Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

28
Ago 13

foto de: A&M ART and Photos

 

não percebes que vivo enclausurado num caixote de vidro

que uso suspensórios

tenho falhas de memória

não percebes que eu vivo

prisioneiro de uma tempestade de areia

onde vivem nuvens com perfume de laranjeira...

que adormeço sonhando com rochas suspensas no tecto do sótão enraivecido

dos gritos vulcânicos da montanha da morte

 

não percebes que és uma mentira vestida de negro

passeando pela noite até encontrar o espelho da vaidade

sorrindo às vezes

chorando quando caiem os desenhos abstractos das paredes envergonhadas...

(sou de ti) responsável pelo teu fingimento

como são os livros das tuas mãos

como são...

os roseirais da tia Guilhermina

 

marinheiros vagabundos dormindo sobre mesas embriagadas

e não percebes

não entendes

que há marés de madeira

e todas as semanas aparece um Pôr-do-Sol nos cortinados do medo

os roseirais da tia Guilhermina

morrem e querem de ti o esqueleto mentiroso

que as palavras dissipam na claridade dos pequenos teus olhos verdes

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 28 de Agosto de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:44

foto de: A&M ART and Photos

 

dia 21

quarta-feira, 28 de Agosto de 2013

Prisão da Alegria,

Mãe,

Hoje não tivemos direito a almoço, um problema qualquer na cozinha, segundo eles, mas a verdade é que ainda não vimos nenhum dos guardas, estamos encerrados desde ontem ao final da tarde, há um silêncio total à nossa volta, mete medo, abrimos o postigo de acesso ao pátio e nem os pássaros se conseguem ouvir, alguém nos disse que tinham desertado todos, juntamente com os guardas, ao que tudo indica, estamos por nossa conta, começa a chover, parecem pedaços de cinza, dizem que a cidade dos sonhos arde, mas outros, outros dizem-nos que é o Governo que está a transformar a Cadeia da Alegria em Cemitério da Tristeza, não o posso garantir, mas a verdade, mãe

Fui aí para te visitar e disseram-me que estavas com dor de cabeça, gripe penso eu, desculpa meu filho, desculpa... já não consigo perceber muito bem o que me dizem, oiço mal, vejo mal, e cada vez que te vou visitar há uma desculpa à minha espera, talvez tenhas apanhado muito sol, talvez...

Olha, o mar que tínhamos pintado numa das paredes da cela, desapareceu durante a noite, dizem que a culpa foi dos incêndios das últimas semanas, parece que o Governo privatizou o nosso mar, e agora, vê tu, o mar que tanto trabalho nos deus a pintar

Não me digas, meu querido filho, não me digas que foi comprado pelos Chineses...

Exactamente, exactamente mãe, como o sabias?

Não o sabia, não o sabia,

Estou esquecida, meu filho, tão esquecida que deixei de perceber há quanto tempo estás ausente de mim, oiço mal, vejo mal, dizem-me que estás bem, que estás a trabalhar numa Ilha com muitas mangueiras, com muitos barcos, e que és muito feliz... é verdade, meu filho?

Sim, sim mãe, aqui na Cadeia da Alegria somos todos muito felizes, ou... éramos, porque depois de nos terem vendido o mar... nada nos resta aqui, apenas um pequeno jardim deitado sobre um corpo emagrecido, vendido em pequenas fatias pelo Governo, e dizem que os pássaros e os guardas levaram as árvores, acreditas nisto, mãe? Que País é este? Que... que transforma as Cadeias da Alegria em Cemitérios da Tristeza..., diz-me tu, por favor?

Fui visitar-te e disseram-me

Que eu estava com gripe, é mentira mãe, é tudo invenção deles...

E disseram-me que estavas bem, que tinhas o mar numa das paredes da tua suite, que havia barcos, sonhos, sons, e palavras

Palavras? Quais palavras, meu filho?

Palavras, mãe, palavras de papel, acreditas nisto, mãe?

E disseram-me que estavas bem, até que tinhas engordado três quilogramas

Acreditas, mãe, acreditas que eu engordei três quilograma?

Fui visitar-te, esperei, esperei, e ninguém para me abrir a porta, e nenhum barulho, e ninguém a gritar, e ninguém a ser chicoteado pelo chicote da insónia... e esperei, e esperei... até que acordou a noite, até que

Que eu estava com gripe, é mentira mãe, é tudo invenção deles...

Até que deixei de ouvir, até que deixei de ver, até que fiquei sentada em frente à Baía de Luanda a imaginar metralhadoras do outro lado da rua a vomitarem

Palavras, palavras de papel?

Sim, sim meu filho, a vomitarem... a vomitarem palavras de papel.

 

(não revisto – Ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:24

foto de: A&M ART and Photos

 

pensava que eras uma tela esquecida na parede da minha insónia

dormia acreditando nas cores abstractas que fingem alimentar os teus olhos de granizo

pensava e acreditava

nas personagens sem nome que vagueavam antes de adormecer

pelo quarto sonolento das noites em solidão

como os vidros da minha janela

em cacos

pedaços

como um pobre coração

dentro do peito da saudade

correndo e batendo

os sargaços das tristes palavras de escrever

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 28 de Agosto de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:58

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