Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Esqueço-me que a minha velhinha máquina de escrever ainda escreve, apesar da idade, ainda lhe sinto em algumas das noites o pulsar das teclas, às vezes percebe-se que existe um sobressalto, coisa pouca, quase como quando vamos por uma calçada e encontremos uma das pedrinhas salientes, damos um pulhinho, quase que caímos ou não caímos e continuamos as conversas como se nada tivesse acontecido, acontece que muitas da vezes faltam-lhe as palavras, algumas deixaram de existir nela, outras come-as embrulhadas nas também velhas folhas de papel, e ainda tenho o problema da fita, quase inexistente, quase transparente, e vejo as letras como que invisíveis rajadas de vento quando os edifícios da outra margem vergam, ajoelham-se e rezam, e assim vão acontecendo frases, palavras misturadas em negros e vermelhos, rasuradas com o lápis-borracha, e qualquer dia, ela

FIM,

E qualquer dia, ele

FIM,

E qualquer dia, nós

Esquecemos-nos que a nossa velhinha máquina de escrever ainda escreve, pouca coisa, ou quase nada, mas escreve, banalidades, a fulana do terceiro esquerdo diz que o companheiro do quarto direito a agride, o transparente transeunte do rés-do-chão afirma a pés juntos que a menina do sexto frente está quase sempre embriagada

E eu, a velha máquina de escrever, pergunto-me

Que tenho eu a ver com isso tudo, que me interessa a mim, ao papel onde escrevo e à fita que colocas os careceres já gastos no pequeno papel, às vezes tão fino que consegue-se ler do outro lado

Do espelho?

E qualquer dia, ele

FIM,

E qualquer dia, nós

Fartos de ouvir, de ler, banalidades,

Coisas sem significado, fulana põe os cornos ao marido, e depois?

O marido corneia a fulana, e depois?

Que tenho eu, uma velha máquina de escrever com todos esses acontecimentos, e a culpa foi do parvalhão que me tirou da caixa em plástico rijo onde eu habitava, anos e anos encerrada, dormia, sonhava...

E eu, a velha máquina de escrever, pergunto-me

E depois?

“Fodia não fodia” mas percebia,

E depois?

FIM,

Da vida, da escrita, das folhas em papel, e do cheiro a tinta, fazes-me falta quando sentia os teus dedos no meu teclado, e depois de escreveres um poema ou um texto, sentia-te dentro de mim e ele acontecia, o orgasmo maquinal

FIM,

E deixaste de tocar-me e deixaste de escrever em mim e deixaste de olhar-me e pegar-me e acariciar-me e

FIM,

Beijinhos,

FIM.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 27 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:47

foto de: A&M ART and Photos

 

percebo pouco dessas coisas do amor

lexical... sou um desamor

desalmado

desiludido

cansado

sou um estupor

fingidor

percebo pouco dessas coisas do amor

 

percebo

pouco

e construo palavras com réstias de cinza dos barcos a vapor

percebo pouco dessas coisas do amor

da paixão

e do coração de uma gaivota com seios de pôr-do-sol... percebo pouco

dessas coisas sem motor

nas mãos de um louco

 

percebo pouco dessas coisas do desejo

do beijo

e das lágrimas em flor

percebo tão pouco dessas coisas do amor...

ai o amor...

ai e ai

e não vem e não cai

como sanzalas na lareira tuas coxas sem sabor

 

sem as palavras do amor

que eu não percebo nada

não entendo

não sei o significado de janelas com vidros de prata

não percebo nada dessas coisas do amor

dos telhados em lata

em chapa

o amor como tuas lágrimas que jorram na madrugada

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 27 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:28

foto de: A&M ART and Photos

 

converso com as pedras húmidas dos socalcos em flor

e oiço a tua voz mórbida embrulhada na neblina que se entranha no amanhecer

oiço as tuas mãos descerem às profundezas do desejo

encontro-as abraçadas aos espelhos da dor

sou um bandido recheado com pétalas de amor

e recibos envenenados dos alguidares sobre o tanque da desova...

converso e estranho a presença dos teus seios

nas montanhas de absinto

miseráveis pedaços em papel

onde escrevo

e sinto

as palavras sem sentido

 

(as palavras indesejadas

as palavras... palavras malvadas)

 

converso com as pedras húmidas dos socalcos em flor

e misturo-me com as daninhas ervas em caricias cores

escrevo-te sabendo que a saudade ainda vive dentro de nós

como um rochedo

alicerçado

mergulhado

prisioneiro das janelas com vidros de mármore

lápides onde jaz o teu nome

e vive a minha idade

as palavras

indesejadas

as palavras... palavras malvadas

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 27 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:07

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