que eu lhe digo,

Diz lá, Carlitos,

E é tão bom quando chegamos a casa, abrimos a porta, nada lá dentro, e tudo cá fora, entramos, deixamos as roupas transpiradas no cabide exposto no Hall de entrada, ficar nu, cá dentro nada existe, apenas um espaço vazio, sem vozes, sem livros, e palavras

Oiça o que eu lhe digo,

Diz lá, Carlitos,

E é tão bom, percebermos, que ninguém nos espera, e é tão bom, tão bom, e palavras voando pela janela até desaparecerem entre as roseiras do quintal da Augusta, parecem borboletas vagueando os sonhos do meu corpo desnudo, ósseo, filho de um esqueleto de vidro, finas partículas de areia, um alto-forno a temperaturas elevadíssimas, eu, no centro do forno, borbulhas de azoto, películas de pele levadas pelo vento, panfletos a anunciarem uma greve geral que nunca chegou a acontecer, um dia, de um País que nunca existiu, e morreu dentro do alto-forno... todos lá dentro, o meu esqueleto, a areia, e eles, claro,

Oiça o que eu lhe digo,

Diz lá, Carlitos,

(isto está fodido!)

Isto, isto o quê?

Isto, isto tudo!

Tudo não, porra, porra não, quase tudo, mas nós ainda estamos de boa saúde, pensa Carlitos, pensa que ainda existem pessoas em pior situação do que a nossa

A nossa, qual nossa?

A minha e a tua, porra, porra não, é que...

Oiça o que eu lhe digo,

É que ainda estamos vivos, percebes? E nos tempos que correm... estar vivo é a maior vitória, depois da águia, claro, claro, claro, não porra, porra não, claro, ah...

E é

É o quê?

Tão linda, ela, mais bela que o mar, mais leve que o vento... e voa, voa como as gaivotas, e navega, e navega como os barcos quando entram na barra

Nos teus braços?

E é

É o quê?

Tão linda e tão bela, como ela, como ela quando entra em casa, tudo vazio, as vozes ofegantes das minhas personagens, todas elas, dormem, digamos que

Talvez não durmam todas, mas tenho a certeza que algumas delas, dormem, oiço-as, oiça, olhe o que eu lhe digo, está a ouvir-me? Gostava da disposição das mesas, do alinhamento dos talheres, da preciosidade dos prato, uns sobre os outros, fazendo-me recordar as fatias de espuma sobre a crista das ondas, gargalhando como pequenos soluços, ouviam-se horrores transformados em montanhas desavergonhadas,

Tão linda e tão bela, ela...

 

(ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:43

02
Jul 13

foto: A&M ART and Photos

 

Vivíamos não percebendo que das marés de Inverno

habitava em nós o tédio

construíam-se-nos alicerces envenenados por doces lábios de incenso

como Primaveras desenhadas num papel esquecido em ti

eu

de esquadro e régua

tu

deitada sobre o estirador do desejo

delineava-te em curvas com sombras de trapézios

e dos poucos ângulos que sobejavam em ti

davam para alimentar-me quando chovia nos lençóis da espuma infância

e sorrias como os milímetros de noite inertes entre pilares de granito e luzes ancoradas pelo suicídio,

 

Vou deixar de escrever

(confesso-o apenas a ti)

porque tudo tenho perdido com as palavras

hoje

(confesso-o apenas a ti)

olhei-me no espelho do meu guarda-fato (que te garanto, nada guarda)

e vi os meu olhos em pedaços de lume

como a lareira de Carvalhais

(lembras-te do Inverno?),

 

Sorrir para quê?

Se todas as minhas fotografias são tristes

inexpressivas e doentes

até parecem (disseram-me um dia)

cadáveres voando sobre os Oceanos onde mergulhavas em busca de cardumes inexistentes

de peixes

e lobos descendo a Serra

aldeias perdidas em ti

como eu

(disseram-me um dia, que as madrugadas não eram todas iguais)

apelidei-te de PARVALHONA e hoje percebo que errei

(peço-te desculpa)

porque nenhuma madrugada consegue ser decalcada no estirador onde habitas

digamos que (onde ainda consigo ver o teu corpo no esquisso),

 

Abro a janela

(para quase todos eles, já é noite)

para mim (para mim acorda agora o dia)

começam as brincadeiras dos meninos enquanto mães desassossegadas

habitam como tu no estirador semi-nu das estrelas de plátano adormecido,

 

(confesso-o apenas a ti, tenho fome)

fome daquela que estávamos habituados a saciar

coisa que conseguíamos resolver com dois ou três livros

alguns beijos

e corações com o marcador encarnado

deixando no teu peito uma rosa

um silêncio

sem queixumes

saudades

ou pieguices...

abro a janela

e deixaste de descer a Serra

como os lobos

(quando ouviam a velha máquina de costura Singer),

 

Hoje

Que dia é hoje, (se posso apelidar-te de amor)?

Não sabes ou não queres responder...

deixei de perceber se é Sábado

Terça-feira

não o sei porque não o desejo saber

(Vivíamos não percebendo que das marés de Inverno

habitava em nós o tédio

construíam-se-nos alicerces envenenados por doces lábios de incenso

como Primaveras desenhadas num papel esquecido em ti

eu

de esquadro e régua

tu

deitada sobre o estirador do desejo)

porque se o soubesse

perceberia o quanto feliz eu era sem as malditas palavras...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:45

01
Jul 13

foto: A&M ART and Photos

 

deseja-me imprimido nos teus braços

como fatias de xisto expostas à claridade dos teus lábios

deseja-me em fios de luz

como as sílabas escondidas no poema

deseja-me entre clarins e melancolias quando desce a noite

e te vestes de neblina,

 

deseja-me dentro de um espelho

morto

cansado e abandonado

não importa o desejo teu quando acordarem as estrelas em ti

mas por favor...

se me ouves

deseja-me nem que seja apenas em verso

pensamentos vagos

mas deseja-me... ou em sonhos

nas palavras ou em arbustos junto ao Tejo

… deseja-me como se eu fosse uma flor na boca de uma abelha

deseja-me ou inventa desejos em mim como se fossem os teus desejos,

 

as tuas tristes palavras

deseja-me antes de adormeceres

se o conseguires

reza como se eu fosse o teu Deus

Cristo crucificado nos teus braços de insónia

doirado teu adormecido corpo

arde como madrugadas em delírio...

e nunca e nunca tenhas medo de me desejar...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:48

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