Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

02
Set 13

foto de: A&M ART andPhotos

 

Balanço-me das tuas tristes três palavras escondidas no disperso xisto que jazem nas tuas mãos como pigmentos coloridos de pequenos animais, balanço-me e esqueço-me, percebo-o agora, não o sabendo, das tuas outras vozes que alimentas o piano de cauda que vive no hospício com janelas gradeadas viradas para o jardim dos doces colares de pérolas, vejo-te passar sobre o alegre relvado onde brincam árvores, pássaros e crianças que ainda não lhes é permitido visitarem os pais, as mães... os amantes as amante, que amam, que vivem, que comem drageias como quem saboreia os gelados do Baleizão, sentava-me, via-te sobre saias curtas e sandálias com tiras finas de couro adormecido, passavas, olhavas-me e eu, indiferente

Saboreava-o como se ele fosse um botão de rosa descoberto no interior de um velho livro de poemas, havia junto dele uma fotografia, uma imagem estática, triste e com olhos mergulhados em água salgada, olhavas-me, olhas-me... e nada consegues dizer

Apenas

Talvez,

Que o dia terminou, que alguém correu o cortinado da tarde... e o Baleizão mergulha nas sombras dos barcos encalhados perto da Maria da Fonte, de longe chegava o som do Grafanil, cheirava a naftalina e a calções recheados de urina, e ouviam-se os teus suspiros depois de terminar o espectáculo de circo onde passeavas sobre um arame invisível, olhavas-me e vias-me...

Apenas

Talvez,

As mesas e as cadeiras metálicas, o chão em pequenos cubos de açúcar, e eu sabia que nunca mais regressaria aos teus abraços de menina vestida de branco passeando na companhia de um belo e monstruoso cavalo, pungente, e de olhar triangular como as estrelas do Mussulo, e apenas

Talvez,

Não, nunca percebi porque prendiam os barcos com cordas se eles de tão velhos quase não se movimentavam, viviam encaixotados em andares sem elevador, escadas, escadas, a cadeira de rodas mal conseguia mover-se no interior do caixote de vidro, e eles, os barcos, e eles os barcos enferrujados gritavam

Somos felizes aqui,

Perguntava-me

Felizes?

Não, nunca percebi porque prendiam os barcos com cordas se eles de tão velhos quase não se movimentavam, viviam encaixotados em andares sem elevador, escadas, escadas, a cadeira de rodas mal conseguia mover-se no interior do caixote de vidro, e eles, os barcos, e eles os barcos enferrujados gritavam como meninos antes do lanche, tristes, e no entanto, alguém os amarrava às cadeiras e às camas... como medo que eles

Navegassem...

Que eles

Fugissem...

Que eles

Que eles fossem fumar cigarros para Cais do Sodré, entrassem no Texas, pegassem numa das meninas cinzentas, e

Dançassem,

Dançassem até que o comandante com o apito embebido misturado com vodka... os mandasse regressar ao cais, ao cais do caixote de vidro, escadas, escadas, escadas... até que morriam, hoje um, amanhã outro...

E deixavam de ser barcos

E deixavam de ser as três tristes palavras.



(Não revisto – Ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:00

foto de: A&M ART and Photos

 

a quem pertencerá este corpo que habita nas escadas do meu sótão?

não vestido

voando como abelhas e poisando nas pétalas de madeira

debaixo do corrimão...

 

oiço-o ofegante adormecido nas noites de solidão

oiço-o em corrida apresada descendo a calçada

abrindo janelas

abrindo... olhares cintilantes com sabor a estrelas do mar

 

oiço os apitos marinheiros

embriagados por ti

e em ti

quando inventas seios de prata e coxas de chocolate

 

oiço-o mergulhar nas minhas asas

são os teus sorrisos vagabundos como silêncios prisioneiros das aranhas clandestinas

mórbidas

mortas pela ranhura de uma lâmina de barbear

 

(a quem pertencerá este corpo que habita nas escadas do meu sótão?

não vestido

voando como abelhas e poisando nas pétalas de madeira

debaixo do corrimão...)

 

e oiço-o suspenso nas árvores do jardim da Estrela

e oiço-o que me chama e precisa das minhas mãos para subir as escadas da insónia

pertencerás tu aos grandes pilares de areia?

o comboio cintila e morre nos teus olhos cintilantes envenenados pela luz falsa

reescrita nos muros das palavras deambulantes que as gaivotas trazem da ilha...

oiço-o

e oiço-o sobre a cama esperando pelos meus lábios de sabão

como as pequenas caravelas de esferovite perdidas no tanque dos quatro caminhos

 

a quem pertencerá? um corpo voando nas marés de vidro

um corpo um apenas e simples corpo

o teu corpo que ninguém consegue explicar a quem pertencerá...

terá nome idade sexo religião? um corpo putrefacto como as flores de Sábado à noite...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:06

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:08

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