Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

22
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Eras mármore gratinado nas doces tristes algas da solidão, havíamos de terminar a noite entre resmas de papel, cinzeiro recheado de beatas, neblina ensurdecedora que os cigarros vomitavam sobre a mesa decorada com objectos insignificantes, eras mármore sobre um piano coberto por um cobertor de areia, regressavam no final do dia...

Pombas, gaivotas e barcos enjoados devido à forte ondulação que as horas incompletas e mortas, pelas finas espumas que os marinheiros traziam no pulmão alcatroado por um empreiteiro de algibeiras encurraladas das tempestades que o medo, de vez em quando, deixava cair sobre o silêncio, os olhos, os olhos

Fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Comprido como a fome, as andorinhas regressavam ao local do crime, e as janelas de cristal sempre lá, suspensas nas árvores com ventoinhas eléctricas, do tecto, a chuva do teu cheiro, a catinga mergulhava na sombra nocturna do cinzento púbis que embebia a madrugada em despedidas ao Verão, regressado de longe, vêem-se as superfícies lisas das coloridas faces com lábios de amanhecer, ao longe

Aos olhos?

Vêem-se-lhe as pernas arqueadas e poisadas sobre o parapeito virado para as traseiras onde brincava um robusto quintal, velho, barbudo, atulhado de lixo, lixo... e aqui e além

O cheiro a catinga,

Os caixotes de lixos até não aguentarem mais alimento, vomitavam-se e sujavam as laminadas passadeiras em pura lã virgem, o pastor reclamava o preço a que lhe pagavam a lã, as ovelhas gritavam

Gatunos, gatunos...

O preço da água é um roubo,

Gatunos, gatunos... e o coitado do chibo endiabrado, correndo de leira em leira... até encontrar um rio com peixes voadores, até encontrar a mulher mais bela do cinzeiro onde ardiam algumas das beatas... e o lacrimante púbis enjoado devido às difíceis encostas cobertas por placas de xisto, e mármore gratinado nas doces tristes algas da solidão, havíamos de terminar a noite entre resmas de papel, cinzeiro recheado de beatas, neblina ensurdecedora que os cigarros vomitavam sobre a mesa decorada com objectos insignificantes, eras mármore sobre um piano coberto por um cobertor de areia, regressavam no final do dia...

Gatunos, gatunos...

O preço da água é um roubo,

Aos olhos?

A catinga absorvia o ranger

Oiço-os... meu querido

O quê?

A catinga absorvia o ranger que ela ouvia dos cornos em migalhas, depois do desgraçado do chibo, tombar como uma borboleta sobre a lápide do amor, recordava-se ainda do fumo embrulhado em fina prata de alumínio, e fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

E choram as tuas lágrimas

Fingiam que nada viam, adormeciam como embriagados homens de cabelo comprido,

Cumprido o teu desejo sublime, desfazem-se as pétalas em sorrisos amargurados, oiço-os

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Dormem... e dormem... e dormem... e ele gritava

“Povo desta aldeia... andastes quarenta e oito anos a dormir... e agora, agora comei do sono”

Aos olhos?

Os olhos dormem,

Dormem... e dormem... e dormem...

E onde está a lã das minhas ovelhas?

Ouvíamos-o chorando como uma criança empoleirada em calções e sandálias de couro, sentava-se no triciclo...

E dormem,

E onde está a lã das minhas ovelhas?

Dormem...

 

(Não revisto – Ficção)

@Francisco Luís Fontinha - Alijó

Domingo, 22 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:41

21
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

penso em ti enquanto habitas o meu esponjoso peito

com crateras de vidro

penso em ti quando se abre em mim uma qualquer janela

que o meu pobre corpo alimenta

possui

habitas em mim sonho encaracolado nos castanhos cabelos do amanhecer...

 

apaixonado cansaço do silêncio mendigo às ruas plastificadas como capas de livros envelhecidos

perdidos entre palavras e ventos agrestes

velas

e veleiros...

penso em ti... peito

mergulhado no Oceano mar em tristes marés nocturnas

 

penso em ti enquanto bebo o meu esponjoso peito onde habitas clandestinamente...

vestes-te de sofrimento e disfarças-te de fotografia

imagem pobre e apodrecida

das tempestades aos beijos em chuva de Outono

caiem as folhas dos teus lábios

e alicerçam-se no meu peito esponjoso... e lá deitas a cabeça da solidão

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 21 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:20

20
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Imagino-te na prensa do meu coração deambulando nas palavras que desperdiço em silêncios de gelo como o líquido da alegria que brota nos teus lábios de cereja, imagino a tua mão inconstante traçando gráficos numa ardósia suspensa no peito da cidade encurralada pelo cheiro obsoleto da ferrugem em teus pedaços de papel que transportas as sílabas mendigas dos alicates de porcelana, imagino-te deitada sobre os estranhos sons da tua pele quando pequenas gotículas de alga vivem solitariamente como versos desperdiçados nas calçadas vagabundas que olham todos as noites, varandas embriagadas, e sexos embebidos nas lanternas do ciume,

Recordo a cidade com leme de cortiça e no canto superior esquerdo uma simples inscrição com uma qualquer navalha que serviu para cortar haxixe ou brincar com sorrisos obscuros de heroína numa estrada ténue de prata, o alumínio vomitava letras sem significado físico, e um dia, a navalha caneta de tinta permanente, embrulhou-se num panfleto de cocaína..., abraçou-se a ele

(Francisco + Solidão)

Abraçaram-se e nunca mais se largaram, amaram-se até que um dia, uma noite, regressou a chuva e toda a poeira morreu contra os barcos encalhados nos poços da mendicidade, depois... a saudade, depois... a vida como nódoas em cortinados plastificados pelas palavras condenatórias dos outros,

(Francisco +)

A árvore cessou as melodias do amanhecer, o que sobejou da cortiça apenas um pedaço de madrugada existe com três ou quatro fotografias de paisagens imaginárias, invisíveis, havia uma fogueira que se extingui

(Fran)

E mesmo assim, eu, imagino-te na prensa do meu coração deambulando nas palavras que desperdiço em silêncios de gelo como o líquido que submerge o teu corpo na prateleira dos livros lidos em meados dos anos oitenta, um travesti conversava comigo sobre a possibilidade e existir no futuro um túnel que nos transportasse para o infinito, éramos duras rectas paralelas que acreditávamos encontrarmos-nos no infinito...

(Fr)

Compramos o livro de AL Berto “O medo”, e ficamos a perceber que Lisboa não era só o Tejo, a cidade tinha vida, vivia-se dentro de edifícios onde viviam ruas, e corações

(F)

E ficamos a perceber que Lisboa não era só o Tejo, a cidade tinha vida, vivia-se dentro de edifícios onde viviam ruas, a cidade não era só o esqueleto do travesti que lia os poemas de AL Berto sentado numa cadeira de vime junto ao Padrão dos Descobrimentos, a cidade era uma mulher vestida de negro, dormia com todos os dias do calendário, levantava-se tardíssimo, e quando entrava em casa, o meu primeiro cigarro era o seu último cigarro, fumávamos a meias, vivíamos como pássaros dentro de uma gaiola em vidro, alguns deles chamavam-lhe de Aquário, eu, para mim servia perfeitamente Capricórnio, mas insistiam, insistiam que o Leão era o Rei da Cidade com leme de cortiça,

(Francisco + Solidão)

E dizias-me que o vento tinha desancorado as correntes de aço que serviam para nos aprisionarem às janelas com grades de madeira, eu sorria, tu... choravas, ele... apenas queria subir e descer as ruas com nomes começados por

(F)

(Fr)

Compramos o livro de AL Berto “O medo”, e ficamos a perceber que Lisboa não era só o Tejo, a cidade tinha vida, vivia-se dentro de edifícios onde viviam ruas, e corações

(F)

E de lixados com (F) grande... passamos a ser portas e janelas com visibilidade reduzida, pensávamos ver o mar, pensávamos escrever as paixões húmidas dos jardins floridos em lágrimas de despedida, e ele

(Fr)

Compramos o livro de AL Berto “O medo”, e ficamos a perceber que Lisboa não era só o Tejo, a cidade tinha vida, vivia-se dentro de edifícios onde viviam ruas, e corações

(F)

Trocou “O medo” por um caderno quadriculado onde antes de adormecer...

(Francisco + Solidão)

Escrevia

(Francisco + Solidão).

 

(Ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Sexta-feira, 20 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:08

19
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

trazias nas mãos uma jangada com olhos castanhos

cansavas-te com o olhar das crianças

e dos pequenos botões de rosa

 

trazias dentro de ti um cubo de faces rosadas

dos pobres lábios ensanguentados pelo bâton uma lâmina de tristeza

absorvia a tua boca enlatada

como uma conserva

esquecida numa qualquer prateleira da despensa

 

sentia-te vociferar debaixo do sombreado fantasma

agarrado a uma pétala fotográfica

e a preto-e-branco

o fotografo vestido com sais de prata

alicerçava os pobres desejos da madrugada

 

(trazias nas mãos uma jangada com olhos castanhos

cansavas-te com o olhar das crianças

e dos pequenos botões de rosa)

 

e sabia-te enlouquecida quando te embrulhavas nas marés de areia

e corrias

e brincavas num corredor longo e estreito e alto

choravas parecendo a chuva desencadeada pelos sorrisos adormecidos

dos tristes minguados sonhos que a infância assassinou

 

trazias nas mãos a jangada da paixão

escrevias nos absolutos números complexos as amêndoas com chocolate

que o vento imaginava

e não sabendo que o cacimbo lhe pertencia...

ela adoptou como filha a doce menina equação diferencial

 

ela é a integral tripla dos seios loucos com voz de rascunho

sente no corpo o aparo da caneta de tinta permanente

acaricia-lhe as coxas como quando se folheia um livros de poesia...

e as palavras saltitam como gotinhas de suor na face alegre da Lua

ela é a integral que transporta na mão a jangada com olhos castanhos

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 19 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:04

18
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Poderia perceber a tua ausência, e mesmo assim, acredito nas planícies do teu olhar mergulhado em espuma e corações amarrotados, que vivem, que fingem viver dentro de algibeiras com janelas de porcelana, opacas, tristes muralhas para que me seja proibido

Olhares-me,

Habito num castelo sem escadas, muros, flechas com ponta de aço, e nem gaivotas me visitam, amo e sei que sou amada, choro e percebo que sou chorada, desejo e sei que sou desejada, e das tristes muralhas para que me seja proibido sonhar, oiço as tuas palavras contra os cortinados de vento, rodopiando em redor do meu corpo, suspenso, levitando como uma espada de aço no peito de um soldado,

Olhar-te e perceber que já não és tu, olhar-te e perceber que deixaste de pertencer aos uivos gritos das sandália plastificadas, sonolentas, olhar-te e perceber que eu não sou eu

Deixas-te de existir, vives não sabendo viver, comes, bebes, e esperas o regresso do mar que nunca ninguém nos garantiu que existia, que ninguém dos nossos presente garante ter visto, e no entanto, esperamos, temos esperança que desçam das sílabas mórbidas das flores comestíveis...

Olhares-me

Apareçam os tão desejados muros com alicerces de prata, o xisto revestido e desenhado como se de um vestido se tratasse, e os pássaros, esses imbecis... comem às mãos das costureiras que travestem agulhas e dedais antes de cair a noite

Sobre mim?

Olhar-te... cansa-me!

Beijares-me?

“Estou triste, meu amor, dizem que não vou ganhar a bicicleta...!”, e precisava tanto dela, e precisava tanto

De mim?

Não, não... chegava-me apenas a tua sombras disforme, envenenada pelos espelhos das montanhas adormecidas, na tela misturam-se cores abstractas, imagens fotográficas voam sobre um velho rio com cabelo branco, um planeta poderia chamar-se de “Uva Moscatel” e o meu próximo negócio vai ser precisamente vender lotes de terreno na Lua, assim

De mim?

Ou então

Melhor ainda,

Melhor de que lotes de terreno na Lua? Não, Não consigo deslumbrar...

Podias vender garrafas com o ar de Trás-os-montes,

Melhor ainda,

Podias vender garrafas com o ar do Douro Vinhateiro,

“Estou triste, meu amor, dizem que não vou ganhar a bicicleta...!”, e precisava tanto dela, e precisava tanto

De mim?

De ti e das tintas acrílicas para preencher as imagens a preto-e-branco das fotografias que suicidam árvores antes de cair a noite e de se evaporar a tarde, na Feira da Ladra?

Saem três garrafas de ar de “Trás-os-Montes”,

Com certeza, minha adorada senhora, é para já... deseja factura?

Não?

Olhar-te e perceber que já não és tu, olhar-te e perceber que deixaste de pertencer aos uivos gritos das sandália plastificadas, sonolentas, olhar-te e perceber que eu não sou eu, olhares-me e entenderes que sou, fui, e serei

Esquelético?

Não, não minha querida,

Às vezes sinto-me uma mesa de uma sala de jantar, à minha volta, imensos parvalhões sentados em cadeiras forradas a pele de crocodilo, apetecia-me prender-lhes as pernas com uma corda e atirá-los pela janela, ouvia-os caírem sobre os rochedos da madrugada, partia-se uma das garrafas com ar do “Douro Vinhateiro” e

Quanto custa?

São vinte e cinco euros, vinte e cinco deslumbrantes euros, e se o desejarem

Autografadas?

Claro, não problema...

“Estou triste, meu amor, dizem que não vou ganhar a bicicleta...!”, e precisava tanto dela, e precisava tanto

De mim?

De ti?

Claro, não problema...

 

 

(Ficção – Não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 18 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:03

17
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

levaria comigo as recordações

e alguns cachos de uva moscatel

desisto de “O medo – AL Berto” porque no paraíso não existe medo

amor

ou paixão

porque no paraíso apenas existem recordações

e a saudade

levávamos os cheiros de uma cidade em ruínas...

 

levávamos os sonhos desfeitos

e os desenhos para pintarmos quando chegasse a noite

levaria uma caneta de tinta permanente? lápis de cor?

não

talvez

as recordações adormeçam na mão da insónia

disfarçando-se de solidão

como árvores tombando sobre os velhos bancos em madeira

 

sonho connosco sentados a uma lareira

invento dentro de mim Invernos

e livros que poisarão nas nossas trémulas mãos

sonho com as conversas de dois velhos rabugentos

sempre discordando por tudo e por nada

sempre

sempre com uma mantinha sobre os joelhos

e com a esperança de que um dia o mar entre pela janela

 

(o leite e as bolachas)

 

sonho

levaria comigo as recordações

e alguns cachos de uva moscatel

 

e esperava infinitamente que se extinguisse a lareira

que cessassem todas as luzes do Universo

que morresse a Lua e o Sol

e que em todas as flores com coração de chocolate...

uma rosa absorvesse os teus molhados lábios

e te erguesses das cinzas cíclicas e sinusoidais do cosseno do desejo...

os teus seios fungiformes mergulhariam no “momento fletor” das tuas coxas

e uma viga regressada das lágrimas tangenciais do silêncio... a cor dos teus olhos

 

sonho

levaria comigo as recordações

e alguns cachos de uva moscatel

 

a cor dos teus olhos

verdes? castanhos? negros? desculpa-me... esqueci-me e nunca soube as cores

e nunca percebi os túneis de vento

ou... os buracos de minhoca

ou a tão afamada partícula de deus

eu sei eu sei

eu sei que para nós isso não tem importância...

porque levaríamos apenas as recordações e alguns cachos de uva moscatel

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 17 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:45

16
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Há uma estrela cansada de viver, há uma estrela apaixonada pela tempestade invisível das cidades com edifícios carnívoros, os homens, como eu, são comidos por poderosas guilhotinas de aço inoxidável, o carbono sabe a poeira de marfim, e ela passeia-se pelos jardins com árvores de papel,

Equações com muitas incógnitas dormem docemente na palma da tua mão, tu tocas os mamilos pelo integrais triplas, e diferenciais equações desenhadas no coração da areia, o mar, o mar regressa a ti e leva-as, como levas os ossos nossos que as guilhotina de aço

Comeram? Comem? Adormecem na tua face as abelhas claridade das manhas de Outono, sinto o frio entranhar-se em mim, serás tu, tu

Disfarçada de cetim?

Tecido barato, chita, ou...

O cigano refila com ela, o cigano tenta embrulhar a menina num cubo de vidro, mas a menina, toda sabida, consegue aldrabar o cigano...

Perguntas-me

Quem, quem consegue enganar um cigano?

Fico sem música, Wordsong silencia-se e oiço o AL Berto sobre a minha secretária a discursar, pergunto,

Quem, quem consegue enganar um cigano?

Outro cigano? Outro homem como eu, comido e bebido pela guilhotina de aço? Não, Não poderá ser... assim choviam navalhas sobre o cansaço das tardes de Carvalhais, e sempre tive uma paixão secreta por ela, por S. Pedro do Sul... pelas Termas de S. Pedro do Sul...

O avô Domingos,

“Olha meu menino... a filha do Zé é única como tu e têm muitos bens...”

É maluca como eu..., segredava-me o meu outro eu,

O avô Domingos,

“Muitas terras, casas...”

E eu e o outro eu... Queremos lá saber disso, nós queremos viver livremente, correr, atravessar o mar em direcção a Sul, depois viramos à direita logo à saída de Castro Daire, e é lá, é lá que está ela à espera de um fedelho em círculos, prisioneiro à mão do avô Domingo, nessa altura

Não “Fingertips”,

O avô Domingos,

Finger quê menino?

Nada, nada avô... estava a falar da Teresa, daquela que você diz ter muitas terras, e casas... e parvoíce a mais dentro do pequeno cérebro misturado em areia e teias de aranha,

Sina de dinheiro,

O quê? Finger quê?

Nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha

Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...

Porquê, meu menino?

Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...

Finger quê, meu menino, Finger quê?

Nada, nada avô, nada, porque o sol vem sempre acompanhado, nada, nada avô, nada, porque a chuva traz sempre outro amigo, e esse amigos traz um pedaço de vento e o vento

Leva-te os papeis onde escreves, não é meu menino?

(nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha

Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...

Porquê, meu menino?

Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...

Finger quê, meu menino, Finger quê?)

E sentava-me junto às bananeiras, pertinho dos antigos balneários, e havia um banco só meu, tinha sempre na mão um livro, um caderno e uma caneta, e passava tardes inteiras a conversar com o enxofre da fonte incandescente junto a mim...

Nunca mais ouvia as palavras dele. Nunca mais.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:41

foto de: A&M ART and Photos

 

saberás que ainda existo

eu

disfarçado de insónia

dormindo solitáriamente debaixo do teu cabelo

olho-os

são os teus lábios de melancolia que ornamentam as minhas mãos tristes

mórbidas

olho-os

são os teus seios embrulhados nas flores doiradas das atmosferas inventadas pela solidão

eu

saberás que ainda existo

que tenho fome

 

como-as (as horas) aos insignificantes relógios de pulso mergulhados na neblina

eu

que ontem percebia as andorinhas

conversava com as gaivotas

e quando atravessava o Tejo...

olhava-as

as coxas tuas como cavernas traçadas no xisto cinzento dos sonhos encarnados...

saberás que existo?

 

as noites horas

sem estrelas

janelas

ruas e ruelas

calçadas

e rios embriagados pelo incenso do teu corpo húmido outrora em tons de negro

como as rochas

quando se extingue a maré

quando tu te extingues

e procuras-me nas migalhas do jantar

saberás que ainda existo

eu? o homem de vidro com cabeça de seara planetária... sobre os alicerces do inferno...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:43

15
Set 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Excelente título para qualquer coisa com palavras...

O que pensas da paixão em dias de chuva, meu querido?

Excelente, divinal sorriso em silêncios brancos, os lenços de linho e bordados pelas tardes infindáveis das suas mãos de pergaminho, sentava-se no meu colo e abraçava-me, pedia-me

Posso beijá-lo?

Respondia timidamente que

Sim... talvez... silêncios brancos, lenços em linho, e nos lábios seda pura como lágrimas de Outono nas videiras nocturna dos socalcos virados para o rio, tudo parece existir, não existindo, as janelas de xisto

Abriam-se nas clandestinas jangadas com velas aos braços cansados nos Domingos depois do jantar, sabia-a apetecível... mas a senhora dona sobre mim absorvia todas as cores do arco-íris, comia-me a madrugada, e eu, nem com o amanhecer conseguia brincar, acariciar, nada, como se ele fosse um corpo desejado e intocável

Posso beijá-lo?

E havias as janelas de xisto suspensas nos cabelos da montanha, e havia as perdizes voando sobre os cachos ensanguentados pelo suor de quem os apanha, carrega-os, e

As janelas de xisto

E

As janelas de xisto

E

Posso beijá-lo?

E ele beijava-o e víamos o amanhecer pregado aos lábios da manhã...

E

Posso beijá-lo?

Perguntávamos-lhes se os beijos tinham açúcar, e perguntávamos-lhes se o amanhecer tinha desejos como os homens, como os homens, e como as mulheres, e as mulheres em outras mulheres, depois e os tristes homens em outros homens,

Posso beijá-lo?

E depois

As janelas de xisto

Vinham as sombras da noite anterior, entravam-nos e levavam-nos

Como crianças pela mão?

Como xistos em janelas de correr, guilhotinas simplificadas,

Quer factura?

Guilhotinas transparentes entre rochas e ruelas mergulhando a aldeia num frenesim de loucos, aviadores esqueléticos, aviadores sobrevoando imagens a preto-e-branco do teu corpo amargurado, absorvido pelo sémen nocturno dos esteios em palavras cansadas que a mão dele deixavam ficar nos lábios de outro ele, amavam-se

Amo-o, dizia-lhe entre sorrisos brancos, e no entanto hoje procura moedas de cêntimo na Calçada da Ajuda, ouve os apitos de um barco que partiu há vinte e cinco anos, para onde?

As janelas de xisto?

Beija-me,

E ele beijou,

Abraça-me...

E ele... timidamente... não abraçou... e desapareceu dentro do cacimbo como se houvesse um túnel secreto no peito dele, onde supostamente

As janelas de xisto?

Posso beijá-lo?

Que supostamente

E ele... timidamente... não acordou, e desapareceu... que supostamente lhe tinham cortado com a tesoura da dor...

O quê, o quê?

A vontade de amar, de amar como se amam as paixões envenenadas em suicídios de amêndoa...

 

(Não revisto – Ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 15 de Setembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:10

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:24

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