Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

23
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Começávamos a alimentar, primeiro os porcos e as galinhas, depois eles, e nós, quase sempre, os últimos da ninhada, nunca chegava, parecia-nos pouco, ou nada, sentávamos-nos sobre o tanque do terreiro e olhávamos o silêncio repatriado das papoilas navegantes das caravelas em bolor, sentíamos a ondulação da tristeza a entranhar-se-nos como facas de um velho faquir no tronco da velha árvore do recreio,

Recordas-te ainda dos arvoredos infelizes que dormiam em nossa casa?

O velho faquir tinha uma mulher que costumava aparecer junto a nós, sempre de branco, talvez porque ela apenas vivia de noite, porque ela era filha da noite, poderia eu perguntar-me se ela era a minha mãe, pois eu

Adoro viver de noite, queria ser a noite sem interrupções, lanternas mágicas ou... cortinados com estampados de verniz e cansados nos arames verticais das ruas entupidas de lixo, mendigos, nós à procura de outros mendigos

O Velho?

As facas gemiam quando entravam na fina casca da madeira e não sabíamos que o velho faquir usava uma máscara de vidro para que ninguém o reconhecesse... ao que parece, ele

Eu sou o filho da mãe noite, eu sou a faca que rompe a madrugada, eu sou a roseira que quando chora

Dela brotam as pequenas gotículas de sangue que a saudade esconde na sombra das mangueiras dos quintais longínquos das esplanadas viradas para o mar, o filho da noite, eu, eu não sabia que existiam eléctricos, não sabia o significado de eléctrico... e dizia ao meu pai que o autocarro da carreira se apelidava de

Machimbombo,

Eu sou o filho da mãe noite, eu sou a faca que rompe a madrugada, eu sou a roseira que quando chora, ouvem-se-lhe os picos em aço inoxidável infestarem a velha árvore do recreio, rompíamos as calças, e usávamos joelheiras em napa para disfarçarmos os tentáculos e húmidos buracos da Primavera,

(começávamos a alimentar, primeiro os porcos e as galinhas, depois eles, e nós, quase sempre, os últimos da ninhada, nunca chegava, parecia-nos pouco, ou nada, sentávamos-nos sobre o tanque do terreiro e olhávamos o silêncio repatriado das papoilas navegantes das caravelas em bolor, sentíamos a ondulação da tristeza a entranhar-se-nos como facas de um velho faquir no tronco da velha árvore do recreio, e não sabíamos que havia dentro de nós uma fina tábua, quase invisível, recheada de prego, e durante a noite, o velho faquir...)

Adormecíamos acreditando que tínhamos o estômago cheiro, estávamos fartos, tão fartos que até inventamos uma sanzala em papel só nossa, a nossa sanzala de papel com pequenos charcos para durante a noite

Chapinávamos nos charcos da sanzala de papel inventada por eles e acreditávamos que éramos felizes assim,

Assim,

Como?

O machimbombo,

A chuinga estremecia-me a dentadura de marfim que tinha partido do jacaré em pau-preto, havia uma imagem que nunca esquecemos, os barcos zangados rompendo pela cidade como animais ferozes e envenenados pelas castanhas ondas que o abismo desenhava em nós, e tu, e eu,

Dormíamos,

Sou teu filho, tu, a noite que me acolhe, alimenta, afaga o cabelo,

Branco?

Não negro,

As roseiras?

Não às bolinhas,

Esqueci-me da cor do meu cabelo, esqueci-me que a minha mãe dorme enquanto eu, eu sonho, e invento palavras para te recordar dentro de uma lápide sem nome, idade, como o poema escrito e deixado sobre a mesa... depois de fazermos amor... voavam os campos de centeio que zumbiam em Carvalhais, olhávamos as espigas do doirado milho...

E não sabíamos que Machimbombo era autocarro da carreira...

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 23 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:36

foto de: A&M ART and Photos

 

os triângulos insectos que o sofrimento padece

quando lhe pertencem as tuas mãos de andorinha selvagem

os senos inventados dos lábios em engrenagens que à tua boca atracam

e se afundam como serpentes cordas em nylon emagrecido que a madrugada alimenta

os triângulos insectos que se alicerçam ao teu peito

bebíamos pétalas de silêncio em efusão de sílabas desastradas como pedras de calçada...

havíamos roubado todos os barcos naufragados das avenidas embriagadas

entravam em nós marinheiros e meninas de mini-saia doirada com círculos encarnados

pensávamos que era o rosto da lua

mas a lua nunca foi encarnada

mas a lua nunca pertenceu aos barcos envergonhados das avenidas embriagadas...

então?

 

(os cossenos dos teus seios dentro de tristes equações diferenciais

depois

havíamos roubado todos os barcos naufragados das avenidas embriagadas

e ficávamos com as tangentes do sofrimento que sobejavam das flores do medo...)

 

então

então pensávamos que o seno hiperbólico da saudade vivia no mesmo quarto que os beijos cansados

dos triângulos insectos em teus cabelos mergulhados na geada cristalina da montanha dos peixes...

então...

então víamos o regresso da paixão em ensonadas linhas paralelas

então...

ouvíamos os uivos grunhidos dos corpos em movimento uniformemente acelerado

parávamos em frente aos telhados de zincos dos guindastes da pobreza...

então...

então percebíamos que as palavras escritas nos quadriculados cadernos...

eram os encarnados círculos disfarçados de cossenos parvos

disfarçados de senos loucos que a trigonometria inventou para nós...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 23 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:55

entristece-me este poema não escrito

desenhado nas masmorras do teu sofrimento

entristece-me a tua boca construindo suspiros e lágrimas em palavras de pergaminho...

entristece-me a tua voz solicitando um abraço

nos distantes corredores do silêncio

entristece-me a tua solidão abismal dos sótãos embriagados em marinheiros vampiros

entristece-me quando te olho vagueando os rios sobre as pontes de madeira

merecias um sossego comediante

um sorriso

um beijo antes de partir... se vais partir sem te despedires dos azulejos cerâmicos do teu olhar

se vais abandonar as tuas pálpebras de cetim como cortinados da janela dos sonhos...

entristece-me este poema teu não escrito

 

(serás feliz sem mim?)

 

entristece-me ver-te entranhado nas gotículas de sémen que os pássaros deixaram nos jardins abandonados

entranhando-se os comboios sonâmbulos das avenidas repatriadas nos montículos de areia doirada

entristece-me os teus olhos malignos

em margaridas ruas repletas de crianças em pinceladas telas do amor apaixonado...

serás feliz sem mim?

entristece-me as cornijas do sono sobre o teu corpo dilacerado

dorido

sofrido

e magoado...

entristece-me quando gritas o meu nome

e não percebo se será a última vez que o fazes...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 23 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:42

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