foto de: A&M ART and Photos
sou um desalmado corpo suspenso nas madrugadas de adormecer
corro sem saber que dentro do vento
uma árvore morre
e um pássaro
filho do amanhecer
saltita sobre os muros das cidades de xisto
sou estes olhos que te lêem e estas mãos que te folheiam
brincam com as tuas palavras desconexas
sou a enxada que transportas dentro de ti
sou um desalmado corpo
perfumado pelos cansaços dos telhados de chocolate
sou a não vaidade
as sílabas castanhas dos cortinados sem janelas
sou as caricias tuas quando um espelho fica em migalhas
o teu corpo voa e esconde-se na neblina de um quarto alugado
sobes as escadas e bates à porta
… sou um desalmado homem que vive no duzentos e dezasseis
envergonhado de mim quando procuro os cigarros adormecidos nos cinzeiros das montanhas
abraçava-te e sabia-te volátil como serpentes enroladas nos tornozelos da tarde
ouvíamos as canções dos mendigos sentados sobre as lágrimas do silêncio
havia música com bata-frita e amêndoas grelhadas e cheirávamos as réstias sebentas com versos sós e magoados pelos copos vazios da vodka abandonada pelas flores de papel
sou um desalmado corpo suspenso nas madrugadas de adormecer
corro sem saber que dentro do vento
uma mulher vestida de negro
não alegre
não gaivota procurando os montes da paixão esquecida nos tentáculos dos braços de aço
que sobem as calçadas como corredores da morte
sou o milagre escondido que todas as mulheres tentam sobreviver
sou um pedaço de pedra deitado numa cama abandonada
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 10 de Outubro de 2013